Discurso durante a 88ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Instalação pelo Congresso Nacional do Conselho de Comunicação Social.

Autor
Emília Fernandes (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO.:
  • Instalação pelo Congresso Nacional do Conselho de Comunicação Social.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/2002 - Página 12114
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, INSTALAÇÃO, CONSELHO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL, OBJETIVO, CONSTRUÇÃO, POLITICA, TELECOMUNICAÇÃO, COMBATE, MONOPOLIO, AUXILIO, DEMOCRACIA, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, CONTROLE, IRREGULARIDADE, VALORIZAÇÃO, ETICA, CULTURA, REDUÇÃO, VIOLENCIA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, APRESENTAÇÃO, RELAÇÃO, MEMBROS.
  • COMENTARIO, HISTORIA, TELECOMUNICAÇÃO, PAIS, EXISTENCIA, TROCA, INTERESSE, CONCESSÃO, LICENÇA, EMISSORA, RADIO, TELEVISÃO, FAVORECIMENTO, EMPRESA, LIGAÇÃO, CONGRESSISTA, GOVERNO.
  • ANALISE, LEGISLAÇÃO, AUTORIZAÇÃO, SERVIÇO, RADIODIFUSÃO, CODIGO BRASILEIRO DE TELECOMUNICAÇÕES, AUSENCIA, CONTROLE, SOCIEDADE, PODER PUBLICO, AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (ANATEL), MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC), AUMENTO, CONCESSIONARIA.
  • REGISTRO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), AUMENTO, TELEVISÃO, RADIO, DOMICILIO, POPULAÇÃO, BRASIL, COMENTARIO, ESTUDO, EXISTENCIA, OLIGOPOLIO, TELECOMUNICAÇÃO, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


CONSELHO DE COMUNICAÇÃO

A SRª EMÍLIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste mês de junho, após dez anos de espera, o Congresso Nacional instalou o Conselho de Comunicação Social. Registramos hoje nossa satisfação com a medida, que constitui um novo marco na Comunicação Brasileira.

São inúmeros os desafios assumidos pelos membros deste Conselho: representante das empresas de rádio, Paulo Machado de Carvalho Neto; das emissoras de TV, Roberto Wagner Monteiro; das empresas de imprensa escrita, Paulo Cabral de Araújo; o engenheiro da área de comunicação social, Fernando Bitencourt; o representante dos jornalistas, Daniel Korlovski; a representante dos artistas, Berenice Isabel, e o representante dos profissionais de cinema e vídeo, Geraldo Pereira dos Santos.

Assumem os mesmos desafios os representantes da sociedade civil: o jurista José Paulo Cavalcanti, o jornalista Alberto Dines, o presidente da Rede Brasil-Sul de Comunicações, Jayme Sirotsky, o jornalista Carlos Chagas, da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), e Ricardo Moretzsohn, do Conselho Federal de Psicologia.

Ao nosso ver, esta composição ainda apresenta uma lacuna lastimável: a ausência de representantes das rádios e TVs comunitárias, existentes em bom número no Brasil. Mesmo assim, reconhecemos que é altamente significativo o fato de que, pela primeira vez em nossa história, a sociedade poderá colocar uma cunha no altamente desregulamentado setor de telecomunicações brasileiro.

Devemos apoiar as ações e iniciativas do Conselho de Comunicação, notadamente aquelas voltadas ao combate do processo de monopolização em curso; à construção de novos caminhos para uma política de comunicação de escolhas, de multiplicidade de enfoques e versões, e as que assegurem a interação, abrindo espaço para o avanço democrático, para a transparência e a visibilidade.

Srªs e Srs. Senadores, ao comemorarmos a implementação do Conselho de Comunicação Social, torna-se imprescindível refletirmos sobre a história das telecomunicações no Brasil.

Nossa literatura política tem utilizado o termo coronelismo como uma forma peculiar de manifestação do poder privado, com base no compromisso e na troca de proveitos com o poder público.

Constituindo-se em um dos traços determinantes do atual poder oligárquico nacional, a posse de estações de rádio e de televisão por grupos familiares e pelas elites políticas locais ou regionais é o que se convencionou chamar de coronelismo eletrônico.

Instrumentos de poder e de troca de favores e interesses, as concessões de rádio e televisão têm servido, no Brasil, como moeda de troca entre o Governo Federal e o setor privado. Durante vários anos, a regra, infelizmente, é conceder um grande número de licenças de emissoras de rádio e TV para empresas ligadas a parlamentares federais.

Embora as conseqüências do coronelismo eletrônico se projetem sobre toda a vida política do País, ele atua no reduzido cenário do governo local e, por ausência do poder público, no caso o Ministério das Comunicações, a Anatel e o Congresso Nacional, como incursão do poder privado no domínio político.

Do ponto de vista legal, a outorga da permissão, concessão e autorização para executar serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens estão admitidas na alínea a do inciso XII do art. 21 da Constituição Federal.

A Constituição também estabelece, em seu art. 223, a atribuição para que o Poder Executivo possa outorgar concessão, permissão e autorização para o referido serviço, ao mesmo tempo em que condiciona a eficácia do correspondente ato à deliberação do Congresso Nacional.

A legislação aplicável ao serviço de radiodifusão compreende o Código Brasileiro de Telecomunicações; Decretos e Portarias.

O chamado "paradoxo da radiodifusão", introduzido quando da revisão da Constituição Federal, em 1995, separou os serviços de rádio e a televisão dos chamados serviços de telecomunicações, distinguindo-os, assim, de seus congêneres próximos - a TV a Cabo e mesmo as futuras novas modalidades de rádio por assinatura.

Ao dispor sobre os limites à concentração da propriedade ficam explícitos na lei que não poderão ter concessão ou permissão entidades das quais façam parte acionista ou cotista que integrem o quadro social de outras empresas executantes do serviço de radiodifusão, além dos limites já fixados. Além disso, nenhuma pessoa poderá participar da direção de mais de uma empresa de radiodifusão, em localidades diversas, em excesso aos limites estabelecidos.

Embora a Constituição Federal disponha sobre o "princípio de complementaridade dos sistemas privado, público e estatal", a radiodifusão brasileira conhece, tão somente as emissoras estatais e privadas. As estatais pertencem à União, aos Estados e aos Municípios; as demais emissoras são as privadas e às vezes identificadas como comerciais.

Desde 1994, o Governo Fernando Henrique Cardoso afirmava que o processo licitatório de emissoras de rádio e televisão não mais repetiria o ciclo histórico: em que as concessões eram um poderoso trunfo político que o governo usava para arregimentar e agregar aliados.

Já em 1997, a afirmação era que "todo o serviço de radiodifusão no país seria outorgado por critérios públicos e transparentes". Em 2000, mais uma vez, a imprensa denunciava que renascia um símbolo do Governo FHC: o balcão de concessões de emissoras de rádio e televisão. Portanto, nada mudou.

Sr. Presidente, em anos de existência, o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) já foi muito deformado; mais de dois terços de seus artigos foram revogados por leis e decretos editados ao longo de mais de três décadas.

Desta forma, os seus mecanismos de controle, para estabelecer limite à propriedade cruzada ou mesmo fazer cumprir o § 5º do art. 220 da Constituição, que estabelece que os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio, são extremamente frágeis.

A história da democracia brasileira, desde o período que emergiu de 1945 até o período recente, que ocorre a partir de 1989, presenciou uma das transformações mais importantes na vida brasileira: a das telecomunicações, notadamente da televisão. Se no início dos anos 60 um televisor ainda era um aparelho de luxo e apenas os principais centros urbanos dispunham de emissoras de televisão, em 1989 o país possuía 40 milhões de aparelhos. Hoje, de acordo com o Censo do IBGE, 87% dos domicílios brasileiros têm televisão e 87,4% rádio. Somos um país “midiatizado”.

A partir de um estudo realizado com dados oficiais dos serviços de radiodifusão, é possível identificar o grau de concentração de propriedade e a presença do chamado coronelismo eletrônico. Repete-se no Brasil o padrão universal de concentração de propriedade. Há uma oligopolização do rádio e da televisão.

Hoje, o que mais existe é a propriedade cruzada. Ou seja, a concentração de propriedade de diferentes tipos de meio de comunicação pelo mesmo grupo. Por exemplo, concessões de rádio e televisão e outros serviços como televisão por assinatura e jornais.

O monopólio em cruz, com um só grupo econômico, ou uma só família, ou um só homem de negócios possuindo, ao mesmo tempo, em uma só cidade ou Estado, canais de televisão, rádios, jornais, agência de notícias, televisão a cabo, provedor de Internet e o que mais desejar na "indústria cultural" e das tecnologias de informação e comunicação, é evidente no País.

É o "sistema de redes", derivado de projetos políticos e investimentos financeiros e tecnológicos que remontam desde o governo militar, consolidando-se na Era Fernando Henrique Cardoso.

Desse modo, verifica-se que não há qualquer controle por parte da sociedade ou do poder público, Ministério das Comunicações ou Anatel, sobre esse sistema de redes e uso dos canais de radiodifusão; nem nada impede que as cabeças de rede tenham o controle de um número maior de concessionárias, burlando-se, assim, a legislação existente.

O modelo de comunicação, especialmente, de radiodifusão, adotado no Brasil ampara-se em um conjunto de instrumentos jurídicos composto de leis e decretos, bem como de portarias e atos ministeriais, mas não se resume a essas disposições legais.

A verdadeira política de radiodifusão consubstancia-se em uma prática político-administrativa que vai além dessas normas. Ancora-se também em uma política informal que manobra e desaparelha a ação institucional dos órgãos públicos de fiscalização, por meios de interpretações engenhosas do arcabouço legal.

Srªs e Srs. Senadores, o fortalecimento da comunicação alternativa neste início do Século XXI é uma necessidade e temos avanços nesse sentido. A partir de uma melhor compreensão da força e da influência dos meios de informação no cotidiano, as comunidades passaram a organizar-se em defesa de um direito já legalmente registrado, mas que na prática não lhe era (e ainda não lhe é justamente) permitido: o de exprimir opiniões.

Mesmo diante da resistência provocada pela grande mídia, novos modelos de comunicação comunitária foram surgindo nas variadas áreas de expressão (impressa, televisiva, radiofônica, Internet). A partir de idéias simples, viu-se nascer projetos capazes de alavancar manifestações e lutas anteriormente restritas a pequenos e específicos movimentos.

Textos, vozes e imagens de pessoas antes anônimas passaram a ser lidos, escutados e vistos no jornal, no rádio e na TV comunitária do bairro. A possibilidade de o povo reivindicar, analisar, sugerir e apontar erros virou realidade. Porém, ao mesmo tempo, transformou-se em temor aos grupos de interesses que até então subestimavam a intensidade da voz comunitária.

Esses grupos são exatamente aqueles que dominam os circuitos econômicos da informação no Brasil. São os responsáveis pelo monopólio da notícia no país e pelas companhas que soam negativamente e contra a liberdade e participação comunitária, contra as novas formas da população se inter-relacionar.

São estes grupos que hoje, amparados pelo capital, questionam e tentam criar mecanismos, sejam leis, medidas provisórias ou decretos, para coibir o avanço da comunicação alternativa nos arredores dos Estados e municípios brasileiros.

Os meios de comunicação brasileiros têm como regra ser os principais organizadores do consenso, ao elencar prioridade, pautar ações de Governo e modelar opiniões. Quanto menos participativa for a vida democrática maior a influência dos meios de comunicação. Quanto mais presente o desinteresse político e a fragilização partidária, sindical e dos movimentos populares, maior a influência dos meios de comunicação, muitas vezes contraditória e até mesmo violadora do ideal democrático.

Hoje, muito se fala em "opinião pública". Muitas vezes resultado quase passivo de reprodução dos enfoques oferecidos pelos produtores da informação. O debate público está sendo, dia após dia, substituído pela projeção de imagens, estereótipos e clichês. Os meios de comunicação refletem as características de uma sociedade fraturada social, econômica e culturalmente.

Hoje, as empresas de comunicação são verdadeiros impérios econômicos, estabelecendo com os interesses dominantes e com o próprio aparato do Estado uma relação de dependência. Privilégios são concedidos a determinados sujeitos políticos e mesmo noticiários são manipulados.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a palavra pode salvar ou matar. O silêncio da conivência, da omissão, alimenta a impunidade e a violação. O lucro não pode ser o orientador da imprensa, perpetuando máximas como: "A empresa só se mantém se tiver lucro. E só tem lucro se tiver leitor. O jornal é também um produto, precisa vender. Pobre não lê jornal".

Há necessidade de um enfoque em relação aos excluídos. A violência, condutas preconceituosas, a agressividade, a banalização do sexo e a superexposição da mulher que hoje predominam devem ser banidos dos nossos meios de comunicação. A Constituição determina a formação da cultura nacional e regional; o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Para usufruir o verdadeiro direito à informação é preciso que não exista restrição prévia a tarefa de informar; não à censura e sim à liberdade de imprensa. É preciso garantir o direito de resposta, a efetividade nos mecanismos de responsabilização pelos abusos.

Neste sentido, sabemos das limitações do Conselho de Comunicação Social, como mero órgão consultivo. Mas ele terá um papel importantíssimo, repito, como único instrumento de controle que a sociedade brasileira passa a ter sobre o tão desregulamentado setor de telecomunicações.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/2002 - Página 12114