Discurso durante a 89ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas à inabilidade do governo brasileiro em tratar das desigualdades impostas pelos Estados Unidos nas relações comerciais com o Brasil.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Críticas à inabilidade do governo brasileiro em tratar das desigualdades impostas pelos Estados Unidos nas relações comerciais com o Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/2002 - Página 12237
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, ACEITAÇÃO, IMPOSIÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AUSENCIA, DEFESA, INTERESSE, ECONOMIA NACIONAL, PROVOCAÇÃO, DESNACIONALIZAÇÃO, REDUÇÃO, PARQUE INDUSTRIAL, DIFICULDADE, BALANÇA COMERCIAL, MANUTENÇÃO, DEFICIT, DEPENDENCIA, CAPITAL ESTRANGEIRO.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil não tem sabido distinguir as diferenças entre o discurso e a prática dos Estados Unidos, sobretudo quando o assunto é relações comerciais, situação em que, apesar do discurso moderno e apregoando incisivamente o livre comércio, os americanos são extremamente zelosos de seus interesses internos.

Desde o começo da década de 90 e até hoje, o Brasil tem feito papel de bobo em suas relações comerciais com as potências hegemônicas. Impregnado da onda de globalização, abriu, sem esperar nem negociar contrapartidas, seu mercado às mercadorias estrangeiras, que passaram a aqui entrar em profusão, causando a falência de muitos estabelecimentos nacionais ou a venda deles para o capital internacional. Nunca, até então, a economia brasileira se desnacionalizou em ritmo tão acelerado. Quando foi implantado o Plano Real, em meados de 1994, houve nova e mais profunda redução das tarifas de importação, em um contexto totalmente nefasto para a indústria de nosso País, quando a sobrevalorização de nossa moeda, a chamada âncora cambial, fazia a produção nacional perder competitividade. Uma das autoridades que presidiram esse processo de suicídio de nossa produção foi, aliás, o ex-Ministro da Fazenda do final do Governo Itamar, o atual candidato à presidente Ciro Gomes, que hoje se apresenta como alternativa de esquerda ao Governo de Fernando Henrique Cardoso.

Faz, assim, pouco mais de dez anos - com um pequeno intervalo referente ao Governo Itamar Franco antes de Fernando Henrique ter assumido o Ministério da Fazenda - que o Brasil se comporta como um bom aluno, diligente e aplicado nas aulas de livre comércio ministradas pelas potências hegemônicas, principalmente pelos Estados Unidos. O Brasil tem demonstrado com atos concretos, com a abertura comercial que impôs a sua economia, que também é defensor do livre comércio e, por isso, tem merecido o sorriso complacente e o tapinha nas costas da chamada comunidade internacional. Não espanta, portanto, que o Governo de nosso País tenha ficado com essa cara de marido traído, quando, recentemente, o Governo dos Estados Unidos anunciou novas e pesadas barreiras à importação do aço, o que causará enormes perdas a nossas siderúrgicas.

Os Estados Unidos, para proteger sua indústria siderúrgica ineficiente e obsoleta, impuseram sobretaxas que vão de 30 a 15% sobre produtos siderúrgicos importados. As sobretaxas - que, como o nome já diz, são taxas em cima de taxas de importação preexistentes - atingem aços planos, laminados e inoxidáveis; bobinas, barras de aço, fios-máquina, vergalhões, lingotes e blocos. Muitos desses produtos são itens importantes da pauta de exportação de manufaturados brasileiros. Essa taxação altíssima - lembro às Srªs e aos Srs. Senadores - está sendo implementada pelo maior defensor mundial do livre comércio, os Estados Unidos da América, e, ainda por cima, com o Partido Republicano no poder, que, como se sabe, é mais orientado para o livre comércio do que o Partido Democrata!

Também, há poucos dias, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma lei que prevê o desembolso de nada menos do que US$180 bilhões em benefício aos agricultores do País no decorrer de 10 anos.

Segundo a Confederação Nacional da Agricultura - CNA, esse novo subsídio que será concedido pelo governo americano trará prejuízos anuais de aproximadamente US$2,5 bilhões aos produtores brasileiros. É que entre os principais produtos que exportamos para os EUA estão: soja, café, suco de laranja, fumo, açúcar, entre outros.

Mas vejam, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a desigualdade nas relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos não se inicia nesses fatos mais recentes. Com base em dados do próprio Ministério das Relações Exteriores, conforme artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, de 17 de maio último, enquanto as tarifas de importação dos EUA para os vinte produtos mais exportados pelo Brasil em 2001 atingiu uma média de 39,1%, a relação inversa, ou seja, a tarifa de importação do Brasil para os vinte produtos mais exportados pelos EUA no mesmo ano de 2001 atingiu média de 12,9%. Há produtos brasileiros que são tributados em 350%, como é o caso do fumo. Para o suco de laranja, a tarifa atinge 61% e, para o açúcar refinado, 166%. A maior tarifa de importação registrada sobre produto norte-americano é de 35%.

Não vim aqui para criticar o Governo dos Estados Unidos. De certa forma, o Governo norte-americano está dando demonstração de que está atento para seus interesses nacionais. No caso da siderurgia, sua indústria está envelhecida, defasada tecnologicamente, não consegue competir em pé de igualdade com suas congêneres de outras partes do mundo, inclusive com a brasileira, e faz-se necessária alguma proteção, mesmo que transitória, enquanto essa indústria se ajusta e promove os investimentos necessários. É uma indústria importante para a economia de vários estados norte-americanos, que emprega talvez centenas de milhares de trabalhadores. Os Estados Unidos estão defendendo seus interesses nacionais. Para consumo externo, repetem, à exaustão, que são favoráveis ao livre comércio e que a abertura de mercado favorece a prosperidade de todos os países, uma vez que eles têm a economia mais forte do mundo, e o livre comércio, naturalmente, os beneficia mais do que a qualquer outro país. Quando algum setor ou alguma indústria de seu país não vai bem das pernas, então eles esquecem a retórica liberal e tornam-se protecionistas. Estão sendo espertos. Estão sendo malandros!

Vim aqui, sim, para criticar quem acredita no discurso sabido dos Estados Unidos, como é o caso desse menino bom, nosso Presidente Fernando Henrique Cardoso, e de seus auxiliares diretos, todos doutores em bom-mocismo e em bom comportamento, sob a ótica dos interesses dos outros, como o Ministro Pedro Malan. Vim aqui para criticar quem, ao contrário do Governo dos Estados Unidos, não faz da defesa dos interesses da economia nacional seu cavalo de batalha, permitindo a vergonhosa desnacionalização de nossa economia e o encolhimento de nosso parque industrial. Isso tudo, em troca de um bom lugar na mesa da cozinha adjacente à sala onde se realiza o banquete entre as potências hegemônicas!

E nós, brasileiros, que tínhamos presente a imagem da malandragem nacional, segundo a qual o brasileiro é esperto, desembaraçado, safo! Pelo jeito, os Estados Unidos estão nos dando verdadeira aula de malandragem.

E, assim, completamos mais de uma década com dificuldades na balança comercial, uma década de seguidos déficits, de dependência dos capitais estrangeiros para fechar o balanço de pagamentos, uma década de vulnerabilidade e de incerteza. Vendendo pouco aos outros e sofrendo todo tipo de barreiras, enquanto nos abrimos mais e mais às mercadorias estrangeiras. Bom para os outros; ruim para nós: mantendo enormes déficits no comércio bilateral com os Estados Unidos.

Era o que tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/2002 - Página 12237