Discurso durante a 88ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Indignação diante da decisão da Mesa da Câmara dos Deputados de arquivar o processo de cassação do mandato do Deputado Eurico Miranda.

Autor
Antero Paes de Barros (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MT)
Nome completo: Antero Paes de Barros Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUTEBOL.:
  • Indignação diante da decisão da Mesa da Câmara dos Deputados de arquivar o processo de cassação do mandato do Deputado Eurico Miranda.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/2002 - Página 12112
Assunto
Outros > LEGISLATIVO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), FUTEBOL.
Indexação
  • COMENTARIO, AUSENCIA, ETICA, DECORO PARLAMENTAR, POLITICO, REPRESENTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, IMPEACHMENT, FERNANDO COLLOR DE MELLO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPORTANCIA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, REIVINDICAÇÃO, EXTINÇÃO, IRREGULARIDADE, PAIS.
  • CRITICA, MESA DIRETORA, CAMARA DOS DEPUTADOS, ARQUIVAMENTO, PROCESSO, CASSAÇÃO, MANDATO PARLAMENTAR, EURICO MIRANDA, DEPUTADO FEDERAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PARTIDO POLITICO, PARTIDO PROGRESSISTA BRASILEIRO (PPB), APURAÇÃO, IRREGULARIDADE, DIREÇÃO, CLUBE, FUTEBOL, ESPECIFICAÇÃO, FRAUDE, PREVIDENCIA SOCIAL, SONEGAÇÃO FISCAL, MANUTENÇÃO, CONTA BANCARIA, EXTERIOR, COMENTARIO, FALSIFICAÇÃO, MANDADO DE SEGURANÇA, OBJETIVO, IMPEDIMENTO, RECOLHIMENTO, DOCUMENTAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ANTERO PAES DE BARROS (Bloco/PSDB - MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se existe um aspecto do ethos nacional -- isto é, de nosso ânimo moral -- que mudou claramente, nestes tempos de virada de século, é o do entendimento que os brasileiros têm das questões de honestidade e decoro. Essa mudança é mais evidente naquilo que se refere aos padrões de comportamento cobrados a pessoas que ocupam posições de visibilidade, seja nos negócios, seja, sobretudo, na política.

Há nem tanto tempo assim, o “malandro” era o herói nacional por excelência, valorizado pela cultura popular e por estudiosos eruditos do que chamamos “espírito nacional”. A figura do pícaro representava a capacidade do indivíduo de, pela astúcia e habilidade, sobreviver em um meio hostil e preconceituoso, apesar das dificuldades enfrentadas pelas pessoas de origem social subalterna.

Aceitávamos, alguns com resignação, muitos até com naturalidade, que as pessoas escolhidas para cargos na administração pública, ou para nos representar nas casas legislativas, usassem essas posições em proveito próprio. A frase cínica de uma personagem do cômico Chico Anísio, “sou, mas quem não é?”, podia ser tomada como o lema moral vigente em nosso País.

Outra expressão, esta referente a um político célebre, “rouba, mas faz”, é bem representativa dessa atitude resignada quanto à suposta “natural” desonestidade dos políticos.

Isso, felizmente, acabou. O impeachment do Presidente Collor de Mello foi somente a exteriorização do começo dessa mudança, o primeiro momento da movimentação nacional por uma nova cultura moral para o País. Nesse contexto, “ética na política” não é simplesmente uma frase, mas uma exigência moral, manifesta também na intransigência com a qual os brasileiros passaram a enfrentar comerciantes desonestos, fabricantes de produtos defeituosos e todo tipo de “malandragem” antes tolerada.

Quem não percebeu que as coisas mudaram está fora de sintonia com o espírito da Nação, e deverá sofrer alguma conseqüência. Quando se trata de detentores de cargos eletivos, a “surpresa”, quem sabe, aparecerá nas próximas eleições. Esse poderá ser o caso dos integrantes da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, que decidiram pela não abertura de processo para a cassação do mandato do Deputado Eurico Miranda, do PPB do Rio de Janeiro, por quebra do decoro parlamentar, conforme representação enviada àquela Casa pela Comissão Parlamentar de Inquérito deste Senado Federal que apurou as irregularidades cometidas pelos dirigentes do futebol brasileiro.

Esse, que é o campo de atividades em que os brasileiros obtiveram talvez seu maior sucesso, com muitas conquistas e profissionais reconhecidos internacionalmente, teve sua estrutura administrativa tomada -- como ficou demonstrado no curso da CPI -- por verdadeiras quadrilhas, envolvidas em todo tipo de desvios e crimes.

Sobre o Deputado Eurico Miranda, particularmente, em seus períodos de diretor e, depois, de presidente do Club de Regatas Vasco da Gama, pairam acusações substanciadas de uso de “caixa 2”, manutenção de contas bancárias secretas no exterior, fraudes contra a Previdência Social e sonegação fiscal, para nos limitarmos aos crimes mais evidentes.

São acusações extremamente graves, Sr. Presidente, mas estou também consciente de que todo homem deve ser presumidamente inocente até que a sentença de seu processo acusatório esteja passada em julgado, e lavrada sua condenação. No entanto, não são os crimes de que é acusado o Sr. Deputado Eurico Miranda, por graves que sejam e substanciada que seja a acusação, os fundamentos da representação da CPI do futebol contra o parlamentar carioca, por quebra de decoro parlamentar. Em vez disso, seu comportamento durante os trabalhos daquela Comissão, indigno de sua condição de membro deste Congresso Nacional, é o que justifica o pedido de abertura do processo de cassação de seu mandato.

É longa e escandalosa a lista das atitudes antiéticas e contrárias ao decoro parlamentar apresentadas pelo Deputado Eurico Miranda no curso das investigações da CPI do futebol. Enumerá-las todas seria enfadonho e, talvez, causasse nojo. O relatório do insigne Relator, Senador Geraldo Althoff, as descreve, para quem quiser aprofundar-se na questão -- e chocar-se com a desfaçatez e os modos grosseiros do Sr. Miranda. Por essa razão, mencionarei apenas algumas das suas intervenções, sempre no sentido de obstruir os trabalhos da Comissão, na tentativa de postergar ou impedir a obtenção de resultados e a chegada a conclusões.

Em uma atitude claramente protelatória, o Deputado Eurico Miranda fez com que o Vasco da Gama fosse, de 15 clubes brasileiros aos quais foram solicitadas informações contábeis, o único a não encaminhar à CPI a documentação solicitada. Foi necessário, para a obtenção dos papéis, que a CPI enviasse ao Rio de Janeiro uma diligência, respaldada por mandado de busca e apreensão, expedido pelo Meritíssimo Sr. Juiz da 7ª Vara Federal Criminal, Dr. Marcelo Ferreira de Souza Granado.

Mesmo assim, a equipe, enviada ao Vasco da Gama com o mandado legal, acompanhada por um delegado, três agentes, dois peritos e um cinegrafista da Polícia Federal, foi hostilizada e tratada aos gritos pelo Deputado Federal e presidente do clube, que chegou até mesmo a cortar a energia elétrica do prédio para impedir o prosseguimento da busca, após o pôr-do-sol.

Ainda mais grave foi a falsificação de um mandado de segurança para impedir o recolhimento da documentação solicitada pela CPI e negada pelo Senhor Miranda. A CPI dispõe de provas de que, à hora em que foi apresentado o mandado de segurança aos integrantes da equipe enviada pela CPI, o pedido do próprio mandado nem havia ainda dado entrada no Tribunal, quanto mais sido distribuído e concedido!

Srªs e Srs. Senadores, se a demonstrada falsificação de documentos não for razão suficiente para se declarar a quebra do decoro parlamentar, não sei mais o que poderá bastar para a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.

Mais ainda, em demonstração cabal de sua arrogância e desprezo pelo trabalho alheio, em diversas ocasiões, tanto nas dependências desta Casa quanto nas do Club de Regatas Vasco da Gama, o Deputado, em tom destemperado de voz, ameaçou de agressão física servidores do Senado que assessoravam os membros da CPI na análise dos documentos sob investigação.

Se a reiterada falta de demonstração de respeito pelas pessoas e pelas normas da boa educação tampouco basta para caracterizar a quebra do decoro parlamentar, então, Sr. Presidente, desisto de entender as motivações da Mesa Diretora da Casa do Povo. Desisto de entender sua atitude como motivada por qualquer traço de bom senso, de sentido de cidadania ou de defesa das legítimas prerrogativas de seus membros.

Ao contrário, somente posso entendê-la como demonstração daquele mais rasteiro corporativismo de que os políticos somos acusados -- nem sempre injustamente, como podemos ver. Demonstração desse espírito de corpo que a população brasileira, compreensivelmente, não quer mais aceitar.

Cabe lembrar que o Senhor Deputado Barbosa Neto, ilustre Corregedor da Câmara dos Deputados, após examinar a documentação e a argumentação enviada, junto à Representação, pela CPI do futebol, decidiu-se pela aceitação das acusações e pelo envio da representação à Comissão de Ética daquela Casa para a abertura de processo de cassação do mandato parlamentar do Deputado Eurico Miranda. A Mesa Diretora, porém, votou, por maioria, por não enviá-la.

Quero juntar, daqui desta tribuna, minha voz às daqueles que se manifestam, indignados com o arquivamento da representação, nas ruas e nas colunas de cartas de leitores dos jornais de todo o País. A Mesa Diretora da Câmara dos Deputados precisa rever essa decisão equivocada, mesmo porque os eleitores não estão mais tão desatentos quanto imaginam os políticos acostumados com os velhos métodos e com a velha moral do cinismo acomodador.

Junto a voz, do mesmo modo, à dos Senadores integrantes da CPI do futebol, que, tendo apreciado e apoiado o parecer do Senador Althoff, estão indignados com a inaceitável decisão. Se a malandragem dos marginalizados não existe mais, como diz em canção célebre o compositor Chico Buarque, precisamos pôr fim também à malandragem dos que, “com contrato, gravata e capital”, candidatam-se a “malandros federais”, descaracterizando e desmoralizando a representação popular no Congresso Nacional.

Neste momento em que a Nação sofre com a agudização da criminalidade e da violência, nesta hora em que a impunidade dos responsáveis pelo clima de insegurança revolta as consciências, chega a ser irresponsável livrar de processo um indivíduo que tão acintosamente infringiu as normas mais básicas do decoro e da simples boa educação.

Os eleitores pelo menos -- sirva-nos isso de alívio -- saberão responder a essa decisão desastrada negando o voto aos que desonraram seus mandatos parlamentares.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/2002 - Página 12112