Discurso durante a 90ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa de esforço no sentido da apreciação de projetos que tratem sobre a educação, a justiça e o combate à violência.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Defesa de esforço no sentido da apreciação de projetos que tratem sobre a educação, a justiça e o combate à violência.
Aparteantes
Jefferson Peres.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2002 - Página 12324
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, TURISMO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CRITICA, EXCESSO, VIOLENCIA, INCAPACIDADE, APROVEITAMENTO, SERVIÇOS TURISTICOS.
  • SOLICITAÇÃO, ESFORÇO, SENADO, AGILIZAÇÃO, PROJETO DE LEI, APERFEIÇOAMENTO, LEGISLAÇÃO PENAL, MELHORIA, EDUCAÇÃO, JUSTIÇA, AMPLIAÇÃO, COMBATE, VIOLENCIA.

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O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, ao amanhecer do dia, eu saía do Rio de Janeiro e me deslocava para Brasília. E olhava extasiado para a cidade do Rio de Janeiro, pois ela é muito bonita.

O SR PRESIDENTE (Antonio Carlos Valadares) - Senador Ney Suassuna, permita-me interrompê-lo para informar à Casa que V. Exª está falando por cessão do Senador Fernando Ribeiro.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Obrigado ao Senador Fernando Ribeiro.

Mas eu dizia, Sr. Presidente, que o Rio é uma cidade maravilhosa. É lindo! E ao mesmo tempo em que eu estava extasiado com o amanhecer, com toda aquela beleza do Rio de Janeiro, eu prestava atenção que mesmo pela manhã a maioria dos carros tem os vidros fechados. E embora estivesse claro, a maioria não espera no sinal. Ninguém quer esperar no sinal. Há um temor permanente no Rio, que se espalha por outras cidades, por todo o Brasil.

E eu ficava a me perguntar: meu Deus, por que será que nós, ao invés de estarmos fazendo a propaganda do Rio por todo o mundo, somos obrigados a mostrar as mazelas do nosso País, as mazelas de uma maravilha como o Rio de Janeiro, afastando os turistas, ao invés de trazê-los? E me pus a matutar sobre esse assunto.

Hoje, sabemos que não é só no Rio de Janeiro, em muitas cidades temos territórios independentes, repúblicas independentes, onde existe toda uma legislação que não é a brasileira. Existe pena de morte, existe tudo que se queira e mais alguma coisa. E por que chegamos a esse ponto? Ao pensar a respeito, cheguei lá nas raízes. Temos muitos atavismos, Sr. Presidente, que precisamos mudar.

No Brasil, na nossa colonização, no começo dos quinhentos anos que temos de existência, o rei era o dono de tudo. E como nós não gostávamos do rei, o que era público quase sempre era depredado, era quebrado, era deixado de lado. Mas temos outro atavismo: precisamos permanentemente do feitor. Em cinco séculos, quatro séculos foram de escravidão. E o senhor e o escravo, ambos ficaram com o mesmo vício: se não tem feitor, o trabalho não anda; é preciso ter alguém tangendo. Esse é um atavismo nacional.

Mas temos também um outro atavismo: é preciso ser formado. Mesmo que não saiba nada, mesmo que o curso superior seja de domingo, é preciso ter um título, ter um diploma, porque era assim que os brasileiros podiam se eqüivaler ou se equiparar aos portugueses, tendo lá o diploma, conseguido em Portugal.

Mas esses atavismos ainda estão muito presentes na nossa mentalidade. Existem outros, até enfiados na nossa cabeça, como o de que nós que vivemos nos trópicos não temos condição de ter sucesso, porque quem vive nos trópicos normalmente é leniente, é preguiçoso, e vai por aí afora. Muitos escreveram sobre o assunto e conseguiram colocar um pouco na nossa cabeça. E quando eu digo nossa é do inconsciente nacional. Como também o de que o estrangeiro é melhor do que é nacional. Por muitos e muitos anos nos enfiaram isso na cabeça. Se é estrangeiro, é melhor! Lembro-me quando falávamos em navalha, tinha que ser Solingem. Tudo tinha que ser estrangeiro e tinha sempre uma marca boa, de máquina fotográfica à navalha que usávamos para fazer a barba.

Todos esses atavismos nos levaram a certa passividade. Temos pouca capacidade de indignação. Diferentemente dos hispânicos aqui do lado, viemos conquistar este território com apenas duas grandes bandeiras - Deus e ouro -, em vez das três bandeiras dos hispânicos: Deus, ouro e glória.

Não invejo os hispânicos pela bandeira da glória, porque isso sempre significa muita morte e muito sangue. Repito o que já disse em outro momento neste plenário: na Revolução de 64, tínhamos 120 milhões de habitantes, morreram 200 pessoas, e todos condenamos. Quase na mesma época, a Argentina fez uma revolução. Dos 30 milhões de habitantes, morreram 30 mil pessoas. A luta pela glória é algo complexo.

Na verdade, todos somos responsáveis pelo status quo que vivemos.

Voltando ao Rio de Janeiro, eu dizia: “Meu Deus, nas mãos dos americanos, esta seria a maior cidade do mundo”. Vanglorio-me de conhecer as mais bonitas cidades do mundo, mas nenhuma é tão bonita quanto o Rio de Janeiro. No entanto, temos expulsado os turistas do Rio de Janeiro e de muitas metrópoles brasileiras. Ou é a dengue, ou é a violência... Mesmo quem tem negócios e vem em busca da nossa indústria preocupa-se com a violência, que piora a cada dia.

Como e o que fazer? Já ocupei esta tribuna algumas vezes para falar de pacote antiviolência, da necessidade de rapidez nas votações e para pedir a instauração de uma comissão, fazendo-se uma triagem do que é ou não urgente. Temos que andar e fazer andar o País.

Só é possível mudar este País com educação e justiça. É preciso que pisemos fundo na educação, inclusive para fazer a mudança dos atavismos, neutralizá-los e mostrar que não podemos continuar dessa forma. Estou sendo simplório, citando apenas dois casos. Com educação, cada um passa a conhecer seus direitos e deveres, sabendo inclusive como contornar as dificuldades em relação às necessidades básicas do homem - habitação, vestuário, alimentação e saúde. A Justiça, por sua vez, é capaz de igualar os desiguais.

Estive ontem à noite com um grupo de pessoas versadas no Direito, algumas formadas e outras que estão terminando seus cursos. Um deles me disse uma frase que, embora verdadeira, me deixou um tanto quanto arrepiado: “se você detesta muito alguém, e, se esse alguém é realmente um caso muito sério, pode ser melhor matá-lo, pois o réu primário não passa nem 6 anos preso”. Essa é uma frase incrível, mas infelizmente é verdade. Quem mata 1 pode matar 100, pois o tempo máximo de reclusão, segundo a legislação brasileira, são 30 anos. E o réu primário, que tenha matado apenas um, com bom comportamento na prisão, sai em 6 anos.

Precisamos rever a legislação e fazer algo para frear a onda de violência. Se um advogado chega a dizer algo assim, significa que a situação da Justiça está muito difícil. E não culpo os juízes, que estão atolados de trabalho, sem estrutura e sem condições de fazer a Justiça andar.

O Sr. Jefferson Péres (PDT - AM) - Senador Ney Suassuna, V. Exª me permite um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Jefferson Péres (PDT - AM) - Senador Ney Suassuna, estou acompanhando o seu discurso contristado. O Rio de Janeiro é a minha segunda cidade. A primeira é a cidade onde nasci e moro, Manaus. A segunda é, sem dúvida, o Rio Janeiro, aonde vou sempre que posso. Não conheço o mundo inteiro, mas visitei algumas dezenas de cidades, em quase todos os continentes. Nenhuma se iguala ao Rio de Janeiro. Nenhuma, Senador Ney Suassuna! O Rio de Janeiro é, ao mesmo tempo, uma cidade balneária, com mar, com montanha e com floresta. Talvez a única floresta urbana do mundo seja a da Tijuca. É uma cidade privilegiadíssima pela natureza, com um povo maravilhoso, um grande centro cultural. Como disse V. Exª, deveria ser a cidade mais prazerosa do mundo, mas é o exemplo vivo da incompetência dos nossos governos - falo no plural. O Rio de Janeiro deveria estar recebendo, hoje, 10, 15 ou 20 milhões de turistas por ano.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - No mínimo.

O Sr. Jefferson Péres (PDT - AM) - No mínimo. E deixou-se que os morros fossem ocupados pela marginalidade. Não me refiro às favelas, mas à marginalidade e ao crime organizado, com vários poderes paralelos, a ponto de se ter de pedir licença aos traficantes para se desenvolver qualquer atividade nos morros do Rio de Janeiro. É a falência do Poder Público. Por que o Estado, a Prefeitura, o Poder Público não ocupou os morros até hoje, Senador? Ocupar os morros não é expulsar os pobres, mas ocupá-los com quartéis de polícia, hospitais, escolas, serviços sociais, tudo. Já teriam expulsado a marginalidade. Por que não se faz isso, Senador Ney Suassuna?! Olha, deixar que o Rio de Janeiro seja aquilo em que se transformou é um crime pelo qual o futuro não nos vai perdoar. Parabéns pelo seu pronunciamento. Eu sangro por dentro quando vejo aquele desperdício: ao invés de o Rio de Janeiro ser a melhor cidade do mundo, é uma das piores em termos de violência.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, nobre Senador Jefferson Péres.

Como disse, enquanto eu estava extasiado com a beleza e toda aquela maravilha que V. Exª acabou de mencionar, eu vinha pensando o que fazer. O que pode um Senador da República fazer para tentar mudar? É muito pouco se não nos unirmos. Um só não vai fazer. No entanto, se todos nós, os 81 Senadores, nos reunirmos e solicitarmos que a Mesa faça uma triagem dos projetos, tenho certeza de que vamos encontrar soluções para melhorar a educação, o que é necessário, e para melhorar a Justiça, o que é imprescindível. E mais do que imprescindível, é imprescindível, urgente e necessário o combate à violência.

Não há violência só no Rio de Janeiro. No Nordeste, em Pernambuco ou na Paraíba, só é possível passar pelo “polígono da maconha” de dia, em comboio, com escolta da Polícia. Se alguém passar fora de hora, terá o carro tomado e vai sumir.

            Há violência até mesmo nas cidades do interior. Na semana passada, no Rio Grande do Norte, vi com tristeza ocorrerem dois assaltos, com mais de 10 pessoas armadas com fuzis AR-15. Em uma das cidades, assaltaram os três bancos, mataram o delegado e o subdelegado. Na outra, colocaram os policiais no meio de uma roda e os fizeram dançar. Isso, no interior do Rio Grande do Norte.

No Brasil, a incompetência de todos nós para combater a violência está uma coisa muito séria. Que Estado hoje não tem essa violência espairada, já se enraizando? Culpa nossa, de todos os brasileiros, mas culpa principalmente de nós, representantes do povo.

Então, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupei esta tribuna hoje para dizer da minha indignação ao ver que colocamos matérias nos jornais, nas revistas e na TV falando mal do Rio e espantando os turistas. Somos obrigados a fazer isso porque não há outra solução. Fazemos a propaganda que a concorrência gostaria de fazer contra nós. Ninguém precisa fazê-la. As cidades que concorrem com o Rio de Janeiro e com o turismo do Brasil estão muito satisfeitas. Nós mesmos eliminamos o nosso turismo porque não tivemos competência até hoje para combater a violência e todas essas mazelas que somos obrigados a estampar nos jornais. E não há outra solução, pois essa situação passou a ser corriqueira no dia-a-dia de todos os brasileiros.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2002 - Página 12324