Discurso durante a 95ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a política de segurança pública no Brasil, em particular, no Estado do Paraná. (como Líder)

Autor
Alvaro Dias (PDT - Partido Democrático Trabalhista/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Reflexão sobre a política de segurança pública no Brasil, em particular, no Estado do Paraná. (como Líder)
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 26/06/2002 - Página 13214
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, AUMENTO, VIOLENCIA, CRIME ORGANIZADO, NECESSIDADE, VONTADE, POLITICO, MELHORIA, SEGURANÇA PUBLICA, INTEGRAÇÃO, POLICIA, JUDICIARIO, APOIO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, UNIFICAÇÃO, POLICIA CIVIL, POLICIA MILITAR, AMPLIAÇÃO, COMBATE, CRIME.
  • COMENTARIO, DIAGNOSTICO, MOTIVO, INEFICACIA, SEGURANÇA PUBLICA, NECESSIDADE, ATUAÇÃO, MELHORIA, POLITICA SOCIAL, CRIAÇÃO, EMPREGO, COMBATE, IMPUNIDADE, AUMENTO, EFICIENCIA, POLICIA.
  • NECESSIDADE, REDUÇÃO, VIOLENCIA, ESTADO DO PARANA (PR), DEFESA, UNIÃO, ESTADOS, MUNICIPIOS, UNIÃO FEDERAL, COMBATE, CRIME.

O SR. ÁLVARO DIAS (PDT - PR. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o crescimento avassalador da criminalidade e da violência no País vai se tornando a cada passo verdadeira paranóia. O objetivo da nossa presença nesta tribuna hoje é fazer algumas reflexões sobre a política de segurança no Brasil e especificamente no Paraná.

A sensação que prevalece em todo os Estados é de insegurança e vulnerabilidade. Os temas da violência urbana assumem o topo da política nacional. Todos os estudos são unânimes em apontar que nos Estados brasileiros a situação da segurança pública é complexa e caótica. Complexa porque envolve vertente social (pobreza, ignorância, desigualdade na distribuição de renda, educação) e caótica porque o Estado é ineficiente e não consegue inibir a criminalidade por inúmeros fatores, como falta de estrutura básica, aparelhamento adequado, incapacidade da polícia para apurar os crimes, baixos salários, corrupção, ilegalidades, arbitrariedades, crime organizado, certeza da impunidade, facilidade de aquisição de armas e drogas, falta de integração de registros criminais entre os Estados e Detrans, desarmonia entre o Poder Judiciário, o Ministério Público e polícias, precariedade do sistema prisional, migração da população urbana e rural para os grandes centros entre outros inúmeros fatores.

Isso tudo causa violência e insegurança à sociedade. Onde o crime manda não há democracia, não há direito; há força, medo, intimidação. O Crime organizado corrói o alicerce do Estado, rompe o tecido social civilizado, instaura o darwinismo social. Onde há a lei do cão não há democracia.

Os dados organizados obrigam os dirigentes políticos a redefinir prioridade e procedimentos . Desenhar a nova arquitetura para a segurança pública requer vontade e estratégica.

Esse planejamento terá que levar em conta os acontecimentos desenhados pelo Ministério da Justiça sobre a estrutura e organização das instituições de segurança pública no Brasil, cujos rumos deverão ser adotados pelos Estados membros.

A preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio público e privado é missão específica das polícias atuais, que no Brasil estão elencados no art. 144 da Constituição Federal, que são: Polícia Federal e Estadual.

Na esfera federal, temos a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Ferroviária Federal. Na esfera estadual, a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros e a Guarda Municipal.

O sistema de segurança pública está afeto nos Estados às polícias civis e militares. Às primeiras cabe os atos de polícia judiciária e às segundas, o policiamento ostensivo e a manutenção da ordem pública, nos termos do art. 144 da Constituição Federal.

A atividade de polícia é civil, como civil são a sociedade e o Governo democraticamente constituído por ela. O Estado detém o poder de polícia, para disciplinar as atividades dos indivíduos em sociedade, cuja convivência deve ser harmônica. Os agentes públicos irão exercer esse poder em nome do Estado, para cumprir e fazer cumprir a lei nas questões atinentes ao policiamento e ao combate à criminalidade.

O Projeto de Emenda Constitucional que está em discussão no Congresso Nacional visa à fusão ou à unificação das atividades de polícia judiciária com as da polícia ostensiva, com escopo da manutenção da ordem pública, criando uma nova Polícia com características híbridas, estruturada para corresponder aos anseios da sociedade quanto ao atendimento e oferecer combate mais eficiente à criminalidade.

A violência e a insegurança não são problemas novos. A criminalidade sempre esteve presente em toda a história da humanidade. A diferença é que, na antiguidade, buscavam-se soluções para o banditismo, abusando do poder, apenando cruelmente, sem respeito aos direitos humanos, hoje considerados fundamentais. Tais garantias vieram com o pensamento iluminista da segunda metade do século XVIII, especialmente com o italiano Cesare di Beccaria.

Crimes contra o patrimônio, contra as pessoas, contra o Tesouro, contra a administração pública sempre existiram. Eles remontam à mais antiga coletividade. O que a nova sociedade vem presenciando é a criminalidade apoiada pelo desenvolvimento industrial e tecnológico. O banditismo utiliza técnicas mais recentes, sendo mais ágeis que a polícia. Nos últimos dez anos, o aumento da criminalidade subiu assustadoramente. A revista Veja a traz notícia dizendo que o surto de violência é patrocinado por jovens de vinte anos. E mais: as ações dos bandidos são ousadas.

E a polícia está preparada para combater o crime com técnicas novas e mais ágeis? O que pensa o Estado a respeito da justiça, da democracia, da política, da economia, da igualdade e da liberdade?

Como solucionar a insegurança numa sociedade desigual? E a Índia, que tem desigualdades maiores e índices de criminalidade menores? Somos um país injusto e muito ainda deve ser feito para que as diferenças sociais sejam reduzidas. Se não é possível dar igualdade plena aos indivíduos, como minimizar a insegurança deles?

Saímos de um regime militar, em que a vontade popular não era respeitada, para uma democracia que se consolida, em que a vontade da sociedade deve imperar. Percebe-se que a sociedade brasileira está mais responsável na administração da coisa pública, porém ainda há muito o que fazer, pois a corrupção, a impunidade, o aumento da criminalidade assustam a todos.

A decisão política firme de todos é imperiosa. É esse o papel dos dirigentes sociais (presidente, governadores, prefeitos). Enquanto as leis não avançam, é preciso haver mais policiais nas ruas, assegurar à sociedade que os bandidos permanecerão na cadeia até o último dia de sua sentença, melhorar a educação dos menores, evitando a delinqüência juvenil.

Os interesses de corporações a respeito da unificação e da integração das polícias não podem ser maiores que o interesse geral. Os bandidos não deixarão de atuar porque estão ouvindo discursos e palavras bonitas. É preciso agir contra a criminalidade.

A segurança pública é atribuição dos Estados, que têm o poder e o dever de assumir responsabilidades e não devem os governantes subtrair-se ao ônus. Este é o momento de assumir compromissos, de firmar alianças com os entes públicos federais, estaduais, municipais e com a sociedade civil.

Não é difícil o diagnóstico. Há a ruptura moral da Polícia, causada pela má remuneração, pelas interferências políticas, pela leniência hierárquica, pela quase terceirização (privatização) da atividade policial e pelo corporativismo nefasto; fragilidade dos agentes policiais diante das injunções políticas estaduais e municipais; impunidade que estimula a criminalidade; facilidade na aquisição de armas e drogas; inexistência de instrumentos de coordenação condizentes com a definição constitucional da segurança pública como responsabilidade de todos e a sociedade civil; precariedade dos mecanismos de premiação e incentivo à boa conduta policial; precariedade da assistência à saúde dos policiais, diante do risco profissional; precária estrutura das Polícias nos Estados e conseqüente incapacidade em apurar crimes; falta de equipamentos periciais, bem como equipamentos com tecnologia para a polícia ostensiva e administrativa; a inexistência de verbas para manutenção da atividade policial cria vínculos e interferências policiais e particulares; desarmonia e falta de cooperação entre policiais militares, civis federais, rodoviários, ferroviários, Detrans, Ministério Público e juízes; inexistência de integração entre os registros de dados criminais e os órgãos públicos; inexistência de mapeamento para controle de locais com maior índice de criminalidade; inexistência de carreira policial: não há perspectiva de promoção por antiguidade e mérito para os bons policiais; a inexistência de carreira policial possibilita desvios de funções; contratação de quadro de apoio administrativo; baixos salários que levam, até mesmo os bons policiais, à prática dos “bicos” para a complementação da renda familiar; insuficiência do controle externo para a apuração de corrupção e violência policial; ouvidoria independente, sem vínculo com as polícias; criação de guardas municipais sem articulação e uniformidade entre os Municípios; falta de tratamento e articulação das informações coletadas pela Polícia; inexistência de amparo à família de policiais que se tornam inválidos ou falecem em serviço; inexistência de programas sociais para crianças e adolescentes ocasionando aumento da criminalidade juvenil. Saulo Ramos diz: “enquanto nossa infância não for assistida, o País continuará acuado pela criminalidade”; poucos estabelecimentos para recolhimento e educação de menores infratores; alta reincidência criminal; ausência de estrutura do sistema prisional: falta de vagas para presos condenados; falta de presídios abertos que possibilitem a reintegração do condenado; inexistência de cadeias provisórias, destinadas aos presos não condenados, que ficam amontoados em distritos policiais; inexistência de presídios industriais e de formação profissional; inexistência de presídio de segurança máxima; ausência de políticas públicas para privilegiar atividades preventivas; integração das Estruturas Policiais; inexistência de escola de inteligência; inexistência de sítio para banco de dados da Secretaria de Segurança Pública do Paraná: controle dos atos da Administração Pública pela sociedade: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, transparência e eficiência; ausência de treinamento: é comum sair da Academia e nunca mais ser treinado, prejudicando as atividades policiais; inexistência de programas de reintegração e reinserção do delinqüente na sociedade, o que faz com que volte a delinqüir.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse diagnóstico é pessimista. Como ensina o filósofo italiano Antonio Gramsci, devemos e podemos ser pessimistas no diagnóstico, mas temos o dever de ser otimistas em relação às propostas e às soluções para um setor tão complexo e caótico como a segurança pública no Brasil.

A ratio essendi do Estado é a segurança pública. Sem ela os indivíduos voltam à situação primitiva, no dizer de Hobbes, guerra de todos contra todos.

O Estado Democrático de Direito é garantia de civilidade que deve estar ao alcance de todas as pessoas; os dirigentes políticos democráticos não devem ter medo de afirmar sua disposição de lutar contra o crime; não se tornarão déspotas, tiranos, se munidos da força das normas legais empenharem-se com toda a energia da alma para propiciar ambiente pacífico às pessoas.

Onde o crime manda não há democracia, não há direito; há força, há medo, intimidação. Os dirigentes políticos têm o dever de levar a luz da Constituição Federal a todos os cantos do Brasil. O crime organizado corrói o alicerce do Estado, rompe o tecido social civilizado e instaura a lei do cão.

Medo, silêncio, angústia. O ambiente social que queremos é de tranqüilidade para que todos possam viver, trabalhar, alegrar-se, desenvolver as potencialidades produtivas deste povo que tem na sua fisionomia a marca do mundo. Somos um ponto de encontro dos povos do mundo e podemos provar que culturas diferentes podem entrelaçar-se, crescer e brilhar.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. ÁLVARO DIAS (PDT - PR) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Senador Álvaro Dias, quero me associar ao discurso que V. Exª faz. Realmente, o diagnóstico é completo, mas muito pessimista. E solução há. René Descartes, em seu livro “Discurso sobre o Método”, escrito em 1630, disse que todo grande problema se divide em pequenos problemas. Já temos a definição e até a segmentação do que deve ser feito. É preciso apenas começar a resolver as questões. Lamentavelmente, temos reclamado com insistência neste País, mas muito pouco foi realizado com seriedade. Vimos os exemplos de Nova Iorque, onde havia um problema terrível que já foi solucionado. É verdade que, naquela região, há algumas diferenças: a Polícia é municipal. Embora haja no País as Polícias estaduais, normalmente a Polícia municipal tem muita força, o que faz com que o prefeito seja muito cobrado. No Brasil, chegamos a um momento difícil. No Rio de Janeiro, a situação está caótica. Se não tomarmos logo uma decisão, ficará incontrolável. O problema está se expandindo por todo o Brasil. Na semana passada, fiz um discurso e falei a respeito de duas cidades do Rio Grande do Norte, onde 20 indivíduos armados de metralhadoras atiraram nos próprios policiais, ordenando-lhes que dançassem em praça pública, e assaltaram três bancos em ambos os municípios. Precisamos tomar providências. Sou solidário a essa questão. V. Exª trouxe um tema atual, que urge uma solução.

O SR. ÁLVARO DIAS (PDT - PR) - Muito obrigado, Senador Ney Suassuna. V. Exª tem razão. Não bastam providências administrativas que impliquem a alocação de recursos maiores para o setor de segurança pública, a aquisição de equipamentos modernos e armamentos e um contingente policial adequado para atender às ruas e às praças públicas, inclusive à área rural. O que existe, acima de tudo, é a necessidade de a autoridade governamental se impor. A ausência da autoridade estimula o crescimento da violência e da criminalidade. Nos locais onde o Governo se impõe, como no caso de Nova Iorque, citado por V. Exª, o desestímulo certamente afugenta os criminosos. Além de todas as medidas de natureza legislativa adotadas por esta Casa do Congresso Nacional, e de natureza administrativa, como procuram alguns governos adotar, é preciso postura e um comportamento vigoroso no enfrentamento aos marginais. No entanto, alguns governos falham exatamente nesse aspecto fundamental.

O desafio é gigantesco. As precárias condições sociais, somadas à tibieza dos dirigentes públicos, produziram situação muito ruim. Porém, com o ataque simultâneo aos problemas sociais que contribuem para gerar criminalidade e à impunidade daqueles que praticam condutas criminosas, creio possível mudar o cenário.

Segurança pública é construção social complexa. Envolve duas vertentes: uma que é o ataque às causas sociais (pobreza, ignorância, desigualdade na distribuição da renda) e a segunda vertente é impedir que os crimes permaneçam impunes (trabalho preventivo e repressivo)

A sociedade clama por uma política de segurança de qualidade que, ao mesmo tempo, controle a criminalidade, aumente o sentimento de segurança do cidadão, melhore a eficiência do sistema de justiça criminal e que resgate a confiança da população que desapareceu em razão de tanta violência, corrupção, ilegalidades e arbitrariedades inadmissíveis no Estado Democrático de Direito.

Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha, em junho de 2000, dois terços dos brasileiros sentem mais medo do que confiança na polícia do País.

É preciso mudar o cenário paranaense: queremos tranqüilidade, confiança e segurança.

Falácias não inibem a criminalidade, não trazem confiança e segurança à população.

A falta de vontade dos governantes na implementação de políticas básicas é um dos fatores responsáveis pelo aumento da criminalidade em todas as faixas etárias. A vontade política deve ser a ação. É preciso modificar o cenário paranaense. De propostas e intenções porque delas, é bíblico, o inferno está cheio. Um outro mundo é possível com mais ação e vigor.

O combate à violência é responsabilidade de todos os órgãos públicos. Tal esforço deve envolver toda a sociedade em um repúdio comum aos que evocam a violência. É preciso extinguir o ciclo odioso da violência com ações integradas da União, Estados e Municípios.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/06/2002 - Página 13214