Discurso durante a 90ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à atribuição dos ataques especulativos à economia brasileira ao desempenho nas pesquisas eleitorais do candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Apoio ao projeto de lei que convoca plebiscito a respeito do ingresso do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas - Alca.

Autor
Emília Fernandes (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), GOVERNO ESTADUAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Críticas à atribuição dos ataques especulativos à economia brasileira ao desempenho nas pesquisas eleitorais do candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Apoio ao projeto de lei que convoca plebiscito a respeito do ingresso do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas - Alca.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2002 - Página 12406
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), GOVERNO ESTADUAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, ACUSAÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, CANDIDATO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, RESPONSAVEL, AUMENTO, ESPECULAÇÃO, TAXA DE CAMBIO, AMPLIAÇÃO, RISCOS, ECONOMIA NACIONAL.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SUBORDINAÇÃO, INTERESSE, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), AUMENTO, DESEMPREGO, POBREZA.
  • REPUDIO, CONDUTA, GOVERNO FEDERAL, CRITICA, GOVERNANTE, ESTADOS, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, OLIVIO DUTRA, GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), MOTIVO, AUSENCIA, CONCESSÃO, BENEFICIO FISCAL, EMPRESA MULTINACIONAL, INDUSTRIA AUTOMOBILISTICA, FAVORECIMENTO, PEQUENA EMPRESA, PEQUENO PRODUTOR RURAL, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
  • APOIO, ATUAÇÃO, MEMBROS, COMISSÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), ALTERAÇÃO, PARECER, PROJETO DE LEI, PLEBISCITO, INGRESSO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), SUBSTITUIÇÃO, REALIZAÇÃO, REFERENDO, POPULAÇÃO, AVALIAÇÃO, NEGOCIAÇÃO.
  • CRITICA, LUIZ OTAVIO, SENADOR, VOTO CONTRARIO, REALIZAÇÃO, REFERENDO, APOIO, INGRESSO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), DESNECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, DISCUSSÃO.
  • COMENTARIO, RISCOS, INGRESSO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), SUBORDINAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ELIMINAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), NECESSIDADE, OPINIÃO PUBLICA, DEFESA, REALIZAÇÃO, REFERENDO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª. EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto à tribuna em um momento, talvez, dos mais críticos da economia brasileira, em que os ataques especulativos ao câmbio põem em xeque a propalada estabilidade dos fundamentos macroeconômicos da economia brasileira.

Ao lado desse quadro, a sociedade brasileira vivencia o mais descabido processo de culpabilidade que tentam impor ao nosso candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o que está de fato incomodando tanto o Governo Federal não é a flutuação, a alta do dólar no mercado; sem dúvida, é a alta do Lula nas pesquisas.

Não vemos problema maior quanto a essa desfaçatez porque estamos certos de que a sociedade brasileira está suficientemente madura para compreender a politização que a autoridade econômica vem tentando fazer de suas próprias falhas, obscurecendo a realidade. Basta lermos a mídia especializada. Eles erraram, sim, e agora buscam justificativa para os próprios equívocos, colocando a culpa no nosso candidato. Tenho acompanhado muito de perto as declarações do Sr. Pedro Malan e do Presidente do Banco Central, Sr. Armínio Fraga, e o que agora se pode perceber claramente é que a “solução” - ou seria mais adequado falar em paliativo - encontrada pelo Governo FHC é um peso ainda maior para o próprio povo, buscando recursos em novos saques junto ao FMI. Precisamos dizer isto com clareza ao País: esses são recursos que se pagam no futuro, e quem os pagará será o povo brasileiro.

Também poderia, Srs. Senadores, trazer neste momento parte do pronunciamento feito pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso tentando justificar, mais uma vez, a sua política neoliberal entreguista que se submete aos interesses do capital internacional e que, de joelhos, se coloca diante do FMI, entregando portanto parte do patrimônio deste País à conveniência dessa política que ele defende; também poderia trazer aqui os dados que são resultado dessa política do Fernando Henrique Cardoso dos últimos oito anos que apontam o Brasil como vice-campeão do desemprego: só perdemos para a Índia, segundo os dados apresentados; poderia trazer uma reflexão aqui em cima da afronta à soberania nacional, à submissão e ao entreguismo, como já falei.

Mas, mais uma vez, o Presidente da República agride não o povo brasileiro ou o povo de alguns Estados brasileiros; Sua Excelência agride o próprio pacto federativo quando inclui nos seus pronunciamentos ataques maldosos, mal-intencionados a governantes de alguns Estados do Brasil. Refiro-me mais especificamente ao Estado do Rio Grande do Sul, meu Estado, ao nosso Governo popular e democrático comandado pelo Olívio Dutra. Sua Excelência atacou também os Governos de Minas Gerais, do Rio de Janeiro e o Governo de Miguel Arraes. Mas poderia também falar aqui da forma como se relaciona o Governo Federal com o Poder Legislativo; poderia trazer aqui os números que estão a todo momento estampando quanto está valendo a montagem em cima da convenção do PMDB, do dinheiro liberado para comprar voto, mas também poderia recuperar aqui o que se comprou de votos para vender consciência em relação à reeleição, em relação à CPI do Abafa contra a corrupção.

Mas isso eu trarei, se possível, ainda amanhã para fazer uma análise e desmascarar de uma vez por todas este Governo Federal, que tenta agredir o povo do Rio Grande como se não tivéssemos um mínimo de capacidade de síntese, de análise para compreender que nós rompemos, há quatro anos, com a política entreguista quando derrotamos o cavalo do comissário entreguista chamado Antonio Brito, quando dissemos “não” à política das multinacionais subservientes como a Ford, que está tentando justificar nesta Casa as milhares de pessoas que foram desempregadas neste País. Nós dissemos “não”. Buscamos resgatar no Rio Grande uma consciência para um melhor índice de desenvolvimento humano que não conhece essa política neoliberal entreguista. Nós não quisemos nos submeter de joelhos e dar 400 milhões de reais à Ford porque queríamos distribuí-los entre as pequenas e médias empresas; nós queríamos distribuí-los entre o pequeno e o médio produtor rural; queríamos dizer que em um Estado que segundo eles, no terceiro mês, não se sustentaria, não pagaria sequer os seus salários, não vendemos um parafuso, não atrasamos um salário; ao contrário, os dados indicam um desenvolvimento econômico e social nunca visto nos últimos 20 anos ou 30 anos de governo daquele Estado. Volto a este assunto amanhã para, mais uma vez, dizer que a política neoliberal entreguista está com seus dias contados porque o Brasil quer emprego, quer investir no capital nacional, quer investir no que dá condições de socialização, de humanização que é emprego e distribuição de renda.

Sr. Presidente, imaginávamos que hoje já teria sido votado um projeto que está na Comissão do Mercosul que trata da Alca. Nós estamos discutindo há praticamente mais de seis meses na Comissão do Mercosul, mas por incrível que pareça não se consegue avançar porque a base de sustentação do Governo Federal não deixa. Nós temos um projeto de autoria do Senador Roberto Saturnino, que é o nosso colega de Bancada, que aborda a realização de plebiscito sobre a suspensão das negociações para o ingresso do Brasil na Alca. E eu sou a Relatora desse projeto. Depois de muita discussão, chegamos a um entendimento quanto ao plebiscito: a maioria da Comissão, a partir de provocações por parte de vários Parlamentares, inclusive o Senador José Fogaça, que está presente, avançou para que se pudesse chegar a um consenso entre Oposição e Base de sustentação do Governo. Em vez de um plebiscito, oficialmente pedido em legislação - até porque o plebiscito vai sair neste País de primeiro a sete de setembro; o Brasil inteiro vai às urnas dizer “não” à Alca, mas seguindo o trâmite regimental - nós alteramos o nosso parecer, embora defensores do plebiscito, admitindo que se poderia fazer e pedir um referendum. Quer dizer, assim que o Brasil encerrasse ou avançasse nas suas negociações o povo brasileiro avaliaria por meio de um referendum se quer ou não as negociações ou a integração do Brasil à Alca.

Tudo estava avançando. O meu adendo foi apresentado. A nossa surpresa na última reunião foi quando o Senador Luiz Otávio, falando em nome do Governo Federal, tendo em vista que é o Vice-Líder do Governo nesta Casa, disse que o Governo não aceitava nem plebiscito, nem referendum e que simplesmente queria dizer amém à Alca. E apresentou um voto em separado. Eu tenho aqui o voto na íntegra. Mas vou destacar alguns pontos porque entendo que a sociedade brasileira precisa saber o que ocorre nesta Casa. Vou poupar os Senadores e não vou entrar nos inúmeros detalhes deste voto, mas não posso deixar de prestar os devidos esclarecimento e fazer, segundo o nosso ponto de vista, as correções às análises do ilustre Senador autor do relatório. Vou iniciar utilizando uma afirmação do final deste documento: “Que se examinem com cuidado e objetividade os prós e contras da Alca para no momento apropriado - palavras do autor do relatório - decidir se participar da Área de Livre Comércio será ou não vantajoso para o País.”

Não poderia deixar de tecer o seguinte comentário inicial: é isso mesmo! Nós queremos examinar com cuidado os prós e contras da Alca, mas queremos que esse processo se faça num prazo, num espaço temporal que seja definido de forma autônoma, interna, nacional e democrática. Por isso estamos propondo o referendum; até discutimos e defendemos o plebiscito, mas cedemos ao referendum.

Não desejamos decidir pelo povo, mas dar-lhe a oportunidade da decisão. Isso diz respeito a nós, brasileiros. Este é o nosso momento apropriado.

No mercado internacional, não há espaço para infantilidades e erros de estratégia. Trata-se de um jogo para profissionais. Não se pode acreditar tratar "a Alca de um mero projeto ainda em estado bastante incipiente” - afirmação presente na página 3 do voto em separado. Se assim fosse, não estaríamos aqui discutindo o tema.

Outro ponto, Sr. Presidente. A crença de que “o fluxo de investimentos diretos recebidos pelo México” mantém vínculos com a participação daquele país no Nafta, conforme se lê na página 7 do voto, carece de sustentação teórica. Vou ser breve. Em 1994, por ocasião da crise no México, os Estados Unidos transferiram para aquele país mais de US$20 bilhões, em 24 horas. Esse recurso não chegou ali para socorrer um país irmão ou um parceiro do Nafta; foi para lá destinado a evitar que as empresas americanas ali sediadas afundassem devido à iminente bancarrota mexicana e essas empresas tivessem prejuízos ainda maiores.

Portanto, ao salvar a economia mexicana, os recursos do FMI objetivaram, de fato, garantir a sobrevivência e a rentabilidade das empresas americanas, no México. Não nos iludamos quanto à realidade!

Ao referir-se ao site oficial da Alca, o documento em questão aponta que “não existe uma proposta coesa e bem articulada de acordo comercial, e, sim, um conjunto bastante heterogêneo de propostas pouco articuladas entre si e, muitas vezes, claramente antagônicas”.

Não posso concordar com tal afirmação. Voltei ao site oficial da Alca, tendo em vista que ele se contrapôs a algo que apresentei no meu relatório. No site da Alca, encontrei um projeto pronto e acabado, do ponto de vista do Governo. Ele disse que não. Pois voltei ao site oficial da Alca e, depois de verificar a existência de nove capítulos em franca negociação, todos eles divididos em dezenas de seções e anexos facilmente verificáveis, destaquei a seguinte afirmação, como forma de ratificar as nossas preocupações. Diz o texto, no material do site:

“O texto será modificado à medida que avançarem as negociações. Na declaração de Buenos Aires, os Ministros deram instruções, para que os grupos de negociação intensifiquem esforços, a fim de resolver as diferenças existentes e alcançar consenso, com vista a eliminar os colchetes das minutas, na maior medida possível.”

Saibam, Srªs e Srs. Senadores, que a Alca já se encontra na fase de resolver as diferenças existentes. Por quê? Porque o processo de construção da Alca encontra-se mais avançado do que se divulga. Identificam-se menos diferenças e mais consensos. Para quem deseja a Alca logo, as coisas vão muito bem. Isso é o que se percebe.

A Alca vem, a cada dia, sendo construída com uma velocidade superior àquela imaginada pela população dos futuros países membros - aí considerada a população brasileira, que vem sendo mantida à margem de todo esse processo.

Assim vemos a situação, pois existem capítulos em que a maioria dos pontos já se encontra negociada, como, por exemplo, o capítulo sobre investimentos, acessos a mercados, soluções de controvérsias. Mais grave ainda, a negociação sobre direitos de propriedade intelectual já está concluída e a defesa da concorrência, praticamente finalizada.

Portanto, para nos mantermos no campo do bom-senso, deixo para as Srªs e os Srs. Senadores e para a sociedade brasileira, a pergunta: esse conjunto pode ainda ser chamado, como disse o defensor do Governo, de conjunto bastante heterogêneo de propostas pouco articuladas entre si? Isso é inconcebível para um país que pretende ser dono de suas decisões, senhor do seu futuro.

Há uma insistência conceitual no voto em separado quanto ao fato de a Alca, hipoteticamente, ser algo ainda sem contornos definidos. Há, ainda, uma crença infundada, segundo nosso entendimento, de que a participação do Brasil nessas negociações é absolutamente essencial para preservar os interesses comerciais do País no hemisfério e no mundo.

Vamos por parte fazer uma análise dessa questão. Primeiro, quais são, ou deveriam ser, os verdadeiros interesses comercias do País? Eu respondo, Srªs e Srs. Senadores: é ter a oportunidade de colocar nos mais diversos mercados mundiais os nossos produtos, é lutar pela união dos mercados, pela aproximação de nossas economias, contribuindo para a nossa prosperidade, mas também para a dos outros países. É buscar, sim, atingir objetivos de interesse comum; é garantir o desenvolvimento harmonioso do conjunto das trocas comerciais.

Pergunto: é isso que a Alca nos oferece, quando sabemos estarmos sendo atraídos para um espaço de mercado em que um dos parceiros é infinitamente superior tecnologicamente, industrialmente? A resposta é não. Não trata a Alca de implementar uma área de liberdade, segurança e justiça social, conectadas operações de mercado interno dos futuros países membros. Não se trata disso, sabemos bem, pois a dimensão comercial na qual os americanos não têm o que perder é a Alca, que nós é oferecida, a não ser que desejemos fazer uma parceria com os Estados Unidos e Canadá, e juntos, os três países, explorarmos e vilipendiarmos as economias mais frágeis do continente.

Se a proposta é essa, o Partido dos Trabalhadores é totalmente contra. Não lutamos, em nenhuma hipótese, por acordos que não tenham uma verdadeira base de solidariedade no relacionamento entre as Nações.

Segundo, por que interesses comerciais do País, no hemisfério e no mundo? Que dimensão é essa que se pretende dar à Alca? Também vou mostrar a minha visão quanto a essas falsas questões.

Não podemos vincular a nossa participação na Alca como se ela fosse o fim de tudo. Nosso comércio internacional apresenta uma importante característica que é a diversificação, a amplitude, dos nossos parceiros comerciais.

Nesse sentido, todos os países são importantes, incluindo, naturalmente, os Estados Unidos.

Então, é bom que possamos esclarecer que não existem impeditivos legais a que qualquer país mantenha seus históricos parceiros comerciais em razão de eventual opção por sua não-participação na Alca ou em qualquer outro bloco comercial.

O Sr. Adir Gentil (PFL - SC) - V. Exª concede-me um aparte?

A SR.ª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS) - Concedo o aparte ao Senador Adir Gentil.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Wilson) - Senadora Emília Fernandes, a Mesa quer alertar V. Exª para o fato de que sessão vai encerrar-se às 18 horas e 31 minutos, e o Senador José Fogaça pediu pequeno tempo para fazer uma breve comunicação.

Solicito aos Srs. Senadores que sejam breves nos apartes, para que a Senadora possa concluir o seu pronunciamento.

A SR.ª EMILIA FERNANDES (Bloco/ PT - RS) - Peço-lhe desculpas, Senador Adir Gentil. Pretendo voltar ao plenário, amanhã, para aprofundar o exame da matéria, e terei o maior prazer em ouvir V. Exª. Se eu conceder um aparte agora, o tempo não será suficiente para as considerações que ainda tenho a fazer, portanto fico devendo o aparte a V. Exª.

Sr. Presidente, passo agora a discutir a idéia de que “a Alca oferece riscos e oportunidades”. É verdade. Concordamos com essa afirmativa. Todavia, não devemos esquecer-nos de dimensionar adequadamente o peso tanto dos “riscos” como principalmente das “oportunidades”. Discordamos nesse ponto.

Ao incluir no rol dos riscos para o Brasil um improvável e incabível “isolamento diplomático e econômico-financeiro”, chegando mesmo ao absurdo de uma tal “desinserção do Brasil no cenário comercial e internacional”, gostaria de tranqüilizar a todos quanto a essa preocupação, completamente infundada e descabida.

Não existe - que se tenha conhecimento na literatura técnica, diplomática e acadêmica - nenhum país interessado em impedir, pela força ou de maneira direta e explícita, nosso País fique fora do cenário comercial e internacional. Cabe lembrar que isso ocorre com Cuba, e o país responsável por tal “desinserção” - na falta de um termo mais adequado - são os Estados Unidos da América, que, historicamente, tentam impedir a consolidação do sistema socioeconômico cubano, sabidamente distante do deles.

Então, seria adequado se pudéssemos discutir as tais "oportunidades" advindas com a Alca, se os "riscos" não fossem tão elevados, latentes e, em boa medida, óbvios para uma economia que ainda não logrou consolidar sua base tecnológico-industrial, particularmente no que diz respeito à sua capacidade de gerar inovações tecnológicas.

Somos um País de economia industrial diversificada - é verdade -, porém ainda sem a necessária capacidade inovativa requerida pela competição em mercados mundiais, os chamados mercados globalizados.

Mais um aspecto do voto em separado chamou minha atenção: a crença de que “participar da Alca não enfraquece o Mercosul” (página 5), mas “fortalece o bloco sub-regional”. Não me alongarei da defesa desse posicionamento. Apenas lembro que não há negociação do Mercosul, como bloco, na Alca - processo inaceitável por parte dos norte-americanos, que fazem questão de que as negociações ocorram país a país.

É fato que, em qualquer fórum internacional, os momentos em que o bloco sub-regional se viu fortalecido foram aqueles em que conseguimos falar como Mercosul - não é o que vem ocorrendo no âmbito da Alca. Portanto, ao fortalecer a Alca, é inevitável o enfraquecimento e mesmo a possibilidade do fim do Mercosul, visto tratar-se de regras distintas a que teríamos de nos submeter e que não poderíamos manter ao assumirmos a referida entidade. Essas são as regras do jogo, mas não temos condições de jogar com duas regras ao mesmo tempo.

Quanto ao Mercosul, existem vários outros posicionamentos presentes no documento que analisamos e que mereceriam reparação - um em particular. Trata-se de idéia de que não participar da negociação da Alca significaria “alienar o interesse da União Européia e dos países europeus por uma negociação com o Brasil-Mercosul”.

No entanto, é justamente o contrário - senão, vejamos. Há dois aspectos a considerar: primeiramente, é bom notarmos, no documento, a citação da União Européia e dos países europeus como dois entes possíveis, distintos e não necessariamente antagônicos, o que corrobora ponto que já mencionei;

Segundo, não devemos ter a menor dúvida quanto ao interesse da União Européia e dos países europeus em negociar com o Brasil e com o Mercosul. Para eles é importante o nosso mercado, mas para nós a Europa é fundamental, dentro da necessária diversificação de nossos parceiros comerciais. Então, não cabe falar em “alienar o interesse da União Européia”, visto que neste caso há interesses mútuos claros.

Outro ponto importante. A discordância da afirmação do Presidente da Fiesp, Sr. Horácio Lafer Piva, constante do meu parecer, na qual o empresário afirma: “Por alguma razão, o Governo brasileiro tem muita dificuldade de interlocução com os empresários”. O voto em separado traz a afirmação de que documentos produzidos pelos empresários “têm sido de grande valia para o Governo”.

Não desejo criar intrigas, mas a discordância entre um representante da base governista nesta Casa e o empresário Lafer, me parece um bom sinal. Significa que nós estamos cada vez mais sendo entendidos pelos empresários e que nossas propostas não mais são um “bicho de sete cabeças” ou mesmo justificativa para movimentos especulativos. Creio que esses mesmos empresários, representados pela Fiesp, gostariam de saber onde é mesmo que suas idéias “têm sido de grande valia para o Governo”.

Devo explicitar nosso entendimento quanto ao que consideramos um desentendimento da parte do Governo Federal e seus apoiadores. Falo das “cláusulas sociais, ambientais e sanitárias”. Precisaria de muito mais tempo, mas preciso esclarecer que “a diplomacia brasileira não fez” tais exigências porque, de fato, elas são sim do nosso interesse e não necessariamente dos norte-americanos.

Ao incluirmos tais aspectos na negociação estaríamos tocando em temas candentes e indesejáveis para a nação mais poluidora do Planeta, os EUA. E ademais, temos que ter uma visão de meio ambiente holística, internacionalista. Uma posição que entenda todas as nossas riquezas, nossa biodiversidade, como um dos principais instrumentos que possuímos para as negociações internacionais.

Cada vez mais as nações desenvolvidas desejam preservar o nosso meio ambiente, por entendê-lo como algo fundamental para o futuro do Planeta. Então, não se trata de temermos os “interesses protecionistas”, pois eles também nos interessam, desde que em obediência à legislação que já possuímos, o que garante a utilização sustentável dessas nossas riquezas.

Por fim, queria lembrar que nossa compreensão quanto ao que seja “ouvir a sociedade”, “ser transparente”, “pactuar procedimentos”, nada tem a ver com a idéia de que “tornar pública” ou “amplamente divulgada” (p. 10) uma determinada ação do Governo Federal se resuma a publicar no Diário Oficial da União ou mesmo manter documentos na Internet.

Ao propor o referendo em relação à Alca, temos claro que aí, sim, o tema será público, teremos uma oportunidade para discutir com a sociedade nos mais diversos rincões deste País. Se o Governo tem certeza do acerto de seu posicionamento em relação às negociações em andamento, não há o que temer. Democraticamente se decidirá a nossa participação ou não.

Assim, peço a atenção dos Srs. Parlamentares para a discussão que está acontecendo na Comissão do Mercosul, que não foi votada hoje por falta de tempo e por haver começado a sessão plenária com as votações da Ordem do Dia. Interrompemos a reunião, mas na próxima terça-feira a matéria estará na pauta da Comissão do Mercosul, com o voto em separado que diz "sim" à Alca, total e absoluta, e o nosso parecer, que pede o referendo para que o povo brasileiro possa se inteirar mais sobre este assunto e dispor também de tema de tamanha importância.

Sr. Presidente, são essas as minhas observações. Obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2002 - Página 12406