Discurso durante a 89ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexos da crise Argentina no Mercosul.

Autor
José Fogaça (PPS - CIDADANIA/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Reflexos da crise Argentina no Mercosul.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/2002 - Página 12170
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), NECESSIDADE, UNIFORMIDADE, POLITICA, TAXAS, JUROS, POLITICA CAMBIAL, MOEDA, INFLAÇÃO, DIVIDA INTERNA, DEFICIT, SETOR PUBLICO, GARANTIA, EFICACIA, PROCESSO, INTEGRAÇÃO, ECONOMIA, ESTADOS MEMBROS.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), INTEGRAÇÃO, ESTADOS MEMBROS, INDEPENDENCIA, AUTONOMIA, AMERICA DO SUL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JOSÉ FOGAÇA (Bloco/PPS - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as notícias que vêm da Argentina são cada vez mais preocupantes, e aparentemente têm sido quase que inúteis os ingentes esforços levados avante pelo Presidente Eduardo Duhalde no sentido de obter apoio das instituições internacionais, principalmente do Fundo Monetário Internacional.

Isso tem levado inúmeras pessoas, jornalistas, cidadãos, cidadãs, com quem nos encontramos nas ruas, nos aeroportos, nos supermercados, na fila dos bancos, enfim, nos vários lugares públicos que somos sempre levados a freqüentar, a nos perguntar pelo destino da Argentina. Obviamente, isso sempre remete a uma outra pergunta conseqüência, que é sobre o destino do Mercosul.

Há muitas coisas importantes na estruturação de um bloco regional, na estruturação de um sistema de integração de países. É preciso, é recomendável, é bom, é positivo que haja entre esses países uma intercomplementaridade econômica, ou seja, que um país produza aquilo que outro não produz ou que um país seja mais produtivo, mais competitivo em um setor, e o outro país tenha mais qualidade, mais competência, mais produtividade em outros setores. E essa intercomplementaridade ajuda, incrementa o processo de integração.

É bom, não essencial, que haja uma proximidade política entre esses países, uma língua comum, uma cultura e uma identidade cultural próximas pelo menos. É importante que esses países tenham sólidas instituições de comércio exterior e que saibam dar um adequado tratamento tributário aos produtos exportados e importados, ou seja, um adequado tratamento na política tributária para as mercadorias objeto de transação entre os países.

Nenhuma dessas instituições econômicas, entretanto, é absolutamente essencial. Essas instituições devem existir, é bom que existam, são positivas no sentido de ajudar a incrementar os processos de integração, no sentido de tornar mais perfeitos os processos de integração, mas, na verdade, o que é absolutamente essencial, imprescindível, são três elementos, três pilares que dão suporte e segurança efetiva, continuidade a um processo de integração.

Em primeiro lugar, a vontade política de realizar a integração, o desejo cultural e politicamente enraizado, em cada um dos povos que se integram, de que essa integração dê certo. Em segundo lugar, é preciso que esses povos tenham uma cultura democrática e que tenham também relações internas rigorosamente balizadas por um sistema constitucional civilizado e democrático.

O segundo pilar é a vida democrática interna e um relacionamento externo voltado para a resolubilidade democrática, ou seja, para a permanente, necessária e desejada luta pela democracia no plano externo.

O terceiro elemento, também imprescindível, é a existência de mínimos parâmetros, de mínimos padrões de harmonização macroeconômica. Os níveis e os índices econômicos desses países não podem ter disparidades muito violentas, não podem ter diferenças que impeçam que haja, entre eles, uma convivência adequada, um nível de transações comerciais intenso e crescente. De modo, Sr. Presidente, que essa é a questão do Mercosul.

O Mercosul tem, em primeiro lugar, a vontade política original dos povos que o integram: paraguaios, argentinos, uruguaios, brasileiros e, agora, chilenos e bolivianos, que desejam sinceramente transformar esse bloco regional num sólido, definitivo e irreversível processo de integração econômica.

A vontade política não é problema; ela se expressa nas posições dos partidos políticos, nas posições adotadas pelos candidatos à Presidência da República e nos segmentos organizados da sociedade. Portanto, não há nem no Paraguai nem na Argentina, muito menos no Brasil, nenhum segmento organizado, consistente, capaz de se manifestar contra o Mercosul ou de dar início a uma mobilização política contra o Mercosul. Isso é óbvio porque é visível, porque é palpável.

A segunda exigência, e essa também não merece reparos, a existência de estruturas democráticas internas, é aplicável a todos os países do Mercosul - ao Chile, à Bolívia, ao Brasil, ao próprio Paraguai, que preservou suas instituições democráticas apesar das ameaças sofridas, e felizmente à própria Argentina. A crise mais aguda, a experiência mais dolorosa que está sendo vivida por esse povo irmão e amigo que é o povo argentino não tem suscitado sequer a suspeita de que haja algum grupo desejoso de desestabilizar a democracia; o respeito às instituições democráticas, à tripartição dos Poderes, ao equilíbrio e interdependência dos Poderes; a sucessão tem se dado dentro das exigências e padrões estabelecidos pela Constituição.

De modo que a democracia, que é a segunda exigência fundamental, está preservada no seio do Mercosul, simplesmente porque ditaduras não se integram. Não há exemplos de países dominados por governos inteiramente autocráticos e ditatoriais que sejam capazes de se integrar. A simples existência de uma nódoa ditatorial em meio a países democráticos já é motivo para romper a estrutura soberana da integração. Portanto, esse é um outro óbice, Sr. Presidente, que não existe neste caso. Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Bolívia, todos estão inteiramente comprometidos com estruturas e instituições democráticas.

Mas, sem dúvida alguma, o mal que aflige e perturba os caminhos do Mercosul está localizado na terceira exigência, nesse terceiro pilar, imprescindível a um processo de integração, que é uma mínima harmonização macroeconômica. Há pessoas de opiniões variadas a esse respeito, mas, indiscutivelmente, há um certo consenso no sentido de entender que o Mercosul está, nesse momento, sofrendo, padecendo justamente da total ausência de harmonização macroeconômica. Porque um regime de salvaguardas como o que foi construído até aqui, dentro da zona aduaneira do Mercosul, é um regime complexo, rico em detalhes, que levou e exigiu um enorme tempo de tratativas, de subacordos, levou a uma série de convenções e convênios entre os diversos países. As ressalvas podem ser consideradas realmente uma engenharia microcósmica de grande dificuldade, extremamente complicada e complexa; mas ela existe, foi estabelecida e está aí funcionando, Sr. Presidente. Portanto, ela também não é causa impediente do sucesso do Mercosul. O que falta realmente são políticas comuns naquilo que diz respeito à macroeconomia: taxa de juros, política cambial, moeda, inflação, dívida pública interna, déficit público, médias de meta inflacionária. Infelizmente, nesse terreno há uma discrepância total e absoluta, há uma dissipação total da necessária harmonia, da busca da uniformidade necessária aos objetivos desejados.

É bom lembrar que a União Européia - que é um sucesso em termos de integração, em termos de formação de um bloco regional integrado - passou pelo seu momento crítico quando decidiu o Tratado de Maastricht, no início dos anos 1980. Ali, a Europa tomou um rumo, assumiu um caminho, pegou uma direção. Naquele momento, o Mercado Comum Europeu, em processo de construção, poderia entrar em débâcle ou se consolidar definitivamente. Mas a decisão ousada, séria, consistente, madura e sacrificial adotada pelos povos europeus constituiu a base da solidez do processo de integração.

O que estabelecia o Tratado de Maastricht? Estabelecia alguns padrões de harmonia macroeconômica como por exemplo: para um país integrar a União Européia, integrar a serpente monetária que culminaria na moeda comum não poderia ter mais do que 60% do seu PIB como valor da sua dívida pública interna. Ou seja, a dívida pública interna não poderia ultrapassar 60% do Produto Interno Bruto. Todos os países deveriam se ajustar a esses níveis e a esse padrão. É bom lembrar aqui que, a esse tempo, no início da década de 80, a Itália tinha uma dívida pública superior a 100% do seu Produto Interno Bruto. É bem verdade que os títulos da dívida pública interna da Itália tinham prazos longos e juros muito mais baixos do que os conhecidos pelos países da América do Sul. Mas isso não retira a importância do fato de que a Itália se submeteu, ao longo de duas décadas, a um duro e amargo processo de mudanças internas que a transformaram em um país inteiramente apto, inteiramente habilitado a conviver em um processo de integração maduro como o da União Européia, adotar o Euro e integrar-se plenamente, tal como tem acontecido. E repito aqui: não foi um partido de direita que impôs à Itália esse regime de maturidade econômica, de seriedade financeira. Foi o partido que resultou da evolução do Partido Comunista Italiano, o Partido de Massimo D’Alema e Romano Prodi, o Partito Democratico della Sinistra, que recebeu, após a crise da democracia cristã na Itália, a herança de dificuldades, de desajuste, e impôs a si mesmo como incumbência, como tarefa histórica, colocar a Itália como um País habilitado a integrar-se plenamente no Mercado Comum Europeu e participar do processo de formação da serpente monetária que levou à consolidação do euro, hoje uma realidade inegável no mundo.

Pois olhem: acho eu que essa tarefa, talvez, alguns dos candidatos à Presidência da República no Brasil que aí estão não possam deixar de encarar como responsabilidade futura, mas imediata, que irá agredi-los quase no primeiro dia da posse, em 2003: a necessidade de responder de forma cabal, irretorquível, peremptória e induvidosa se o Brasil deseja, ou não, continuar sendo um País soberanamente integrado no contexto do Mercosul. Porque se o Brasil assim o deseja, precisa saber que ele, o nosso País, e os outros que integram o Mercosul precisam trabalhar seriamente na direção dessa harmonização macroeconômica.

Um dos outros elementos fundamentais de Maastricht foi a definição de um déficit público não superior a 3% ao longo de uma década, pelo menos. O compromisso com limites extremamente razoáveis de déficit público era também exigência mínima essencial para o ingresso na serpente monetária. E, por fim, o estabelecimento de metas de inflação ou de padrões inflacionários, que não estivessem pelo menos 1,5 % acima da média de cinco outros países que integram o bloco regional.

É duro, é difícil, é preciso às vezes até abrir mão de um certo conceito relativo de soberania? Sim, talvez seja necessário, mas o euro está trazendo independência e autonomia monetária para a Europa. Doze países europeus perderam as suas moedas próprias. A França perdeu uma moeda de 900 anos, o franco, em troca do euro, que é a moeda de doze países europeus; mas abriu mão dessa relativa soberania porque quer ter soberania em relação a outros centros de poder mais poderosos. Hoje o euro se torna uma moeda com vida própria, independente em relação ao dólar. Há no mundo, sim, uma moeda capaz de confrontar o dólar e esta moeda é o euro, sem dúvida nenhuma.

Esse processo foi muito difícil, extremamente sacrificial e exigiu grandeza. Na França, com o Partido Socialista, e na Itália, com o ex-Partido Comunista, hoje denominado Partito della Sinistra, de Maximo Dalema, dentre outros, os partidos que fizeram as grandes mudanças estruturais internas em países líderes e tão importantes como França e Itália, para que isso se tornasse possível, Sr. Presidente.

O que posso dizer aqui, neste momento, é que talvez entre questões que são hoje gritantes, clamorosas e que aí estão ululando, no sentido de chamar a atenção dos candidatos à Presidência da República, sem dúvida que está esta: a de assumir compromisso para o futuro no sentido de lutar, comprometer e de assumir os riscos, mas de não abrir mão deste projeto de integração que nos torna solidários na América do Sul e nos faz um núcleo duro de autodeterminação, de independência e de autonomia na América do Sul. Capazes, sim, de num futuro próximo enfrentar a Alca, que virá, mas cujas regras serão tão piores ou tão melhores para o Brasil e para os Países da América do Sul, quanto mais ou quanto menos saibamos estruturar com seriedade um Mercosul sólido, vigoroso e duradouro, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/2002 - Página 12170