Pronunciamento de José Fogaça em 14/06/2002
Discurso durante a 88ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Solicitação de manifestação dos candidatos à presidência da República quanto às propostas para a dívida interna brasileira. Considerações sobre a apresentação de emenda à Proposta de Emenda à Constituição 29, de 2000, de reforma do Judiciário, propondo a adoção de súmula impeditiva de recurso no STF.
- Autor
- José Fogaça (PPS - CIDADANIA/RS)
- Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
ELEIÇÕES.
REFORMA JUDICIARIA.:
- Solicitação de manifestação dos candidatos à presidência da República quanto às propostas para a dívida interna brasileira. Considerações sobre a apresentação de emenda à Proposta de Emenda à Constituição 29, de 2000, de reforma do Judiciário, propondo a adoção de súmula impeditiva de recurso no STF.
- Aparteantes
- Artur da Tavola.
- Publicação
- Publicação no DSF de 15/06/2002 - Página 12086
- Assunto
- Outros > ELEIÇÕES. REFORMA JUDICIARIA.
- Indexação
-
- ELOGIO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, AMPLIAÇÃO, SUPERAVIT, AJUSTE FISCAL, BENEFICIO, CONFIANÇA, MERCADO EXTERNO.
- SOLICITAÇÃO, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, TRATAMENTO, DIVIDA INTERNA, MOTIVO, FALTA, CONFIANÇA, MERCADO INTERNO, MERCADO EXTERNO.
- JUSTIFICAÇÃO, APRESENTAÇÃO, EMENDA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REFORMA JUDICIARIA, CRIAÇÃO, SUMULA, IMPEDIMENTO, RECURSO JUDICIAL, DECISÃO JUDICIAL, FUNDAMENTAÇÃO, JURISPRUDENCIA, OBJETIVO, REDUÇÃO, TRABALHO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).
- REPUDIO, PROPOSTA, CRIAÇÃO, VINCULAÇÃO, SUMULA, IMPOSSIBILIDADE, AÇÃO JUDICIAL, IGUALDADE, ASSUNTO, RETIRADA, AUTONOMIA, JUIZ, PREJUIZO, INDEPENDENCIA, PODERES CONSTITUCIONAIS.
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. JOSÉ FOGAÇA (Bloco/PPS - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Solicitei aqui, ontem, que os candidatos à Presidência da República tivessem uma clareza, uma transparência quanto às suas propostas no tratamento futuro da dívida interna. Parece-me que ontem foi lançado um pacote de medidas bastante satisfatório, que deverá gerar uma certa tranqüilidade no mercado, pois há uma manifestação de compromisso com o ajuste fiscal. A ampliação do superávit de 3,5% para 3,75% do PIB é, realmente, um esforço inaudito, creio que sem precedentes na história econômico-financeira pública do Brasil. De fato, trata-se de uma iniciativa correta, que aponta o caminho certo. Temos que reconhecer isso.
No entanto, há de se ressalvar que a componente política deste momento de instabilidade e de incerteza, que tem gerado uma certa desconfiança por parte de investidores internos e externos, não é propriamente como se conduz e se comporta o Governo de hoje. As dúvidas afloram em torno de como se comportará o Governo de 2003, que tratamento ele dará ao cumprimento dos pagamentos sucessivos dos vencimentos das tranches da dívida interna brasileira.
Apesar de o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e portanto, o atual Ministro da Fazenda, Pedro Malan, estar tomando uma atitude sóbria e correta, infelizmente, tenho dúvidas se isso satisfará as incertezas ou expectativas indefinidas que, neste momento, são alimentadas nos investidores internacionais e domésticos.
Não tenho dúvida ao dizer que seria salutar para o mercado, para a estabilidade econômica do atual e do futuro Governo, se os quatro candidatos se dispusessem a elaborar um documento claro, inequívoco, absolutamente induvidoso quanto aos seus meios e a seus fins, uma declaração peremptória e objetiva sobre qual tratamento darão à dívida interna brasileira. Essa atitude seria extremamente salutar, pois geraria mais confiança interna e externa e aumentaria a taxa de certeza para o futuro e, por efeito e por mérito, daria aos eleitores a possibilidade de conhecer, com clareza meridiana, o padrão de política pública que os candidatos estão dispostos a adotar em relação à dívida pública, principalmente a dívida pública mobiliária da União.
Sr. Presidente, faço este registro para complementar o pronunciamento que fiz ontem. Não creio que as iniciativas do Governo sejam más; elas são boas, apontam na direção correta. O Governo já obteve maior tranqüilidade dos mercados, o dólar já caiu, há uma consciência de que o atual Governo está comprometido com esse ajuste fiscal, mas essa componente política de incerteza, que está dependendo do resultado das eleições, não se desanuvia, não se alivia enquanto não houver uma certeza política construída pela clareza de posicionamento adotada pelos candidatos. Como sabemos, neste momento, quatro candidatos aparecem de maneira proeminente nas pesquisas, e todos eles, por esta ou por aquela razão, pela importância político-partidária ou político-eleitoral que têm, pela sua inserção no espectro da política brasileira, são capazes de gerar tais incertezas.
O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Permite V. Exª um aparte?
O SR. JOSÉ FOGAÇA (Bloco/PPS - RS) - Com prazer, concedo o aparte ao Líder do Governo, Senador Artur da Távola.
O Sr. Artur da Távola (Bloco/PSDB - RJ) - Desejo cumprimentá-lo pela proposta. V. Exª tem toda razão, é importante que o País saiba, para o ano próximo, qual é a disposição de pagamento, de cumprimento de regras em relação à dívida interna. Quero dizer a V. Exª que, em se fazendo o pacto sugerido por V. Exª, que considero patriótico e oportuno, desde logo, o candidato do PSDB está inteiramente apto e pronto a dizer exatamente o que pensa a esse respeito. Pessoalmente, acredito que o candidato de V. Exª também. Talvez pare por aí, porque não tenho nem certeza se os demais candidatos sabem o que é dívida interna. Muito obrigado pelo aparte, Senador José Fogaça, e parabéns por seu pronunciamento.
O SR. JOSÉ FOGAÇA (Bloco/PPS - RS) - Sem dúvida alguma, o candidato Ciro Gomes tem muita clareza, muita consciência e tem exposto com muito critério o tratamento que pretende dar à dívida interna. Sua proposta de reestruturação negociada e consentida da dívida interna foi objeto, inclusive, do programa que o Partido levou ao ar ontem pela televisão.
Creio que este é o momento em que essa disposição de seriedade e de transparência, como disse V. Exª, seja considerado um ato patriótico. Acho que é possível reproduzir o que foi dito pelo Ministro Pedro Malan: o candidato que estiver governando o Brasil no próximo ano tem que saber que os reflexos do seu governo são anteriores e posteriores, ou seja, esses reflexos podem se apresentar, inclusive, antes de eles assumirem.
Não é difícil lembrar que, quando o Presidente Carlos Menem foi eleito, ao final do mandato de Raul Afonsín, ainda faltavam oito meses para sua posse. Como sabemos, no regime anterior de eleições na Argentina - depois, isso foi modificado por uma emenda constitucional -, havia uma norma constitucional do século passado determinando um período enorme de oito meses entre a data da eleição e a posse do Presidente. Naquela época, os representantes das províncias, que vinham de carreta ou de carroças puxadas por cavalos ou por juntas de bois, desde a Patagônia, desde os confins da Argentina, precisavam de vários meses para chegarem a Buenos Aires; logo, a data da posse do Presidente da República sempre estava convenientemente distanciada da data da eleição. Isso, na situação de hoje, com a velocidade dos mercados e com a dependência das expectativas dos agentes financeiros, cria realmente uma séria e grave turbulência. A inflação argentina começou a disparar, houve um descontrole absoluto do câmbio, e foi preciso que o Presidente da República, Raul Afonsín, encurtasse o seu mandato para que Menem, numa situação inaudita do ponto de vista histórico, sem precedentes na própria história da Argentina, tomasse posse antes do prazo para começar a exercer o controle dos mecanismos financeiros.
Sr. Presidente, Srs. Senadores, apresentei para a Proposta de Emenda à Constituição nº 29, de 2000, que trata da reforma do Poder Judiciário, uma emenda modificativa, em torno da qual tenho muita convicção. Há algum tempo, possivelmente há uns dois anos, esteve aqui no Congresso, mais explicitamente na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, o Ministro Sepúlveda Pertence. S. Exª, com a sua competência, qualificação intelectual e pessoal, demonstrou-nos que o excesso de demanda junto ao Supremo Tribunal Federal estava atravancando os trabalhos, produzindo um ruído enorme na capacidade produtiva dos senhores ministros e no atendimento a essas demandas, portanto, na efetiva prestação jurisdicional por parte do Supremo Tribunal Federal. E demonstrava a necessidade de criar a chamada súmula vinculante. Ou seja, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal vir a adotar uma súmula, mediante uma decisão fundamentada, provavelmente por uma maioria qualificada de membros daquele tribunal, e essa súmula adquirir um efeito vinculante, quer dizer, gerar a impossibilidade de demanda judicial sobre o mesmo assunto, o mesmo tema, a mesma questão jurídico-constitucional.
De fato, na nova proposta de reforma do Judiciário, no texto saído da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, de posse agora do seu ilustre Relator, Senador Bernardo Cabral, consta e mantém-se a proposta da súmula vinculante.
A súmula vinculante tem um efeito positivo de reduzir as demandas que chegam ao Supremo Tribunal Federal, o excesso de recursos em argüição de inconstitucionalidade, mas tem um outro efeito negativo, que é de tirar do juiz singular, do juiz de primeira instância a sua independência, a sua capacidade autônoma de intervir numa questão que diz respeito à sua comarca, à sua jurisdição.
Portanto, resolvemos apresentar uma proposta de emenda rigorosamente inovadora. Creio que é um produto de longo estudo, de aprofundamento crítico e pesquisa por parte de juízes, estudiosos, pesquisadores e juristas do meu Estado do Rio Grande do Sul. Entendo tão engenhosa e tão concretamente eficaz para atender aos dois objetivos essa medida, que resolvi apresentá-la como emenda à emenda constitucional que trata da reforma do Poder Judiciário. Trata-se da súmula impeditiva de recurso.
O que ela tem de diferente da súmula vinculante? É que não retira do juiz o seu poder de decidir, de intervir, de exercer o seu papel autônomo de poder e de responder a uma demanda por uma argüição de inconstitucionalidade. Por outro lado, terá também o efeito positivo e salutar de impedir que haja o excesso de demandas.
O Ministro Sepúlveda Pertence revelou-nos que a concentração de demandas sobre o mesmo caso, incidentes na mesma questão judicial, muitas vezes, ultrapassa a dezenas de milhares de casos. Portanto, como os números se expressam em dezenas de milhares, realmente é necessário reduzir-se o número de demandas.
Por isso, Sr. Presidente, estou apresentando essa proposta. Essa proposição substitutiva da denominada súmula vinculante gera mais benefícios processuais e evita recursos porque as discussões sobre seu descumprimento podem acarretar o estrangulamento da capacidade de julgamento do Supremo Tribunal Federal, que passará a receber, originariamente, inúmeras reclamações de competência. Não virão os recursos pela argüição da inconstitucionalidade, mas poderão ocorrer as reclamações de competência já aprovadas e adotadas na reforma do Judiciário.
Quanto à súmula impeditiva ora proposta, ela inibe o recurso já no juízo ou no tribunal de origem, sem impedir, de outro lado, que qualquer órgão legalmente autorizado apresente fundamento para a alteração do entendimento antes sumulado, consagrando o controle difuso de constitucionalidade existente no Brasil desde os primórdios da República. O controle da constitucionalidade continua sendo competência do juiz de primeira instância ou dos tribunais regionais. Por outro lado, as vantagens preconizadas pelo texto aprovado, especialmente nos seus parágrafos 1º e 2º, serão alcançadas com a adoção da chamada súmula impeditiva de recurso.
A súmula vinculante representa um retrocesso histórico e uma violência no plano da independência funcional do magistrado. Um retrocesso histórico porque reaviva a noção de juiz boca da lei do século XVIII e uma violência funcional porque lhe retira a liberdade e o transforma em mero canal de comunicação entre o fato e a súmula.
A súmula vinculante inibe a participação de advogados e membros do Ministério Público na construção do Direito e na realização da Justiça. Por último, ela implica justiça por atacado na medida em que impede a consideração da singularidade de cada caso concreto pelo magistrado, rompendo com a noção de eqüidade que é imanente à função jurisdicional do juiz.
Ressalte-se ainda que a proposta de criação do instituto da chamada súmula vinculante, além de diminuir o próprio Poder Judiciário, ocasionando a perda da independência jurídica dos juízes, acaba atingindo em cheio também o Poder Legislativo, ameaçando o princípio constitucional da harmonia e da independência entre os poderes da República. Isso porque quem elabora normas abstratas e universais é o Legislativo e não o Judiciário.
Súmula vinculante é, como uma lei, norma abstrata de espectro geral. O compartilhamento de tal atribuição, de normatizar abstratamente a vida social, com os tribunais superiores, com a edição por esses de súmulas vinculantes, cujos integrantes não são eleitos, na verdade, vai significar a erosão do poder político do Parlamento nacional, o que significaria obviamente o desequilíbrio entre os Poderes da República. A súmula vinculante teria efeitos superiores ao da lei na medida em que não há limite para a sua aplicação retroativa. Perde o Parlamento e perde o sistema democrático com tal instituto. Mas, de outro lado, a proposta que ora fazemos, que entendo ser extremamente criativa - e como não fui eu quem a criei, apenas a estou adotando -, funcional e adequada aos dois objetivos: conter o número de demandas e, em segundo lugar, garantir a independência do juiz.
A súmula impeditiva de recursos, ao mesmo instante em que gera obstáculos contra o uso indevido de recursos contra decisões reiteradas do Poder Judiciário, a chamada jurisprudência pacífica, permite que fundamentos novos sejam aproveitados, apreciados e, também, seja verificada a alteração da situação histórica ou fática que ensejou a edição da chamada súmula impeditiva. Além disso, acarreta o fato de se tornar efetiva a revisão pelo tribunal editor ou enunciado após discussão nas diversas instâncias intermediárias sem ofensa, enquanto isso, aos postulados da segurança jurídica.
Portanto, no lugar da súmula vinculante para garantir a independência dos magistrados, para garantir a autonomia e o poder ínsito à figura do juiz singular, Sr. Presidente, estamos apresentando a Súmula Impeditiva de Recurso, que cremos ser positiva pelos dois lados. Pelo lado de reduzir o volume de recursos impetrados junto ao Supremo Tribunal Federal e, ao mesmo tempo, de preservar a estrutura do Poder Judiciário, com toda a sua independência e garantir segurança jurídica para o País.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigado.
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