Discurso durante a 95ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem de pesar pelo falecimento do arquiteto Sérgio Wladimir Bernardes.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem de pesar pelo falecimento do arquiteto Sérgio Wladimir Bernardes.
Publicação
Publicação no DSF de 26/06/2002 - Página 13261
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, SERGIO WLADIMIR BERNARDES, ARQUITETO, ELOGIO, VIDA PUBLICA, OBRA URBANISTICA.

O SENADOR LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - A reserva do talento brasileiro tem sido sucessivamente golpeada, nos últimos tempos, sem que se possa identificar um movimento análogo de renovação, talvez pelo excessivo rigor com que, normalmente, consideramos os novos valores.

O fato é que perdemos mais um grande talento. Morreu dia 15 de junho, aos 84 anos, um dos mais importantes arquitetos brasileiros, Sérgio Wladimir Bernardes. Segundo a família, seu estado de saúde vinha se debilitando desde que sofreu um derrame, dois anos atrás. Ele morreu em casa, de falência múltipla dos órgãos.

Sérgio Bernardes costumava responder com bom humor, antes do derrame, quando lhe perguntavam sobre seu estado de saúde: “se não me examinarem, estou ótimo”.

Irreverente e aventureiro, aliava ao talento um gosto pela inovação e pelo risco, na profissão e na vida. Projetou sua primeira casa aos 15 anos, para um amigo do pai. Aos 16 anos, cursou pilotagem no aeroclube de Manguinhos, no Rio de Janeiro, porque queria fazer acrobacias. E fez muitas pelo céu do Brasil, com seu monomotor. Aos 17 anos, participava de corridas pelas avenidas do Rio. Certo dia, correndo no circuito da Gávea, capotou na avenida Niemeyer e caiu ao mar.

Na arquitetura, foi um inovador na tecnologia e no uso de materiais: além do concreto, da madeira e do aço, incorporou neblina, reflexos, sons e odores em seus projetos.

Deixou um acervo com mais de 6 mil projetos acumulados. Entre suas obras mais importantes estão o Mausoléu de Castello Branco e o Palácio do Governo do Ceará, ambos em Fortaleza; o Hotel Tambaú, em João Pessoa, os postos salva-vidas da orla carioca e o condomínio Casa Alta, no Humaitá. Acumulou prêmios no Brasil e no exterior. Entre outros, ganhou o Grande Prêmio de Arquitetura de Veneza, o Prêmio Internacional da Bienal de São Paulo e, por seu trabalho mais conhecido, o Pavilhão de São Cristóvão, no Rio, recebeu a Estrela de Ouro da Feira Internacional de Bruxelas. Também são seus os projetos do Aeroporto de Brasília e do Pavilhão das Bandeiras na Praça dos Três Poderes.

A arquitetura de Sérgio Bernardes ultrapassa a atribuição de edificar espaços para abrigar atividades humanas. Projetar é assumir compromissos com circunstâncias futuras. O arquiteto, por força desse permanente exercício, adquire a capacidade de antever.

Sérgio Bernardes, desde cedo, desenvolveu, como nenhum outro arquiteto, esse dom. Desde os seus primeiros trabalhos, sobretudo de residências, já prenunciava um talento incomum, que se consolidaria numa seqüência de propostas arquitetônicas sempre marcadas por uma estética própria e renovadora, conseqüência da utilização de inventivos processos construtivos e de um detalhamento preciso.

Seu espírito criativo produziu um sem-número de curiosas invenções, como um automóvel, uma bicicleta, mobiliários, elementos pré-fabricados e diferentes materiais e elementos construtivos. Sérgio Bernardes foi o nosso Leonardo da Vinci.

Nas faculdades de Arquitetura de todo o País, sua obra é matéria de permanente consulta e estudo. Na década de 1950, época em que os estudantes se sentiam reféns nos ambientes de ensino dominados pelo academicismo dos catedráticos, sua presença, a leitura e a compreensão de suas propostas foram fundamentais para aqueles que empunhavam a bandeira do modernismo.

Com o passar dos anos, sua aptidão de ver além do seu tempo, e a tendência de não impor limites à sua imaginação criadora foi além, e deu início a um ciclo de propostas que elevaram sua arquitetura a uma estreita convivência com a ciência dos fenômenos geofísicos, com os cenários da ficção científica e com o devaneio da poesia.

Entre suas idéias está, por exemplo, o projeto de transformar o arquipélago de Fernando de Noronha em uma só ilha, que seria um centro turístico. Pensou em interligar os rios brasileiros por um sistema de aquedutos. Imaginou conjuntos habitacionais suspensos sobre trilhos de trens e uma marina para ligar as praias de Ipanema e Leblon.

Sonhava com a Barra da Tijuca abrigando a cabeceira de uma ponte oceânica de cem metros de largura que a ligaria a Niterói. Ao longo de dez quilômetros, construiria 58 prédios de 300 andares cada e um de mil metros de altura. Cada um deles teria até 1.200 apartamentos de 27 metros quadrados e centros comerciais, próximos dos estacionamentos. A cada 30 pavimentos haveria uma área de lazer.

Ou se vive com beleza ou se atropela o pensamento. A beleza é provocadora do futuro, filosofava Sérgio, sem revelar como se sustentariam prédios sem fundação e com o primeiro andar a 70 metros acima do mar. Uma verdadeira arquitetura da utopia.

Esse talento original de Sérgio Bernardes só é comparável à sua dimensão humana. Os que o conheceram pessoalmente destacam a doçura do temperamento, a cordialidade, a prosa atraente, a atenção com o interlocutor e o humor permanente.

Da mesma forma que ocorreu com outros brasileiros talentosos, Sérgio Bernardes, como Nélson Rodrigues, em certa época de triste memória, foi alvo das chamadas “patrulhas ideológicas”, que o acusavam de “colaboracionismo” com o Regime de 64, pois, entre outros projetos que desenvolveu para os militares, criou o mausoléu Castello Branco, considerado, à época, um verdadeiro tributo à direita e ao golpe militar.

Ironicamente, no mesmo período, Bernardes teve seu projeto do Comando Naval de Brasília, que estava em andamento desde 1972, cancelado pelo presidente Geisel, que descobrira que o arquiteto se relacionava com oficiais suspeitos de simpatizarem com a esquerda.

Felizmente, Srªs e Srs. Senadores, esse obscurantismo é apenas uma memória do passado, e podemos lamentar a perda de um brasileiro de talento, independentemente de sua coloração política.

O que ficará de Sérgio Bernardes, certamente, não será sua efêmera passagem pela Secretaria de Planejamento de Nova Iguaçu, nem sua frustrada candidatura à Prefeitura do Rio de Janeiro.

O seu legado está nas obras que construiu e nas que imaginou, com originalidade, ousadia e beleza.

Muito obrigado.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/06/2002 - Página 13261