Discurso durante a 82ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO JORNALISTA ARCANJO ANTONINO LOPES DO NASCIMENTO, TIM LOPES.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO JORNALISTA ARCANJO ANTONINO LOPES DO NASCIMENTO, TIM LOPES.
Publicação
Publicação no DSF de 12/06/2002 - Página 111371
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, TIM LOPES, JORNALISTA, ELOGIO, BRAVURA, EXERCICIO PROFISSIONAL, COMBATE, TRAFICO, DROGA.
  • LEITURA, DEPOIMENTO, MUSICO, FAVELA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PUBLICAÇÃO, JORNAL, O GLOBO, HOMENAGEM, TIM LOPES, JORNALISTA, DEFESA, NECESSIDADE, COMBATE, INJUSTIÇA, MISERIA, MAIORIA, POPULAÇÃO, PAIS.

O SR EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Para encaminhar a votação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o jornalismo brasileiro perdeu um exemplo de coragem, de ousadia, de audácia, na pessoa de Tim Lopes. Nesses últimos tempos, ele vinha pessoalmente arriscando a sua vida para transmitir aos telespectadores da Rede Globo o que se estava passando no Rio de Janeiro, sobretudo nas áreas onde tem ocorrido violência em tão alto grau que aproxima o Brasil das condições de uma verdadeira guerra civil. Infelizmente, Tim Lopes acabou sendo assassinado por um grupo de pessoas que não estavam gostando de serem expostas à verdade, à revelação dos crimes que estavam cometendo.

Muitas são as homenagens que, hoje, nos seus artigos, colegas e amigos de Tim Lopes lhe têm feito. Mas, para homenageá-lo, Sr. Presidente, seria importante ler aqui um depoimento muito interessante, que diz respeito às condições que têm levado a tanta criminalidade no Brasil, escrito pelo rapper, morador da Cidade de Deus, MV Bill, num artigo publicado, hoje, em O Globo, intitulado “Quanto custa uma vida?”. Diz MV Bill:

Conheci o Tim Lopes numa reunião do PPPomar, ele sempre me pareceu um cara correto, e parece que isso se confirma a cada entrevista de seus amigos. Em primeiro lugar, é reprovável toda e qualquer forma de violência, e essa também eu reprovo totalmente. Ninguém concorda com o tráfico de drogas, muito menos os favelados que também estão e são submetidos a uma série de barbáries todos os dias. Mas só existe uma maneira de acabar ou diminuir o problema: é parando de fazer de conta.

Um caso como esse só chocou a população do asfalto, pois esses fatos são parte do cotidiano das favelas brasileiras. Antes de declarar guerra aos “traficantes” de nomes estranhos como Chulé, Louco, Bolinho, Nenem, Negão etc., é preciso conceituar o que significa ser um traficante.

Claro que não estou dizendo que as pessoas que mataram o Tim são inocentes ou que devem ser perdoadas. Mas as pessoas que a sociedade entende como traficantes vivem aqui com os pés descalços e suas famílias fazem vaquinha para enterrá-los quando morrem. Reparem nas roupas e nos dentes de todos os presos e dos detidos como traficantes nas favelas. São dignos de dó. Mas a polícia vai lá e dá uma satisfação à imprensa, e à sociedade. A mesma sociedade que criou esse vulcão chamado favela.

É preciso parar de fazer de conta que os traficantes só estão no morro, pois no morro só sobra a violência e a dor de tantas mães que assistem a seus filhos morrerem e matarem todos os dias numa reposição de corpos humanos e desumanos.

Eu não tenho perfil para escrever artigo em um jornal, mas também não quero continuar a ler artigos de intelectuais arriscando seus palpites e afirmando, por exemplo, que os jovens das comunidades recebem pequenas fortunas por mês, quando quem vive o dia a dia dessas favelas sabe que a miséria aqui é tão grande que não é preciso pagar muita coisa para se terem voluntários com sangue nos olhos.

Todos nós sabemos que o quadro não vai mudar se o “arrego” continuar.

Sabemos que o tráfico não vai recuar se não criarmos alternativas para esses milhões de meninos que formam a grande mão-de-obra do tráfico. Não adianta prender 500 ou mil. No outro dia terá outro em seu lugar. O papel da polícia não pode se limitar a acabar com os bailes funk, pois o que a polícia vai colocar no lugar?

Prender os assassinos de Tim pode até aliviar a dor de quem clama por justiça, mas e a dor de milhões que tem seus parentes mortos nessa guerra sem fim e que não é notícia? Temos que ir além. Precisamos parar com as demagogias e politiquismos, vestir a camisa do Brasil, sem ser copa do mundo, antes que seja tarde demais. Os partidos agora vão dizer que a culpa é da Benedita, mas sabemos que não é. Sabemos que o tráfico é um problema antigo. Todos vão querer aparecer às custas da desgraça do Tim. Temos que criar alternativas sem palanques, sem fazer da morte alheia um show.

Não devemos esquecer que a mesma burguesia que manda prender os traficantes pretos dos morros é a mesma que sempre foi a base da economia das drogas.

É hora de parar de colocar tapete vermelho para os Ronalds Biggs para vender mais jornais e revistas.

O fato é que vivemos num país sitiado pela omissão de cada um de nós, que só acreditamos que a chapa é realmente quente e só sabemos de nomes como "microondas" quando o sangue bate em nossa porta.

Tim partiu e deixou uma missão para o Brasil. Ou dividimos toda a riqueza que geramos ou seremos obrigados a dividir toda a conseqüência da miséria que é gerada.

Fé em Deus. (sic)

Sr. Presidente, acredito que essas palavras de MV Bill constituem uma homenagem de quem, morando na Cidade de Deus, pode transmitir muito do sentimento da população do Rio de Janeiro e de todo o País, que quer, realmente, que se faça justiça no Brasil, como um dos meios imprescindíveis para acabar com tanta criminalidade.

O nosso pesar e a nossa homenagem a esse valoroso Tim Lopes, extraordinário jornalista.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/06/2002 - Página 111371