Pronunciamento de Lauro Campos em 14/06/2002
Discurso durante a 88ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Considerações sobre a política sócioeconômica mundial.
- Autor
- Lauro Campos (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
- Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA SOCIO ECONOMICA.
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
- Considerações sobre a política sócioeconômica mundial.
- Publicação
- Publicação no DSF de 15/06/2002 - Página 12072
- Assunto
- Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
- Indexação
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- COMENTARIO, HISTORIA, EFEITO, CAPITALISMO, REFERENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DOMINIO ECONOMICO, AMBITO INTERNACIONAL.
- ANALISE, EFEITO, CAPITALISMO, BRASIL, CRITICA, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REPUDIO, PARTIDO POLITICO, AUSENCIA, APRESENTAÇÃO, PROGRAMA DE GOVERNO, ELEIÇÕES.
SENADO FEDERAL SF -
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O SR. LAURO CAMPOS (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sei que é fácil e, por isso, está sendo profusamente usada a técnica de “fulanizar” os problemas, de “fulanizar” a crise da economia capitalista que se abate de forma diferente sobre o centro, outrora dinâmico, do capital e a sua periferia sacrificada. Nunca “fulanizei” a crise ou os graves problemas econômicos, sociais, políticos e culturais que o sistema capitalista produz em escala crescente.
Há cerca de um ano, proferi aqui um discurso intitulado “Entre o Silêncio e a Mentira”. Eu tinha absoluta certeza de que veríamos repetir, no Brasil, uma atitude semelhante àquela que envolveu países da Europa, como a Alemanha, por ocasião da primeira eleição de Gerhard Schröder, e que anteriormente já havia se apresentado com traços bastante semelhantes por ocasião da eleição de Tony Blair, na Inglaterra.
A dinâmica keynesiana abrange aquele período em que o Estado capitalista, que é capital, que é parte do capital, que é sustentáculo do capital, que sustenta a taxa de lucro com uma mão e o volume de emprego com a outra, que protege os banqueiros com ambas mãos, que abraça os banqueiros e que tenta garantir também as condições de reprodução, subsidiou, estimulou os investimentos industriais e a formação do capital produtivo.
O Estado capitalista é esse ser, essa criação, essa formação histórica, social, econômica, protéica, cheia de braços e de abraços, que, desde o início do capitalismo, foi se formando juntamente com ele, interagindo com ele. Em certo sentido, como dizia o grande pensador inglês Jeremy Bentham, “capital é poder, poder sobre coisas e pessoas”, e aquela organização política que se desfaz do capital, aquele país capitalista que deixa de amparar e de acumular o capital, que passa a jogar fora o capital, a dar pontapé no capital - e dinheiro não aceita pontapé -, aquele país que, levado por uma incompreensão total do processo de formação e deformação do capitalismo na fase atual, desfaz-se de suas empresas estatais, da sua estrutura produtiva e de sua organização política, demitindo funcionários, enxugando e entrando numa anorexia fantástica, não consegue mais exercer a sua função de Estado capitalista, de amparar a agricultura, a indústria e o comércio, de fortalecer as relações internacionais. É o governo do “neonada”, é o governo neoliberal que ressuscita uma denominação de 1873 para fazer com que seja a tabuleta de suas colocações perdidas.
Portanto, uma vez que a dinâmica keynesiana entra em crise, os gastos do governo que sustentaram o processo keynesiano - a moeda inconversível que foi necessária à sustentação do capitalismo keynesiano e de sua dinâmica desde os anos 30, a formação não apenas do state money, do papel moeda inconversível, mas também a sua utilização - despertam o contrapolo da dívida pública, que tenta retirar, enxugar parte do dinheiro que o governo foi obrigado a lançar para aumentar a demanda efetiva que a sociedade, deixada a si mesmo, liberal, não consegue absorver como não consegue remunerar a produção, que não alcança os níveis de 1929.
Por isso, o governo passa a ser o grande gastador, o grande mercado também. Ele, que auxiliou a produção e a circulação, que forneceu estímulos para que a taxa de lucro não caísse, passa a ser o grande mercado. Foi por isso que - é bom repetir - uma mercadoria, um produto altamente significativo, chamativo, a máquina que abalou o mundo, o automóvel, que teve uma produção de 5,3 milhões de unidades, em 1929, nos Estados Unidos, em 1943, 14 anos depois, teve uma produção de apenas 700 mil carros. Quatro milhões e seiscentos mil carros deixaram de ser produzidos. Por quê? Essencialmente, porque não havia comprador. Então, o governo passou a comprar. Mas o governo não poderia comprar aqueles 4,6 milhões de carros. Esse excedente teve que mudar de forma e assumiu uma forma adquirível pelo governo, como produtos bélicos e espaciais, e, mais modernamente, esse escudo antimíssil e esses ataques feitos pelos Estados Unidos a sete países. Alguns, de maneira declarada, com bombardeios declarados e expressos; outros, com influências mais indiretas, como acontece com o Brasil. E esse poderio norte-americano, há muito tempo, desde a II Guerra Mundial, transformou-se num poder internacionalizado, globalizado.
Hitler perdeu a guerra, mas ganhou a paz. Não há dúvida alguma, do meu ponto de vista, de que as instituições que Hitler pregava até sobrevivem nos Estados Unidos. Sobrevive também aquele destino expresso, aquela proposição de que o Estado hengeliano de Hitler era um estado predestinado e que tinha tanto poder que, assim como Deus soprou no pó a alma do homem, ele soprou no papel o poder do dinheiro, como disse Karl Friedrich Knapp , um hengeliano de direita.
Roosevelt disse, num livro intitulado Os Mil Primeiros Dias: “o que estou fazendo aqui é a mesma coisa que Hitler está fazendo na Alemanha”. Com a II Guerra Mundial, apareceram os resquícios daquela formação democrática pretendida por alguns pais da pátria, por alguns participantes daquelas discussões superiores que se travaram no final do século XVIII, os federalistas. Tratava-se de discussões e receios: receios de que os Estados Unidos deixassem de ser democráticos; receios de que, por exemplo, um grupo de militares chamado Cincinatt, poderia colocar a coroa na sua cabeça e transformar os Estados Unidos num reino à parte do reino inglês, coroando um militar rei dos Estados Unidos.
Esses receios sempre estiveram presentes na formação dos Estados Unidos, mas não há dúvida alguma de que, com o deflagrar da II Guerra Mundial, que salvou, de acordo com Lord Keynes, a economia capitalista da crise de 1929, que aumentou a demanda efetiva, que reabsorveu a mão-de-obra desempregada, que fortaleceu a taxa de lucro decaída por meio de uma eficiência marginal fictícia do capital - neonome dado ao lucro esperado pelo Lord Keynes -, o governo passa a produz o lucro, dando-o aos empresários, auxiliando e complementando o lucro produzido pelos trabalhadores. Esse lucro produzido pelos trabalhadores estava em queda devido ao desemprego, principalmente. Quarenta e quatro por cento de desemprego na Alemanha e 25% nos Estados Unidos. Isso, repito, faz cair o lucro que o governo aumenta e sustenta, a fim de injetá-lo na economia depauperada e em crise.
Portanto, quando todo esse processo entra em colapso, a economia keynesiana deixa de exercer todas essas funções de salvamento da economia capitalista. A UTI, a que se recolheu o capitalismo nos anos 30, fica cada dia mais cara, mais dispendiosa, e a dívida pública coloca obviamente um limite a esse processo. A dívida pública americana, que, no final da II Guerra Mundial, atingiu 119,9% do PIB americano, põe um fim, um limite, uma crise ao keynesianismo, outrora dinamizador, e, portanto, deixa como rastro uma grande desproporção que tem sua base, origem e sede no próprio Estado nacional capitalista.
Entra em crise o capitalismo keynesiano, que é, na realidade, a última etapa, o último recurso possível em certo ponto de vista da economia capitalista, essa que, até 1929, aumentou fantasticamente as forças produtivas, erotizou o mundo muitas vezes com sangue e suor excepcionais. Essa era ainda uma economia em grande parte produtiva. Mas, a partir daí, ela, que era erótica, se transforma em tanática, passa-se a valer da Guerra como a sua solução envergonhada: 344 guerras foram deflagradas entre 1740 e 1974, de acordo Bouthoul e Carrere, página 16 do livro O Desafio da Guerra; 87 guerras internacionais entre 1840 e 1940, de acordo com Eric Hobsbawn. Desse modo, não há dúvida alguma, de que, como disse Keynes, “duvido que tenhamos conhecido um auge recente capaz de levar ao pleno emprego, exceto durante a guerra”. Só os gastos do governo em guerra, a grande dissipação, a grande produção tanática e destruidora conseguem fazer com que o capitalismo se aproxime do pleno emprego.
O capitalismo, portanto, não pode mais administrar, fazer circular e consumir o excedente que ele produz. Esse excedente produzido pela economia capitalista na agricultura transformou-se na Lei de Roosevelt, segundo a qual o Governo deveria pagar para que não se plantasse. Posteriormente, julgada a lei inconstitucional, Roosevelt começou a pagar para que se plantasse cactos em vez de mercadoria agrícola; de um lado produzindo bens não consumíveis e não reprodutíveis, produtos bélicos, espaciais, etc, de outro lado, produzindo cactos. Esse foi o grande destino e a grande salvação da economia capitalista. Ela se tornou, portanto, altamente dissipadora e mostrou sua natureza final e real.
O capitalismo também passou a mostrar, como Malthus já havia previsto, que aqueles que chegam tarde ao banquete, os pobres muito numerosos que chegam tarde, devem simplesmente despedir-se, devem morrer para não perturbar o banquete festivo daqueles privilegiados capitalistas escolhidos por alguma mão invisível.
Agora estamos vendo que o capitalismo não é apenas dissipador, produtor muito bem remunerado da destruição sistemática e sistêmica, mas um sistema abortivo. No Brasil, estamos bem satisfeitos porque deixaram de nascer. A taxa de natalidade caiu de 4% para menos de 2%. Se ela tivesse permanecido em 4%, a renda per capita, no ano passado, teria sido negativa. Então, batem palmas para aqueles que não nasceram, que foram abortados em troca de um pequeno rádio de pilha ou de qualquer bugiganga para aquelas senhoras que foram induzidas ao aborto por esse sistema abortivo - não apenas marginalizante -, que, assim, ajuda a aumentar o PIB per capita.
É natural que, diante desse caos, estas atividades subterrâneas se desenvolvam fantasticamente: o tráfico de crianças, o tráfico de drogas, a prostituição, o uso e abuso do trabalho infantil, do trabalho de menores, o abandono da Saúde, o abandono da Educação e pacotes e mais pacotes cada vez mais perversos do capitalismo, principalmente do capitalismo subdesenvolvido, que, sendo um capitalismo semi-integrado, não podendo produzir armas, tem que comprá-las e importá-las; que, não podendo produzir nos setores em que se sedia a R&D - Research and Development - a indústria do desenvolvimento tecnológico da tecnologia moderna, é obrigado a copiar e repetir, xerocar pacotes que não são aplicados na matriz. Lá, não demitiram ninguém.
Os Estados Unidos possuem 14% de sua mão-de-obra como funcionários públicos. Mas nós, aqui, temos que demitir. Reduzir o emprego ficou bonito, ficou novo, é elegante. Os antigos, os mastodônticos é que gostam de um Estado que emprega os funcionários que a indústria havia colocado no desemprego. Isso é do passado. Agora, não. Nós somos modernos, racionais e frios. Deixamos morrer de fome, deixamos subir os morros. Em vez de enchermos a barriga, o estômago e a satisfação, enchemos o espírito de ódio, de revolta, de necessidade de se tornar assaltante.
Numa situação como essa, é óbvio que a sociedade tinha que se desorganizar para melhor cumprir esses papéis, para ensurdecer-se, para tornar-se muda e acrítica. Alguns sociólogos sabiam disso e, na ocasião em que eles desejavam um País mais brasileiro, mais nacional, mais consciente, pregavam que a democracia verdadeira só poderia subir quando a sociedade se organizasse em entidades civis, em ONGs, em sindicatos, na CNBB, no MST. E essa sociedade organizada iria recebendo parte do poder concentrado e superconcentrado nas ditaduras e nos regimes despóticos latino-americanos.
Mas, ao chegar no poder, fizeram justamente o contrário: desmoralizaram os sindicatos; não consentiram nenhuma vitória sindical; reduziram os salários; cooptaram sindicatos pelos recursos do FAT, dos próprios trabalhadores - dinheiro de trabalhador cooptando e financiando trabalhadores. Portanto, fizeram justamente o contrário: desmoralizaram esses órgãos da sociedade civil para falar diretamente com o povo, como Hitler fazia e, antes dele, Mussolini. É uma conversa direta, é só o homem da televisão, o grande líder da televisão, com seu narcisismo incansável, dirigindo-se e dirigindo as suas mentiras e suas promessas vãs e frustradas à população.
Entre essas promessas, entre essas mudanças e essas metamorfoses que são praticadas pelos trânsfugas, pelos apóstatas, pelos que traem as classes a que pertencem, está a traição dos trabalhadores em escala mundial praticada por Schroeder, Tony Blair e Fernando Henrique Cardoso. Não falo em Bellusconi, porque este sempre usou e abusou da sua face, da sua estrutura e do seu estofo fascista. Ele, pelo menos, não traiu os trabalhadores, não foi lá dizendo que era um deles para pôr em prática justamente uma política que os trabalhadores não suportariam se, ao invés daqueles da dita Esquerda, socialdemocracia, estivesse no poder alguém da Direita declarada, da Direita raivosa, da Direita inimiga dos trabalhadores.
O capitalismo é tão esperto que coloca na Argentina, no Brasil, na Alemanha, na França, esses prepostos da burguesia desesperada, ex-trabalhadores, ex-homens da máquina, como Schroeder foi e acabam frustrando, desmoralizando e abrindo a via ampla para a Direita voltar na próxima eleição.
O Sr. George Soros, quando era criança - li uma biografia a seu respeito -, até uns 8 ou 10 anos de idade, achava que era Deus. Depois cresceu e, um dia, resolveu derrubar a libra na Inglaterra, a moeda inglesa. E perguntaram-lhe por quê. E ele disse: “Não gosto dos ingleses”. E derrubou-a. Aqui, no Brasil, vemos que os prepostos do Sr. George Soros, antigos discípulos e funcionários de sua megaorganização especulativa, assumem postos de Presidente de Banco Central. Com dupla nacionalidade, ainda mornos, recém-saídos da estrutura do Sr. George Soros, eles vêm para cá. Antes, como diretores, haviam preparado o caminho da especulação, do dinheiro estrangeiro que poderia entrar no Brasil, especular e sair sem quarentena, sem qualquer perigo, sem qualquer risco. Prepararam o caminho e, agora, como Presidentes, estão aí “soroficando” este País.
Infelizmente, como disse e escreveu o Presidente Fernando Henrique Cardoso: “Vai-se criando o antiestado nacional dentro do Brasil.” E esse componente estrangeiro de Soros, de Fraga, de Malan, de Fernando Henrique, etc, vai-se aliando a fornecedores de partes e peças, a industriais, a banqueiros, vai comprando bancos e vai assumindo até mesmo a Presidência, consciente do antiestado nacional brasileiro.
À Argentina que, há três meses, pedia US$1 bilhão para se salvar, foi negado qualquer moeda em seu pires vazio. O Brasil, agora, tem outro tratamento. Nós vamos levar para a nossa agonia, para aumentar a nossa permanência nessa UTI, não apenas aquele dinheiro que roubaram da minha conta bancária há cerca de uma semana. Calote sim, corralito em real foi dado em todos os brasileiros. Na Argentina, o corralito foi dado nos depósitos em dólar. Aqui, como não havia depósito em dólar, deram o corralito em real. Assim, vemos que o antiestado nacional brasileiro, presidido pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, que o previu, vai entregando os dedos, porque os anéis já se foram.
É muito triste, portanto, assistir a esse espetáculo, ao caos eleitoral, à falta de proposta, à destruição dos partidos políticos, à falta de voz, de consciência e de debate. Os debates são vazios, entre o nada e o coisa nenhuma. As propostas são meras conversas fiadas, completamente distanciadas das necessidades reais, fundamentais, cruciais, desesperadas da sociedade de hoje.
Até o momento, nenhum partido tem um programa de governo. Apresentam na televisão fragmentos não calculados, não planejados, não planificados, não reintegrados dentro de uma totalidade em funcionamento; não provada, portanto, a viabilidade do programa, se um dia for colocado em prática.
Para terminar, vamos lembrar a expressão de Bresser Pereira, que é tão atual: há um discurso para ganhar as eleições e outro para governar.
Eis a confissão antecipada daquilo que se repete -- hoje, em escala ampliada e mais vergonhosa. Portanto, somos obrigados a nos transformar em espectadores passivos dessa campanha triste.
Eça de Queiroz já havia escrito A Campanha Alegre. A nossa é a mais triste das campanhas que tive o desprazer de presenciar.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
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