Discurso durante a 96ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM A MEMORIA DO ESCRITOR E ROMANCISTA MINEIRO ROBERTO DRUMMOND, FALECIDO NO ULTIMO DIA 21, EM BELO HORIZONTE.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A MEMORIA DO ESCRITOR E ROMANCISTA MINEIRO ROBERTO DRUMMOND, FALECIDO NO ULTIMO DIA 21, EM BELO HORIZONTE.
Aparteantes
Arlindo Porto, Bernardo Cabral, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/2002 - Página 13482
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ROBERTO DRUMMOND, ESCRITOR, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), ELOGIO, RELEVANCIA, OBRA LITERARIA.
  • SOLICITAÇÃO, MESA DIRETORA, SENADO, TRANSMISSÃO, PESAMES, SOLIDARIEDADE, FAMILIA, ROBERTO DRUMMOND, ESCRITOR.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as palavras que vou pronunciar têm o seguinte título: O adeus do autor de Hilda Furacão e do Cheiro de Deus, o escritor mineiro Roberto Drummond.

Os Mortos não Dançam Valsa. Esse é o título do romance que Roberto Drummond deixou inacabado. A morte o surpreendeu, aos 68 anos de idade, na madrugada da última sexta-feira, no dia 21, em Belo Horizonte, quando se preparava para assistir ao jogo Brasil x Inglaterra, nas quartas de final, que se iniciaria poucas horas depois lá do outro lado do mundo.

Roberto Drummond era um amante do futebol. Além de romancista de renome nacional, era um criativo cronista esportivo em Belo Horizonte, com leitores e admiradores até na torcida do Cruzeiro, time arquiadversário de seu querido Atlético Mineiro.

Conseguia ver poesia nos belos lances do jogo e fazia tiradas como esta, para mostrar a paixão dos torcedores de seu time: “Se houver uma camisa preta e branca no varal, em dia de tempestade, o atleticano torce contra o vento”.

Fora de Belo Horizonte, Roberto Drummond era muito mais conhecido como escritor do que como cronista esportivo, mais precisamente como o autor de Hilda Furacão, o romance que se transformou na bela minissérie que a TV Globo apresentou, há poucos anos, com tanto sucesso.

Foi a minissérie, vista por dezenas de milhões de telespectadores em todo o País, que projetou nacionalmente o nome de Roberto Drummond. Até então, ele era conhecido em Minas, embora já tivesse ganho, em 1975, o Prêmio Jabuti, como autor-revelação, pelo Livro A Morte de D.J. em Paris.

Era um homem de Minas, um filho de Ferros, a sua Santana de Ferros, formado em Guanhães, a sua São Miguel Y Almas de Guanhães, e um símbolo de Belo Horizonte, onde iniciou a carreira de jornalista.

Era a época dos conflitos ideológicos. E Roberto Drummond assumiu a defesa dos ideais comunistas, quando essa posição implicava riscos.

Não era, porém, o tipo de pessoa que se deixasse tolher nem pelas limitações da reportagem dita objetiva nem pelas estreitas amarras de um radicalismo político. Homem que sabia ler a alma humana, mergulhar nas emoções e sentimentos das pessoas, ele imprimia essa marca em suas reportagens.

Com certeza, via também o descompasso das palavras de ordem e de manifestos comunistas com a realidade brasileira, com a alma brasileira, com as paixões e alegrias do povo.

Ele encontrou na literatura o caminho para romper esses limites, tanto os do jornalismo quanto os da ideologia. Em contos e romances, estava livre para expressar seus sentimentos, traduzir o que via e sentia no complicado comportamento humano.

Soube que escolhera o caminho certo ao receber a notícia de que seu primeiro livro, A Morte de D.J. em Paris, fora o primeiro colocado no Concurso Nacional de Contos do Paraná, então o mais prestigiado prêmio literário do Brasil.

Foi assim que, em 1971, tomou a decisão de realizar o sonho que acalentava desde a juventude, o de tornar-se escritor profissional. Além de A Morte de D.J. em Paris e de Hilda Furacão, deixou O Dia em que Ernest Hemingway Morreu Crucificado, Sangue de Coca-Cola, Ontem à Noite era Sexta-Feira, Inês é Morta, Hitler Manda Lembranças, Quando fui Morto em Cuba. E aqui tenho, em mãos, O Cheiro de Deus, a mais recente lembrança de sua produção literária.

Sr. Presidente, Roberto utilizou as mais variadas formas de narrativa para expor ao mundo a alma moderna de sua terra. Seu estilo chegou a ser classificado de “realismo sobrenatural”, num paralelismo com o “realismo mágico” de Gabriel Garcia Marquez.

Seu último romance, porém, é de estilo clássico. Aparentemente inspirado em fórmula do escritor alemão Thomas Mann, Roberto Drummond reinventou o clã Drummond, cujos ancestrais vieram da Escócia para fixar-se em Minas.

É uma história ambientada em casarões que evocam a vida simples do interior de Minas, a magia do cotidiano e o sentido mais amplo de nossa passagem pela Terra, do ponto de vista de quem sabe que o cheiro de Deus está em nós.

Original é a dedicatória que pôs no romance: “no que tiver de fé”, para uns; “no que tiver de esperança”, para outros; e assim vai: “no que tiver de alegria”, “no que tiver de rebelião”, “no que tiver de coração do mundo”, “no que tiver de água matando a sede”, “no que tiver de canção do mundo”.

Sua inesperada morte, em pleno vigor da criatividade, quando ia a meio seu próximo romance, foi um choque para todos nós, seus amigos. Minas e o Brasil perderam um grande e original escritor.

Estive em seu último adeus, em Bonfim, a nossa casa derradeira. Expressei meus sentimentos de pesar à esposa, Beatriz, à filha, Ana Beatriz, a todas as pessoas da família e aos amigos e devotos do seu poder criativo. E não pude deixar de pensar no título que ele escolhera para o livro que deixou inacabado: Os Mortos não Dançam Valsa. Roberto Drummond pode não dançar valsa, mas, com as obras que deixou, estará permanentemente vivo na memória de todos os que cultuam a literatura brasileira.

O SR. Arlindo Porto (PTB - MG) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG) - Ouço V. Exª, com muito prazer.

O SR. Arlindo Porto (PTB - MG) - Gostaria de cumprimentar V. Exª, que usa a tribuna do Senado, na tarde de hoje, para render uma homenagem a Roberto Drummond. Como bem explanado por V. Exª nesse pronunciamento, ele retratou, em várias oportunidades, o sentimento mineiro, conseguiu captar a opinião de cada um, consignando-a em suas colunas, artigos e livros, deixando para todos nós registros importantes para reflexão. Meus cumprimentos a V. Exª. Nós, mineiros, bem como grande parte do Brasil, perdemos um grande escritor, um grande homem; especialmente, nós, Senador, perdemos um grande amigo. Meus cumprimentos e a minha solidariedade. Peço permissão a V. Exª, para me solidarizar, neste momento, com a família e com aqueles mineiros que também privavam com a liberdade de Roberto Drummond.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG) - Muito obrigado ao Senador mineiro Arlindo Porto, que conheceu muito bem a pessoa fantástica do escritor, jornalista e esportista Roberto Drummond.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - Senador Francelino Pereira, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG) - Senador Bernardo Cabral, é bom que as águas do Amazonas possam pronunciar-se aqui, no dia em que morre o mineiro que tem o dom do mundo para escrever para o mundo inteiro.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - Queria que V. Exª me desse a honra de falar em meu nome, porque também conheci, pessoalmente, Roberto Drummond. E ninguém melhor do que V. Exª para lhe traçar o perfil, com a competência, a clarividência e esse saber mineiro que V. Exª tão bem encarna. Quero apresentar-lhe os cumprimentos e pedir-lhe que me dê a honra de falar também em meu nome, em nome das nossas águas do Amazonas.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG) - É uma honra muito grande, neste momento, falar também em nome de Bernardo Cabral, Senador pelo Amazonas, Senador do mundo. S. Exª, numa alusão a Minas, sempre se refere a que o ouro, agora, são as águas da sua região e do Brasil.

Nesta hora, quero, portanto, registrar que perdemos, de uma forma que ninguém compreendeu e com surpresa, um escritor novo, determinado, inteligente, competente e mágico. Além de escritor, ele era esportista e jornalista, uma das figuras mais respeitadas do Brasil.

Ao me despedir da sua esposa e filha, no cemitério do Bonfim, em Belo Horizonte, elas me pediram que contribuísse para que a memória de Roberto Drummond não desaparecesse. Essa é a razão pela qual estou aqui, ou seja, para manifestar o compromisso de fazer com que Roberto Drummond, tornando-se uma memória viva, jamais desapareça da alma, do coração e da inteligência de Minas e dos brasileiros.

Sr. Presidente, requeiro a V. Exª que faça transmitir à família do escritor mineiro Roberto Drummond, em Belo Horizonte, o nosso pesar, a nossa dor e o nosso tormento pelo seu falecimento, quando se preparava para assistir ao jogo Brasil x Inglaterra.

Sr. Presidente, peço a atenção de V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Wilson) - Ouço V. Exª, com o maior prazer, Senador Francelino Pereira.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG) - Estou requerendo à Mesa que faça aprovar uma manifestação de pesar pelo falecimento de um cidadão mineiro, cidadão do mundo, que nasceu em Santana dos Ferros, nas proximidades de Itabira, Minas Gerais. Lá viveu e tornou-se, em Belo Horizonte, um jovem respeitado, jornalista, esportista, cronista e escritor, autor de Hilda Furacão, que foi a minissérie mais propalada do Brasil.

Peço a V. Exª que faça anexar a essa manifestação do Senado o pronunciamento que acabo de produzir, assim como os apartes que estou recebendo, para que a família perceba que, efetivamente, não se trata apenas da iniciativa de um cidadão mineiro, mas também da própria alma nacional representada por esta Casa.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG) - Concedo um aparte, com muito prazer, ao Senador paulista Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Francelino Pereira, V. Exª, com a maior justiça, como Senador de Minas Gerais e também do Brasil e do mundo, presta homenagem a esse que tem o verdadeiro “dom do mundo”, uma bonita expressão, como V. Exª resolveu qualificar o escritor Roberto Drummond. Também o conheci, ao ler Hilda Furacão, um romance muito belo e comovente. Muito me emocionou a história de uma moça que vivia entre a prostituição e a paixão, inclusive descobrindo Deus por intermédio de um sacerdote que se tornou grande amigo dela. É, realmente, uma das melhores histórias de Minas Gerais, baseada em muitos fatos verdadeiros dos grandes amigos de Roberto Drummond, entre eles, Frei Beto, que esteve presente aos seus funerais, prestando sua homenagem e fazendo as orações últimas. Há passagens interessantes na vida de Roberto Drummond, e V. Exª as conhece muito melhor, porque o conheceu pessoalmente, bem como sua família. Talvez, já as tenha registrado em um momento em que eu ainda não estava ouvindo a bonita homenagem que V. Exª presta, mas me permita contar aqui, se V. Exª ainda não o fez, uma dessas passagens. Certo dia, estavam os amigos Roberto Drummond e Frei Beto falando das coisas da vida. Roberto Drummond falava muito a respeito das mulheres, o que o tornava muito interessante. Porém, ele tinha muita vontade de saber por que Frei Beto era também uma pessoa tão procurada e querida pelas pessoas. Frei Beto então lhe respondeu que talvez fosse porque as pessoas sentissem nele o cheiro de Deus. Tão entusiasmado ficou Roberto Drummond com aquela expressão que justamente a escolheu para ser o nome de seu último livro: O Cheiro de Deus. Ao lado de Inês é Morta, A Morte de DJ em Paris, Sangue de Coca-Cola e Hilda Furacão ele se coloca junto aos grandes mineiros que, como Carlos Drummond de Andrade, Otto Lara Resende, Hélio Pelegrino e Paulo Mendes Campos, estão agora honrando Minas Gerais e o mundo lá no céu, junto a Deus. Meus cumprimentos, Senador Francelino Pereira, certamente a mulher e a filha de Roberto Drummond estão pelo menos felizes em ver a homenagem que presta a um brasileiro que, sentindo-se mal, conforme V. Exª registrou, ligou para o amigo no jornal O Estado de S.Paulo e, quando este lhe recomendou que fosse para o hospital, ele respondeu: “Não, eu agora quero assistir ao jogo do Brasil e da Argentina.” Ainda hoje de manhã, Senador Francelino, antes do jogo, eu ouvia o rádio e na estação CBN, e ainda ontem à noite, os médicos alertavam que muitas pessoas poderiam vir a falecer com o jogo do Brasil e que tomássemos todo cuidado. Mas, no caso, Roberto Drummond também hoje estaria contente com o desempenho excepcional da Seleção Brasileira, com o resultado de um a zero tão valorizado pelo desempenho tão bom da equipe da Turquia, que tanto honrou a vitória do Brasil. Certamente Roberto Drummond estaria torcendo também para que o Brasil tivesse o desempenho tão bonito que teve hoje pela manhã. Associo-me ao requerimento de pesar e homenagem que tão justamente V. Exª faz a Roberto Drummond.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG) - Senador Suplicy, muito obrigado a V. Exª pelo testemunho real, verdadeiro, de quem efetivamente conheceu o nome, o renome, a cultura e a devoção que Minas e o Brasil, sobretudo depois da divulgação da minissérie Hilda Furacão...

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Uma minissérie que eu não perdia, Senador. Saía daqui e ia para casa com a maior alegria para assistir a Hilda Furacão; e às vezes, como costumo trabalhar até tarde, eu ficava assistindo do meu gabinete. Foi uma minissérie apaixonante e muito bonita. E minisséries tão bem feitas estimulam a leitura de bons livros como o de Roberto Drummond, Hilda Furacão. Espero que, agora, mais e mais brasileiros, ainda mais diante de seu testemunho, venham a ler Hilda Furacão, porque recomendo a todos. É excelente.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG) - Muito agradecido a V. Exª pela manifestação em nome de São Paulo, dos paulistas, enaltecendo o trabalho e a figura de Roberto Drummond.

Sr. Presidente, concluo essas palavras, solicitando a V. Exª que efetivamente faça transmitir ainda hoje, e vou fornecer-lhe o endereço, em Belo Horizonte, à família de Roberto Drummond o pesar, a dor e o tormento desta Casa pela sua morte em hora tão inesperada, porque ainda jovem, acreditando que jamais morreria naquele momento, para ser brasileiro e torcer pela vitória. Se o Brasil ganhar, esta homenagem será oferecida pelos mineiros à figura do esportista, do cronista, Roberto Drummond.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/2002 - Página 13482