Discurso durante a 90ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão acerca do déficit da Previdência Social.

Autor
Sérgio Machado (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/CE)
Nome completo: José Sérgio de Oliveira Machado
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Reflexão acerca do déficit da Previdência Social.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2002 - Página 12415
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, AMPLIAÇÃO, DEFICIT, PREVIDENCIA SOCIAL, EXCESSO, APOSENTADO, REDUÇÃO, QUANTIDADE, TRABALHADOR.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, PESQUISA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), MELHORIA, POLITICA SOCIAL, INCAPACIDADE, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, AUSENCIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, CRITICA, FALTA, IGUALDADE, PAGAMENTO, APOSENTADORIA, PREJUIZO, CLASSE SOCIAL, BAIXA RENDA.
  • COMENTARIO, AUMENTO, EXPECTATIVA, VIDA, AMPLIAÇÃO, QUANTIDADE, IDOSO, APREENSÃO, CRESCIMENTO, ECONOMIA INFORMAL, CONTRIBUIÇÃO, DEFICIT, PREVIDENCIA SOCIAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. SÉRGIO MACHADO (PMDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como todos nós representantes do povo bem sabemos, a atividade política, encarada em sua mais nobre concepção como instrumento para intermediar relações e conflitos humanos, impõe para quem a exerce um elevado grau de criatividade. Criatividade esta que se torna tanto mais necessária quanto mais crescem as intrincadas demandas de uma sociedade cada vez mais complexa, em um mundo cada vez mais globalizado.

A interdependência de fatores cuja previsibilidade se demonstra cada vez menor traz a nós políticos a instigante e sempre difícil tarefa de muitas vezes conciliar o inconciliável.

Comprometidos com expectativas tão diversas dos eleitores que nos conferem o mandato, vemo-nos, em meio à impermanência das idéias e à dinâmica dos fatos, compelidos a constantemente driblar o inesperado e a apostar no planejamento, em um jogo ininterrupto de cartadas decisivas.

Nesse jogo, o principal desafio consiste em conjugarmos os legados do ontem com as pressões do hoje, consideradas as necessidades e esperanças do amanhã.

O cenário político que hoje se evidencia na maioria das nações, quadro nitidamente expresso pelas recentes manifestações eleitorais observadas pelo mundo afora, não nos deixa dúvidas quanto àquilo que vem a ser a maior preocupação do homem político contemporâneo.

O dilema reside em como equacionar prioridades entre o socialmente ideal e o economicamente viável.

Em outras palavras, a grande dificuldade hoje enfrentada pela maior parte dos paises do Planeta está na busca do equilíbrio entre as garantias do regime democrático e os pressupostos da economia de mercado.

Pilares da liberdade e sustentáculos do estado moderno, como compatibilizar as leis de proteção social com as leis naturais da livre concorrência?

Como precaver o conflito representado pelo eventual antagonismo reprodução do capital versus reprodução social?

            Por meio das reiteradas lições históricas e mediante a observação dos países a nossa volta, bem conhecemos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os grandes riscos acarretados pela inadvertida intervenção do Estado na economia. Estamos conscientes de que não podemos revogar a lei da procura e da oferta.

Neste ambiente de idéias, trago à reflexão da Casa um problema de proporções inquietantes; um problema cujas características poderíamos comparar às de uma verdadeira bomba-relógio. Esse problema, meus caros Pares, é o desenfreado déficit da Previdência Social em nosso País.

O enunciado é simples: atualmente, os trabalhadores que contribuem para o INSS somam vinte e seis milhões e setecentos mil, enquanto o número dos que não contribuem chega a mais de quarenta milhões. E essa última cifra cresce assustadoramente todos os dias.

A questão que se coloca é a seguinte: visto que a legião dos não pagantes vai fatalmente envelhecer, e que mais cedo ou mais tarde certamente vai reivindicar o benefício, como arcaremos com o custo fiscal de tamanha demanda, sem detonar os cofres públicos e sem causar uma tremenda convulsão social?

Sem alarmismos sensacionalistas nem previsões apocalípticas, desejo na tarde de hoje compartilhar com V. Exªs a análise de alguns indicadores assim como alguns comentários sobre o âmbito conjuntural e o raio de alcance dessa bomba que precisamos desmontar o mais rápido quanto pudermos. 

A revista Veja publicou no mês passado que “o sistema arrecada 55 bilhões por ano de impostos da população, mas gasta o dobro com o pagamento das aposentadorias públicas e privadas”. O mesmo veículo informou também que “atualmente, quase seis milhões de pessoas pagam plano de previdência privada” e que este total de associados é quase três vezes maior que há dez anos.

Do ponto de vista das distorções na distribuição desses recursos já escassos, um interessante estudo desenvolvido pelo Professor José Márcio Camargo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, divulgado em fevereiro último, analisa a natureza das despesas sociais no Brasil. De acordo com suas conclusões, a previdência social constitui o exemplo mais grave. Segundo o professor, apenas 7% do dinheiro gasto com o sistema de pagamento de aposentadorias ficam com os 20% mais pobres, sendo que os 20% mais ricos recebem quase um terço do total.

Aliás, ao perquirir a questão em um contexto mais amplo, é imperioso que a entoquemos sob o prisma da variável de maior peso, ou seja, que reconheçamos a insuficiência das ações empreendidas pelos sucessivos governos, ao longo das últimas décadas, para minorar o impacto da má repartição de nosso PIB per capita.

            Visto que os gastos sociais do governo foram, durante muitos anos, financiados em grande parte pelo endividamento externo e pela administração do processo inflacionário, os ajustes hoje necessários tornam-se indubitavelmente mais custosos. 

Assim, a absoluta discrepância entre a distribuição de renda e os demais índices de desenvolvimento social significa um importante complicador na resolução do problema previdenciário.

Por outro lado, é inegável a flagrante melhoria dos principais coeficientes sociais nos últimos anos. De acordo com o Anuário Estatístico e a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, entre 1950 e 1999, o nível da esperança de vida subiu de 45,9% para 68,4%; a taxa de mortalidade infantil decresceu de 144.73 para 34.6 óbitos por mil nascidos vivos.

Levantamentos da OIT divulgados ontem, segunda-feira, pelo Jornal do Brasil, dão conta de que o número de crianças trabalhando no Brasil caiu 23%, de 8.4 milhões em 1992 para 6.6 milhões em 1999, apesar de 870 mil menores entre cinco e 17 anos lamentavelmente ainda continuarem em atividades perigosas ou insalubres, conforme a classifica aquela organização.

Segundo dados elaborados pelo IPEA, de 1981 a 1999, a taxa de analfabetismo entre os maiores de 15 anos baixou quase pela metade, de 22.8% para 13.3%; a porcentagem da população entre sete e 14 anos que freqüenta a escola aumentou de 77,5% para 95,7%.

Estou certo de que as novas estatísticas do IBGE, recentemente divulgadas, tem corroborado tais avanços. Contudo, a má distribuição de renda, fruto da notória desigualdade social que ainda persiste entre nós, é causa determinante para a paradoxal situação de estarmos inseridos entre as maiores economias do mundo e, ao mesmo tempo, termos mais de um terço de nossa população total imersa na pobreza.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é difícil admitir que, nos termos do Relatório 1999/2000 do Banco Mundial, o grau de pobreza no Brasil se equipare ao de países com renda per capita tão baixa como a Etiópia e a Mauritânia.

É exatamente em função desse conflito distributivo, traduzido em elevados níveis de absurda disparidade (cujas raízes históricas remontam ao período dos escravos e cujas marcas se observam em todos os ciclos econômicos no curso de nossa colonização) que ao longo da última década os 1% mais ricos da população se apropriam de maior parcela da renda que os 40% mais pobres, conforme dados levantados no período pela Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios.

A conseqüência do desequilíbrio ressalta ante a relação indissolúvel entre a erradicação da pobreza e o redimensionamento da renda per capita, configurando-se este último como condição indispensável à formulação de uma reforma previdenciária com chances de êxito.

Enquanto os 10% mais ricos continuarem a se apropriar de quase metade da renda nacional, ficando a outra metade para os 90% restantes, será muito remota a hipótese de se salvar a previdência em médio prazo, sem onerar a produção, sem comprometer as exportações, sem descompassos fiscais e sem provocar sérios abalos no mercado como um todo.

No meio de tudo isso, cabe ressaltar que “sem as transferências do sistema previdenciário, o nível de pobreza no Brasil aumentaria de 34% para 45.3% em 1999. Com isso, 18.1 milhões de pessoas teriam sido incluídas abaixo da Linha de Pobreza”, conforme explicita a publicação oficial do Ministério da Previdência, datada de junho de 2001, em cujo texto introdutório se afirma que não fossem as referidas transferências “seriam 72.6 milhões de brasileiros em condições de miséria”.

Segundo exposição feita pelo governo brasileiro há pouco menos de um ano, por meio do então Ministro Roberto Brant, em seminário promovido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington, “a eliminação da pobreza exigiria transferência direta 27,9 bilhões de reais por ano, o que equivale a 5% da renda das famílias, ou 21,4% do gasto social do Governo Federal”.

Diante da ordem de tais cifras, inúmeros e meritórios esforços vêm sendo realizados por parte das instâncias governamentais e da sociedade civil, no sentido de que novas alternativas sejam discutidas e medidas concretas sejam imediatamente adotadas.

Saliente-se neste aspecto a importância da Carta de Intenções que o governo brasileiro assinou no mês passado, no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, por meio do Ministro Celso Lafer, com vistas à criação e instalação em nosso país do primeiro Centro Internacional para a Política da Pobreza.

Os ajustes da política previdenciária, contudo, não se viabilizam tão-somente pela elevação da renda per capita.

            Entre as demais variáveis que devemos considerar, destaca-se a reversão da pirâmide demográfica à qual me referi quando dos comentários que fiz desta tribuna, em meu último pronunciamento, a respeito de nossa juventude. Dizia eu de um perfil inédito em nossa demografia: passamos de uma ampla base de crianças e jovens para um novo quadro em que de a redução da natalidade e o aumento da expectativa de vida resultam em gente trabalhando por mais tempo.

Uma coisa é certa: a previdência é uma modalidade de seguro e está sujeita, portanto, à atividade econômica. Tudo aí depende dos resultados atuariais. Sem base de arrecadação, impossível assumir e sustentar o pagamento de benefícios.

O mais grave é que a relação de emprego vem caindo drasticamente. Enquanto o mercado informal cresce incontrolável, metade de nossa força de trabalho encontra-se à margem da proteção previdenciária.

Estudos desenvolvidos pelo MPAS indicam que a “população que busca trabalho crescerá à média de 1.9% ao ano nos próximos 10 anos”. Os mesmos estudos revelam que entre 1989 e 2000 “a proporção de trabalhadores com carteira assinada no total da população economicamente ocupada caiu mais de 10%”.

Em um trabalho divulgado pelo Professor José Pastore, da Universidade de São Paulo, há cerca de um ano, havia no Brasil aproximadamente 40 milhões de trabalhadores sem carteira assinada. Desses 40 milhões, 18 milhões não contribuíam por não terem condições de contribuir. Os outros 22 milhões não recolhiam, ou porque trabalhavam por conta própria, ou porque exerciam atividades ilegais, ou ainda porque eram empregados domésticos sem vínculo, muitos dos quais em virtude de acordos voluntariamente firmados com seus respectivos patrões.

O fato é que os trabalhadores da chamada economia informal, que por não possuírem carteira assinada não têm qualquer tipo de garantia legal já são maioria no Brasil. Em 1989, 58,9% da população economicamente ocupada tinha carteira assinada e contribuía para o INSS. Em 2001, essa proporção já estava em 45%.

Enfim, como fazer para desarmar essa bomba que está para estourar em breve?

As propostas que tramitam em ambas as casas do Congresso, bem como aquelas resultantes da comissão especial criada na Câmara para discutir o fim da cumulatividade de tributos e que aprecia diversas alternativas, vão desde a redução dos encargos sociais com a retirada da contribuição patronal do INSS, do salário-educação e do Sistema S da folha de salários, aliada a uma elevação da Cofins e da CPMF, até a flexibilização da CLT, a cobrança do PIS sobre o valor agregado (e não sobre o faturamento), e passam inclusive pela criação de uma nova contribuição que substituiria os atuais 2,5% do salário-educação incidentes sobre a folha de salários.

O debate é árduo e acirrado. O caminho da solução é com certeza sinuoso. Para além dos meandros e das especificidades técnicas; para além dos cálculos tendenciosos, dos interesses corporativos, dos artifícios inconsistentes, das acomodações provisórias e, sobretudo, das conveniências eleitorais, uma justa saída precisa ser encontrada para deter a explosão iminente, pois, como toda bomba, se a tentativa do desmonte não for bem-sucedida, as chances de um novo ensaio serão vãs ou remotas, as conseqüências serão funestas e o resultado final catastrófico.

Pautados pela responsabilidade cívica e impulsionados pelo compromisso que temos para com as gerações futuras, estou seguro de que nós, representantes do povo no Congresso Nacional, haveremos de exercitar uma vez mais, como de hábito, a nossa criatividade para, na ausculta aos setores representativos do governo, da classe patronal e dos empregados, descobrirmos a melhor fórmula que propiciará a nova mecânica do financiamento de um modelo justo visando restaurar a dignidade e a confiança da população para com o sistema previdenciário oficial.

Para tanto, faremos a nossa parte, sob os princípios da transparência, da ética, da paciência, da determinação e da serenidade que felizmente se fazem cada vez mais acentuados nesta Casa.

Era o que tinha a dizer.

Obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2002 - Página 12415