Discurso durante a 89ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre a reportagem do jornal Correio Braziliense, a respeito da suposta interferência do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Nelson Jobim, contra a liminar que impedia a realização da Convenção Nacional do PMDB, por não constar a chapa de S.Exa. na cédula de votação para escolha do candidato do partido à presidência da República. Considerações sobre o registro de sua candidatura para disputar a presidência da República pelo PMDB.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA PARTIDARIA. ELEIÇÕES.:
  • Comentários sobre a reportagem do jornal Correio Braziliense, a respeito da suposta interferência do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Nelson Jobim, contra a liminar que impedia a realização da Convenção Nacional do PMDB, por não constar a chapa de S.Exa. na cédula de votação para escolha do candidato do partido à presidência da República. Considerações sobre o registro de sua candidatura para disputar a presidência da República pelo PMDB.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/2002 - Página 12151
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA PARTIDARIA. ELEIÇÕES.
Indexação
  • LEITURA, CARTA, DESTINAÇÃO, CHEFE, EDIÇÃO, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESCLARECIMENTOS, ANTERIORIDADE, DETERMINAÇÃO, SUSPENSÃO, BUSCA E APREENSÃO, MATERIAL, PROPAGANDA ELEITORAL, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO PARANA (PR), MOTIVO, AUSENCIA, OFICIAL DE JUSTIÇA, MANDADO JUDICIAL, ILEGALIDADE, OPERAÇÃO, IMPOSSIBILIDADE, ACUSAÇÃO, ORADOR, CRIME ELEITORAL.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), COMENTARIO, ATUAÇÃO, NELSON JOBIM, PRESIDENTE, TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), ORIENTAÇÃO, MICHEL TEMER, DEPUTADO FEDERAL, REVOGAÇÃO, LIMINAR, SUSPENSÃO, CONVENÇÃO NACIONAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB).
  • LEITURA, REGISTRO, ANAIS DO SENADO, DISCURSO, AUTORIA, ORADOR, CONVENÇÃO NACIONAL, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), CRITICA, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUMENTO, DESEMPREGO, POBREZA, VIOLENCIA, RISCOS, ECONOMIA NACIONAL, REPUDIO, TENTATIVA, ALTERAÇÃO, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT), PRIVATIZAÇÃO, AUSENCIA, INVESTIMENTO, AGRICULTURA, AMPLIAÇÃO, JUROS, FALTA, CRESCIMENTO ECONOMICO.
  • DEFESA, EXCLUSIVIDADE, CANDIDATURA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), PRESIDENCIA DA REPUBLICA, REPUDIO, APOIO, CANDIDATO, GOVERNO FEDERAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, coloquei meu nome à disposição do meu Partido, PMDB, na intenção de obter a legenda para disputar a Presidência da República.

É hoje público e notório que estou insatisfeito com uma decisão prolatada, na madrugada, pelo meu amigo Ministro Nelson Jobim. Com alguma ironia, deixei clara a minha insatisfação para as televisões nacionais e para os jornais. A partir desse momento, recebi várias correspondências eletrônicas, vários telefonemas e cartas, deixando transparecer a preocupação de amigos meus, em todo o País, com esse meu conflito com o Ministro do Supremo Tribunal Federal e Presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Por que essa preocupação? Porque, no dia 13 deste mês, o jornal O Globo publicou uma notícia que informava ao Brasil que eu estaria sendo objeto de uma denúncia, aceita pelo STF, pela prática de crime eleitoral. Eu já esclareci isso desta tribuna, mas O Globo não esclareceu a notícia que deu. Estou, para tranqüilizar os meus amigos de todo o Brasil, mandando ao Editor Chefe de O Globo a seguinte carta:

Sr. Editor Chefe,

Fui surpreendido por notícia do jornal O Globo, do dia 13, que o Supremo Tribunal Federal recebera denúncia contra mim por suposta prática de crime eleitoral.

Sobre o assunto, além da defesa por meus Advogados, tenho a esclarecer o seguinte:

A denúncia teve origem em fatos na campanha eleitoral para prefeito em 1992. [Eu era Governador de Estado.] Quando passava pelo centro da cidade, no local conhecido por Boca Maldita, tradicional centro das mobilizações políticas de Curitiba, vi a Guarda Municipal recolhendo propaganda do candidato peemedebista Maurício Fruet. Quis saber por quê. Disseram-me que a propaganda estava sendo apreendida porque não exibia a sigla partidária. Pedi, então, que me mostrassem o mandado judicial, determinando a apreensão e que me apontassem o oficial de justiça que acompanhava o ato. Os guardas municipais informaram-me que não tinham mandado e que o oficial de justiça tinha ido embora. Diante disso, argumentei que a apreensão estava sendo feita de forma ilegal. Mais ainda: apontei material do candidato Rafael Greca, patrocinado pelo então Prefeito Jaime Lerner, com a mesma irregularidade acusada na propaganda de Maurício Fruet. Os guardas municipais suspenderam a apreensão e militantes e apoiadores de Fruet, ato contínuo, retiraram do veículo da guarda municipal [uma Kombi de caçamba aberta] o material apreendido.

Resumindo: não havia ordem legal de busca e apreensão do material e nem representante da Justiça Eleitoral para executá-la. Além do que, ordens judiciais emanadas da Justiça Eleitoral devem ser cumpridas com o auxílio da Polícia Federal, como sempre ocorre, e não da Guarda Municipal, cuja atribuição constitucional é a proteção dos bens, serviços e instalações do Município.

Esses são os fatos. Pergunto: que crime cometi?

Referida denúncia foi oferecida ao Superior Tribunal de Justiça e teve seu julgamento suspenso devido ao acolhimento da preliminar, argüida na sessão, de incompetência do Superior Tribunal de Justiça, em razão da minha posse no Senado da República. Referida preliminar foi suscitada quando do voto do Ministro Relator Waldemar Zveiter, que, é bom lembrar, concluiu pela inexistência de crime e, conseqüentemente, pela rejeição da denúncia.

O Globo esqueceu de explicar esse fato e isso acaba arranhando a imagem pública deste Senador e preocupando os meus amigos em todo o Brasil.

Esclarecido esse fato, passo a relatar ao Plenário do Senado - e para registro da História Política Brasileira - o período anterior à convenção do PMDB de sábado, para onde levei o meu nome como candidato presidencial, e os acontecimentos da convenção. Dois dias antes da convenção - portanto, 48 horas antes -, houve uma reunião de parlamentares e presidentes de partido que não desejavam ver o PMDB apoiando o Governo Federal. Estávamos diante de um impasse. A vontade coletiva era de propor ao Diretório Nacional que o PMDB não lançasse candidato algum, liberando as seções estaduais para qualquer tipo de ligação que desejassem fazer. No entanto, o representante do Diretório de Minas Gerais, Alexandre Dupeyrat, levantou uma questão jurídica, formal e importante, afirmando que, uma vez que o PMDB, em convenção anterior, havia estabelecido que nós teríamos candidatura própria, a única medida que não poderia ser rejeitada pelo Diretório Nacional do Partido e que seria sustentada legalmente em qualquer tribunal seria, logicamente, a apresentação de uma candidatura própria. E por esse caminho seguimos.

Então, por sugestão do ex-Presidente da República José Sarney, o meu nome foi cogitado. Imediatamente, sugeri o nome do Senador Pedro Simon e do Senador Maguito Vilela, presente. O Senador Maguito Vilela declarou que estava empenhado, de forma intensa, na sua campanha ao governo de Goiás e me devolveu a sugestão, concordando com o ex-Presidente José Sarney. Disse S. Exª: “Requião, o seu nome é que tem de ser apresentado à Convenção.”O mesmo ocorreu com o Presidente do Diretório de São Paulo, Orestes Quércia, e nós, então, passamos a esperar - eu, o ex-Deputado Federal e ex-Presidente da República Paes de Andrade, do Ceará - o Senador Pedro Simon, que chegou logo depois para o almoço. O Presidente do Diretório de São Paulo expôs o problema e a solução encaminhada, deixando claro que havia uma unanimidade para que o seu nome fosse o registrado na convenção. O Senador Pedro Simon disse que achava que já havia se desgastado muito nessa discussão de candidatura própria, de discussão da vice-Presidência do candidato José Serra e que, na sua opinião, o nome que deveria ser apresentado era o meu. Eu aceitei.

Havia no grupo a unanimidade. Um balanço dos votos possíveis nos indicava que teríamos 364 votos. Numa convenção de pouco mais de 690 votos, 394 votos garantidos nos assegurava a maioria. Então, na companhia dos companheiros, vim ao Diretório Nacional do PMDB e registrei a minha candidatura. Na verdade, uma anticandidatura, porque eu sabia do peso da máquina governamental numa convenção. O que realmente acabou acontecendo foi que o registro da minha candidatura aumentou o preço da barganha em diversos Estados. E acabei participando da convenção com 218 votos contra um pouco mais de 460 votos dados à coligação.

Tenho orgulho em dizer que não fugi da responsabilidade de oferecer ao nosso Partido uma alternativa. Eu posso dizer hoje como Paulo, em Carta aos Coríntios: “Combati o bom combate; cumpri a minha missão e não perdi a minha fé.” Como Senador pelo Paraná, eu tinha, ao contestar a coligação que eu acreditava inadequada e inaceitável para um partido de raízes e extração populares, que apresentar uma alternativa. Não fui candidato, fui um anticandidato e cumpri mais uma vez a minha obrigação: marquei uma posição e defini uma vertente do PMDB, que pôde se expressar na votação. Na urna do Sul e do Sudeste, ultrapassamos 40% dos convencionais, com menos sucesso na outra urna, que comportava a participação de outros Estados.

Não pedi voto a nenhum companheiro. Não era uma proposta individual. Era uma alternativa doutrinária e programática. Nada tinha a oferecer, a não ser a perspectiva de uma chapa isolada do PMDB com uma proposta de mudança das políticas econômica e administrativa do nosso País.

Entramos, depois que o Diretório Nacional do PMDB recusou-se a apresentar a minha candidatura, com uma medida junto ao Tribunal Superior Eleitoral. O Ministro Figueiredo nos concedeu uma liminar aproximadamente à meia-noite, liminar que foi cassada às três ou quatro horas da manhã pelo Presidente do TSE, o meu amigo Nelson Jobim.

Como isso aconteceu? Por que aconteceu? O que existe atrás dos bastidores dessa decisão? Fiquei estarrecido com uma notícia do Correio Braziliense, de 16 de junho de 2002, o dia seguinte da Convenção. Lerei essa notícia para os telespectadores da TV Senado e para os Senadores presentes no plenário. O título dessa matéria é: Jobim ensinou como fazer. Vamos a ela.

O Líder do PMDB na Câmara, Geddel Vieira Lima (BA), achou que era gozação do Deputado Renato Vianna (SC), Secretário-Geral do Partido. Ele tinha deixado o celular ligado ao lado da sua mesa de cabeceira, para qualquer eventualidade. Por volta de meia-noite e meia, o telefone tocou. ‘Geddel, deram uma liminar a favor do Senador Roberto Requião. A convenção está adiada’, disse Renato Vianna. Geddel riu, virou para o lado e dormiu de novo. Quando percebeu que a história era verdade, após um segundo telefonema, outros integrantes da cúpula do partido já agiam para reverter a liminar que havia sido concedida. Com eles, trabalhava um coração peemedebista: o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Nelson Jobim. A liminar em favor de Requião havia sido concedida pelo Ministro Sálvio de Figueiredo. Requião reclamava que a chapa própria do PMDB tendo ele como candidato à Presidência e a Secretária do Partido em São Paulo, Alda Marco Antônio, como vice, não constava da cédula de votação da convenção. Os governistas acreditavam que, no máximo, o TSE tomaria uma decisão obrigando a inclusão da chapa na cédula. Quando Sálvio suspendeu a convenção foi um susto.

E continua o Correio Braziliense:

O ex-Ministro dos Transportes, Elizeu Padilha, e os advogados do PMDB correram para a casa do Presidente do Partido, Deputado Michel Temer (SP) e começaram a trabalhar em um recurso. Por volta das três horas da manhã, Temer telefonou para Jobim, e o Presidente do TSE começou a ensinar como fazer para derrubar a liminar. “Não façam um recurso”, explicou Jobim, ‘porque vai para o mesmo Ministro, aí ele pode negar, e já viu. Entrem com agravo regimental e um mandado de segurança contra liminar, porque aí vem direto para mim’, continuou, segundo relato de peemedebistas. Jobim orientou Temer a entregar os documentos na casa de um dos seus assessores do TSE, no Lago Sul. Esse assessor faria então uma minuta de despacho par que Jobim assinasse em seguida. Às 5 horas, os peemedebistas chegaram à casa do assessor. Menos de uma hora depois, o despacho estava pronto. O Ministro Nelson Jobim garantia, assim, a convenção do partido, pelo qual foi Deputado e Ministro da Justiça.

A ser séria e verdadeira essa reportagem do Correio Braziliense, estamos diante de um caso muito mais grave do que o caso da violação do painel do Senado, que levou à renúncia do mandato de alguns Senadores e à cassação de outros. É extremamente grave.

Comentava, instantes atrás, com o meu amigo Paulo Cruz, o fato de eu ter um processo inócuo, bobo, tramitando no Supremo Tribunal Federal por um crime eleitoral inexistente. Alguns amigos me aconselhavam a não mexer nesse vespeiro, mas o Paulo Cruz me dizia: “Requião, esse não é um problema só seu, mas é também um problema da democracia brasileira. Você tem a obrigação ética, moral e cívica de levar essa questão para o plenário do Senado. Que os outros Senadores não se incomodem com isso, que nenhuma providência seja tomada pelos Partidos, é outra coisa; mas você tem essa obrigação.”

O mesmo movimento de consciência, a mesma postura ética que me levou a disputar a Convenção do PMDB me faz abordar essa questão, esse tema, neste plenário: “Combati o bom combate, cumpri minha missão e preservei a minha fé”. E não será neste momento que passarei a exercer o silêncio dos escravos, dos submissos e dos covardes.

É evidente a parcialidade da Justiça nessa questão. No dia da Convenção, tentamos protocolar uma petição no Tribunal Superior Eleitoral, mas o protocolo estava fechado no momento em que o PSDB e o PMDB faziam suas Convenções nacionais. Dois dos maiores Partidos do Brasil não poderiam ter acolhida nenhuma petição na Justiça Eleitoral, porque o protocolo estava fechado e os funcionários que estavam no TSE declararam aos nossos advogados que não tinham poder ou autorização para registrar petições. Além disso, não encontramos nenhum Ministro daquele Tribunal em Brasília. Não conseguimos encontrar nem o Ministro Sálvio de Figueiredo, que havia saído para almoçar com a família e, posteriormente - segundo informações -, dirigido-se a uma fazenda, que não conhecíamos. Portanto, não pudemos sequer recorrer a S. Exª.

A idéia era recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral e, dependendo do pronunciamento, apelar ao Supremo Tribunal Federal. Nossos advogados conseguiram que o STF funcionasse à noite para receber uma petição, nos prazos legais, por determinação de seu Presidente, um Juiz valoroso e independente. A situação é essa e o caso eu conto como o caso foi.

Sr. Presidente, não é apenas esse fato que me traz à tribuna. Conforme a tradição do nosso Plenário e em virtude da importância do tema, solicito tolerância à Mesa se eu ultrapassar dois ou três minutos do tempo que me foi concedido.

Registro, de viva voz, para os telespectadores da TV Senado no Brasil e para que conste dos Anais da Casa o discurso que pronunciei na Convenção do PMDB e a forma pela qual me dirigi aos meus companheiros de Partido.

            Iniciei a minha intervenção assim:

Eis de novo o velho MDB de guerra no olho do furacão.

Chegou a hora de decidir.

Venho aqui oferecer uma opção, um caminho. Proponho a unidade do Partido em favor do Brasil. Uma aliança com os brasileiros.

Não é uma escolha difícil. Basta que cada um olhe para dentro de si mesmo, consulte seus sentimentos, reviva a história do PMDB, honre a memória dos que lutaram e tombaram na gloriosa jornada da resistência democrática. Basta abrir os olhos para a realidade do País, ler as manchetes dos jornais, ver e ouvir o que se diz na televisão e no rádio.

Basta, enfim, um mínimo de sensibilidade para sentir e saber que estamos caminhando no fio da navalha, oscilando entre a possibilidade de um país justo, fraterno, igual, próspero e feliz e o pesadelo argentino.

Não é uma escolha difícil. É a escolha entre o caminho e o desvio. Sem meio-termo. Sem tibieza, sem mornidão.

Que eu saiba, não estão reunidos aqui porta-vozes da especulação financeira internacional. Que eu saiba, não estão aqui representantes dos George Soros, dos ‘bancos de investimento’, eufemismo para nominar essas instituições que se aproveitam de nossas dificuldades para aumentar ou diminuir o chamado ‘risco-país’, empilhando com isso fortunas indecentes.

Estão aqui mulheres e homens dignos, preocupados mais com a progenitura do que com um fugaz, insosso e ralo prato de lentilhas. Não viemos aqui fazer uma troca. Estamos aqui para protagonizar acontecimentos e não para desempenhar um ridículo papel coadjuvante.

É possível entender que um partido com 90 deputados federais, 22 senadores, quatro governadores, centenas de deputados estaduais, quase um milhar de prefeitos e milhares de vereadores, organizado em todo o país, é possível entender que um Partido assim, com a história que temos e que, em todas as pesquisas, é apontado com um dos partidos da preferência dos brasileiros, é possível entender que um partido assim renuncie liderar, comandar e aceite ser conduzido?

Que respondam os paulistas, cuja bandeira tem a altaneira, orgulhosa consigna Duco non Ducor. Que respondam os alagoanos, que gravaram em seu pavilhão o “Nego” da resistência, da coragem. Que respondam os mineiros, com o verso de Virgílio e a ousadia de Tiradentes.

Que responda cada brasileiro aqui presente: é isso que queremos? O que queremos é ser mero apêndice de uma candidatura cujo programa é a contramão, o justo oposto dos interesses nacionais e populares?

Que alguns peemedebistas sejam entusiastas do modelo neoliberal, que está empobrecendo o Brasil, tudo bem! Que alguns apóiem o dependentismo “fernandohenriquista”, tudo bem! Que alguns não ouçam os claros sinais de alarme, alertando o perigo próximo, tudo bem!

Mas querer levar o nosso partido, o maior partido brasileiro, para abraçar-se ao modelo que se afoga, não vamos permitir, não podemos permitir!

Venho aqui com um apelo à unidade, à reunião de todos os peemedebistas em torno da decisão da candidatura própria. Mas venho também aqui propor uma ruptura, uma profunda, clara e definitiva cisão com o Governo Federal, com o modelo que ele impôs ao País, com o candidato e com o Partido que pretendem dar continuidade à destruição do Brasil.

Vocês querem uma ofensa maior que essa que os especuladores estão fazendo contra nós neste exato momento? Vocês acham que devemos permanecer calados diante deste assalto indecente contra o nosso País?

Vamos continuar nos comportando com a mesma docilidade da mídia, com a mesma subserviência do Governo, com a mesma omissão dos partidos, quando os especuladores aumentam o chamado “risco-Brasil”, fazem disparar o dólar, aviltam nossos papéis, pressionam os juros só porque a oposição pode ganhar o governo e romper com a canga que nos humilha?

Ruptura sim. Ruptura com a especulação, ruptura com o modelo cuja âncora, cujo fundamento, cujo sucesso, apóia-se no desemprego, nos cinqüenta milhões de brasileiros jogados abaixo da linha da miséria, nos juros lunáticos, no escândalo das privatizações, na concentração cruel, impiedosa das rendas, na quebra do aparelho produtivo nacional, no aviltamento dos salários, no empobrecimento das classes médias.

Esses os fundamentos da economia brasileira. Essa a âncora em que se apóia a política “fernandohenriquista”. E são esses fundamentos que a especulação financeira internacional não quer que sejam abalados.

Ruptura sim. Ruptura porque não temos medo de construir um País forte, soberano, justo, fraterno, próspero e feliz. Não acredito que neste plenário haja um só peemedebista que tenha medo de enfrentar aqueles que querem fazer do Brasil, mais uma vez, simples pasto para satisfação de suas ambições desmedidas.

Não é brasileiro quem se acovarda diante dos especuladores e se apavora em face da possibilidade de o País quebrar, porque o País não aceita ser mero joguete do cassino internacional. É uma falácia, é mais uma das tantas patranhas que nos tentam pespegar dizer que não existe saída, que não existe outro caminho a não ser a trilha da dependência, da subserviência, da submissão.

É a ruptura que proponho!

Ou alguém aqui concorda que a política que levou mais de 50 milhões de brasileiros à miséria, à fronteira do desespero, à humilhação e à dor da exclusão deva continuar?

Ninguém aqui concorda com a política de juros que fez com que a dívida pública externa saltasse, em oito anos, de R$60 bilhões para perto de R$700 bilhões.

O PMDB não pode continuar dando sustentação por mais tempo a um Governo responsável pela menor taxa de desenvolvimento econômico média anual desde o quadriênio de Prudente de Morais, há mais de um século. E que, talvez exatamente por isso, governa em um tempo em que os índices de violência urbana e rural atingiram os números máximos, também em cem anos.

Nunca, em toda a história brasileira, o desemprego atingiu os índices dos últimos oito anos. Em São Paulo, já são mais de 20% de desempregados. Em Salvador, na Bahia, chegam a 27%. Falo dos desempregados que as estatísticas alcançam, já que os próprios pesquisadores colocam em dúvida os índices.

Talvez por isso os salários dos trabalhadores brasileiros nunca chegaram a cair tanto quanto hoje, um achatamento superior a 20%, ao mesmo tempo em que os ganhos da classe média foram dramaticamente reduzidos.

E ainda há quem fale - e o Governo defende - em flexibilizar as leis trabalhistas. A verdade é que neste País injusto e pobre faltam e não sobram direitos para os trabalhadores. Estão aí as pesquisas indicando que 53% dos trabalhadores brasileiros não recebem 13º salário e que 54% não têm férias remuneradas.

É o País dos direitos de papel, onde a maioria dos trabalhadores ainda vive na pré-história da CLT. Flexibilizar o quê? Reinstituir a escravatura? Reconstruir as senzalas? Reerguer os pelourinhos?

Meus Deus, será que precisamos de um novo Castro Alves para chorar e denunciar as dores dessa nova escravatura?

Quando eles abriram tudo, quando escancararam tudo, quando repetiram Dom João e franquearam nossos portos e fronteiras a quem quer que fosse, disseram que essa generosa oferenda seria correspondida com uma chuva sem precedentes de capitais, que aqui aportariam e fariam do Brasil um paraíso produtivo, de fazer inveja ao mais ousado tigre asiático.

Quando eles venderam quase tudo a preço de brechó disseram que os serviços públicos, até então estatais, teriam uma melhoria nunca vista e as tarifas seriam drasticamente reduzidas. Foi isso que aconteceu?

A desnacionalização da nossa economia atingiu na era FHC números recordes. Em vez de investir em novos empreendimentos, o capital internacional apossou-se do nosso aparelho produtivo, de seu naco mais apetitoso e rentável. Já nos primeiros anos de FHC, perto de 80% dos capitais envolvidos em fusões e aquisições no Brasil tinham origem estrangeira.

O que aconteceu no setor de autopeças é exemplar. A queda radical das tarifas, os juros altos e a falta de incentivos governamentais levaram à quase extinção da indústria de autopeças brasileira. Até mesmo as jóias da coroa desse setor, como a Metal Leve, a Cofap, e a Freios Varga, avançadíssimas e em pleno caminho da internacionalização, foram abatidas em pleno vôo, não resistiram à abertura alucinada dos nossos deslumbrados globalizantes.

Os incentivos concedidos às montadoras multinacionais é outro patético capítulo do alumbramento de governadores provincianos e ministros idiotizados pelas teses do neoliberalismo. Paspalhos, tinham, e têm, o mesmo comportamento dos caipiras que se deixam seduzir pelo brilho enganador da grande cidade.

Não podemos esquecer também que a participação brasileira no comércio mundial caiu de 1,2% a 0,8%. Um desempenho pífio e medíocre, que dá a medida exata do que significou a abertura brasileira aos tão celebrados investimentos internacionais.

E quanto ao setor primário?

Nunca o campo viu-se tão abandonado e desprezado quanto nos anos de Fernando Henrique. Sob o pretexto de manter a inflação subjugada, liberaram-se as importações e passamos a comer feijão do Vietnã, a fazer pão com trigo argentino e roupas com algodão indiano.

Em contrapartida, vimos o Governo brasileiro imobilizado, paralisado diante do aumento das barreiras aos nossos produtos, erguidas nos Estados Unidos e Europa.

Em termos globais, no primeiro período do reinado tucano, as compras brasileiras, nos Estados Unidos, cresceram 222%, enquanto nossas exportações aumentaram apenas 22%, por uma razão muito simples: enquanto escancaramos as nossas portas, os americanos dificultam, com barreiras tarifárias ou não tarifárias, as nossas exportações, especialmente as agropecuárias.

E ainda há quem nos venha falar na Alca.

Sr. Presidente, Senador Lauro Campos, dizia eu aos convencionais do PMDB:

Ah, sim, os bancos. Nunca na história do Brasil, nesse último século, os bancos lucraram tanto, engordaram tanto, compraram tanto, absorveram tanto e arremataram tanto quanto sob o tucanato.

Acredito que sejam ociosas todas aquelas citações sobre a saúde da economia de um país, sobre a saúde financeira de seu povo, quando os bancos desse país lucram além dos limites admissíveis.

Nenhuma citação sobre a saúde financeira do nosso povo é possível de ser feita diante do lucro absurdo e da miséria total dos brasileiros.

Dirigia-me ainda aos convencionais do PMDB:

Alguém aqui neste auditório, em sã consciência, de coração aberto, com orgulho e fervor, pode levantar e proclamar com o peito estufado de emoção: “Eu ajudei a fazer tudo isso”?

Não. Nenhum peemedebista vai reivindicar co-autoria da obra de destruição tucana. Ora, se é assim, se ninguém assina embaixo dos descaminhos do Governo FHC, se ninguém acha uma glória ter contribuído para que o nosso produto industrial, só para citar um exemplo - um terrível e radical exemplo, Senador Pedro Simon, foi o que levei à convenção do nosso Partido -, que chegou a representar perto de 45% do PIB, na década passada, não ultrapasse hoje 23%, se ninguém acha isso uma grande contribuição ao desenvolvimento brasileiro, que estamos fazendo, dando sustentação a esse Governo e pretendendo apoiar o seu candidato?

            Dirigia-me, ainda, à convenção do PMDB, e dizia:

Companheiras e companheiros, o que estamos fazendo, dando sustentação a esse Governo e pretendendo apoiar o candidato que se proclama o continuador desta obra?

Se todos concordamos que a orientação econômica deste Governo é, para dizer o mínimo, censurável, por que, então, apoiar o candidato situacionista?

A nossa vida, o sopro que nos anima, não deve vir do Governo, do Palácio Alvorada, da Esplanada dos Ministérios, dos cargos e privilégios do Poder. Quem nos faz existir é o voto e o entusiasmo daqueles que ainda acreditam que o PMDB possa ser o Partido da mudança, das transformações tão desejadas e por tanto tempo adiadas.

Mas a paciência dos brasileiros tem limite. Se o PMDB continuar frustrando tão continuadamente a esperança daqueles que ainda nos vêem como o Partido que pode fazer o Brasil um país justo, solidário, fraterno, igual e feliz, os brasileiros nos virarão as costas. E, neste dia, o PMDB terá o destino de uma Arena qualquer.

É o que proponho. É o que deve representar uma candidatura própria do PMDB à Presidência da República. É a vez de o PMDB comandar o Brasil, e não, mais uma vez, ser mero ajudante de obras.

Companheiros, é possível construir um país forte, próspero, justo. Temos todas as condições dadas para isso. Temos terra, temos água, temos riqueza, temos natureza, temos tecnologia, temos inteligência e, sobretudo, um povo admirável, trabalhador, generoso, ousado, empreendedor.

            E eu continuava, dizendo aos convencionais do PMDB, que me acenavam afirmativamente com a cabeça:

Nada nos falta, a não ser um governo que corresponda às qualidades do país e do seu povo.

Nada nos falta, nem mesmo um Partido, para comandar esse processo de mudança, porque esse Partido é o PMDB - eu afirmava.

            E a massa dos convencionais meneava a cabeça, concordando. E eu perguntava:

Vamos renunciar a esse papel? Vamos trair a ansiosa expectativa dos brasileiros?

            Eu era aplaudido enquanto falava, e os convencionais mais recatados meneavam afirmativamente a cabeça. E eu concluía:

A sorte está lançada. Que a consciência e o coração de cada um nos guie nessa hora de decisão. Que no futuro ninguém se lamente o voto que aqui deu.

Mas, então, eu me lembrei e expus com clareza ao Plenário do PMDB a idéia de um velho líder do Governo dos militares, à época da ditadura, sobre o comportamento do Congresso Nacional.

Esse líder, cujo nome não me ocorre neste momento, mas que existiu e é conhecido, afirmou certa feita que, no Congresso Nacional, um bom discurso, consistente, feito por alguém de credibilidade, pronunciado com racionalidade e inteligência, conquistava, com facilidade, o coração e as consciências do Plenário. Mas que isso não se traduzia em voto, porque este já havia sido negociado anteriormente. E apesar dos aplausos, apesar das cabeças meneando, a concordância: tive 218 votos e a coligação, 464 votos, se não me engano.

Tenho certeza de que convenci o PMDB, tenho certeza de que comovi os delegados, mas os caciques do Partido, aproveitando o lançamento, à última hora, da minha candidatura, já haviam negociado os seus interesses e comprometido os votos da convenção. E o PMDB vai, mais uma vez, a reboque da história e, a não ser que alguma coisa mude na nossa caminhada, vai no sentido da destruição, enquanto nosso País cada dia se parece mais com a Argentina.

Sr. Presidente, cumpri a minha missão: combati o bom combate e preservei a minha fé.


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