Discurso durante a 96ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE A REPORTAGEM INTITULADA "PIRATARIA S.A.", DO JORNAL O GLOBO, SOBRE A INDUSTRIA DE FALSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS NO PAIS.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDUSTRIAL. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • COMENTARIOS SOBRE A REPORTAGEM INTITULADA "PIRATARIA S.A.", DO JORNAL O GLOBO, SOBRE A INDUSTRIA DE FALSIFICAÇÃO DE MERCADORIAS NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/2002 - Página 13627
Assunto
Outros > POLITICA INDUSTRIAL. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), APRESENTAÇÃO, DADOS, AMPLIAÇÃO, INDUSTRIA, FALSIFICAÇÃO, REPRODUÇÃO, VESTUARIO, CALÇADO, DISCO, CIGARRO, MEDICAMENTOS, AUSENCIA, ARRECADAÇÃO, IMPOSTOS, PREJUIZO, POSIÇÃO, BRASIL, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), DESRESPEITO, DIREITO AUTORAL.
  • QUESTIONAMENTO, CONHECIMENTO, AUTORIDADE, LOCALIDADE, INDUSTRIA, FALSIFICAÇÃO, VESTUARIO, DISCO, CIGARRO, MEDICAMENTOS, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DE GOIAS (GO), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), CRITICA, AUSENCIA, ATUAÇÃO, RECEITA FEDERAL, POLICIA FEDERAL, COMBATE, COMERCIO, MERCADORIA, FRAUDE, REPRODUÇÃO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sob o título Pirataria S.A., o jornal O Globo publicou cadernos especiais com reportagem sobre a falsificação de mercadorias no País. Trata-se de atividade econômica informal, ilegal, que vai de vento em popa entre nós.

Não sei onde os repórteres obtiveram tantas estatísticas sobre o comércio criminoso de mercadorias falsificadas. As fontes não são mencionadas. Tenho muita cautela ao citar estatísticas de jornal, quando a fonte não é citada, mas, considerando que os números tenham alguma correspondência, mesmo que longínqua, com a realidade, a situação é, de fato, alarmante!

Segundo a reportagem, as mercadorias mais falsificadas no País são roupas, calçados, discos compactos - os CDs, cigarros, brinquedos e remédios. Poder-se-ia, seguramente, acrescentar as bebidas - que, juntamente com os cigarros, são mercadorias que tradicionalmente se falsificam - e os programas de computador - esses, um nicho de mercado mais recente.

Passo, agora, a citar alguns dados publicados no jornal, que, como disse, caso verdadeiros, são alarmantes:

1) Apenas os fabricantes de roupas, CDs, brinquedos e cigarros perdem mais de 5 bilhões e 600 milhões de reais com o comércio ilegal. A reportagem não diz qual a periodicidade da perda, mas deve ser anual.

2) Fabricantes de roupa perdem 1 bilhão e meio de dólares a cada ano. Vinte por cento dos medicamentos vendidos no País são falsificados. Além de tudo, um problema seriíssimo de saúde pública!

3) Para cada CD vendido legalmente no País, há um outro ilegal.

4) E o mais incrível dado do ponto de vista das receitas públicas: com a falsificação, o Brasil deixa de arrecadar 10 bilhões de reais, por ano, em impostos!1

A falsificação de mercadorias, popularmente chamada pirataria, é a cópia e a reprodução de obras de outrem com finalidade lucrativa, sem respeitar os direitos dos criadores originários ou dos detentores legais delas. É crime. Lamentavelmente, é mais um crime que corre frouxo no Brasil. Não nos faltam leis, penso mesmo que sobrem leis, mas as leis não são cumpridas. Da mesma forma que a falsificação de mercadorias, a sonegação fiscal, o peculato e tantos outros crimes não costumam impedir que seus autores, entres nós, tenham um sono tranqüilo.

Os prejuízos da falsificação de mercadorias, a pirataria, vão muito além do dano ao autor legítimo do bem que é copiado e aos cofres públicos, que perdem impostos. Tais prejuízos chegam mesmo à esfera das relações internacionais do País. Agora, recentemente, quando o Brasil acionou a OMC contra as medidas protecionistas norte-americanas em relação aos produtos siderúrgicos, o que os Estados Unidos alegaram? Eles disseram: se é assim, então também vamos entrar com representação contra o Brasil em razão do nível altíssimo de falsificação que vocês permitem em seu país, o que prejudica os direitos intelectuais legítimos de inúmeras empresas norte-americanas!

Isso é mentira?... Não; é a mais pura verdade! Verdade e fácil de provar! Bastaria levar os cadernos de O Globo a que me estou referindo para ilustrar, em qualquer tribunal, que os próprios brasileiros sabem e denunciam que a pirataria, no Brasil, é incontrolável!

Um aspecto que acho muito curioso nesta questão - e, ao fazer o comentário, encerro este breve discurso -, é que, a exemplo do que ocorre em outros casos, culpa-se sempre a insuficiência de recursos e de pessoal dos órgãos responsáveis por fazer cumprir a lei. No caso da pirataria, há falta de recursos e de pessoal da Receita Federal e da Polícia Federal. O argumento usado por autoridades e por jornalistas é sempre apresentar o contraste, por um lado, entre a imensidão de nossas fronteiras, o número de aeroportos e portos, a quantidade de empresas falsificadoras no mercado informal e, por outro, a modéstia dos meios que são colocados à disposição das autoridades para combater a ilegalidade.

Isso também é verdade, não vou contestá-lo. Há, de fato, assimetria entre a tarefa a ser realizada e as condições necessárias para tal. Entretanto, sob o manto dessa desculpa, acaba-se por fazer muito menos do que seria possível. A reportagem do jornal O Globo menciona logradouros em cidades grandes, bem como cidades do interior, onde mercadorias falsificadas são comercializadas ou são fabricadas. Todo mundo sabe dessas informações. As autoridades certamente também o sabem. O comércio não é realizado na calada da noite. É em plena luz do dia, na via pública!

No Rio de Janeiro, por exemplo, o ponto de venda mais popular é a Feira de São Cristóvão. A reportagem informa, por sua vez, que a cidade de Jaraguá, em Goiás, é hoje a capital brasileira da pirataria de jeans e de camisetas; uma cidade onde se fabricam confecções falsificadas, as quais são distribuídas para Brasília, Goiânia e Belo Horizonte. No interior de Pernambuco, há o chamado Pólo de Sulanca, formado pelas cidades de Santa Cruz do Capiberibe, de Caruaru, e de Toritama. Lá, segundo a reportagem, funcionam três mil minifábricas de roupas, muitas delas dedicadas à rentável e criminosa atividade de falsificação. Há foto, no jornal, da avenida principal da cidade de Santa Cruz do Capiberibe, repleta de barracas que vendem os produtos falsificados, verdadeiro feirão da contravenção, que atrai revendedores de toda aquela região do País!

Dei três exemplos de localidades onde se pratica impunemente a pirataria, exemplos que são mencionados pela reportagem de O Globo. Certamente os locais não se restringem a esses; estão espalhados pelo Brasil inteiro e, não resta dúvida, são do conhecimento das autoridades.

Então eu me espanto e pergunto. Por que a Polícia Federal e a Receita não fazem operação na Feira de São Cristóvão? Por que não apreendem as mercadorias, levam os comerciantes presos para prestarem depoimento na delegacia e, a partir das informações colhidas, chegam à rede de distribuição das mercadorias falsificadas e aos centros de importação ou de produção? Por quê?... Por que não fazem operação nas cidades do interior que citei? Será difícil, numa pequena cidade, que vive do comércio ilegal, achar onde são produzidas as mercadorias? Penso que cada um dos taxistas, de cada uma dessas cidades, sabe onde estão as fábricas!

Assim, há muito jogo de cena envolvido nisso tudo. Na verdade, não se quer combater o comércio de mercadorias falsificadas. A que interesses a inação se presta não sei responder.

E assim, a imagem do Brasil continua a ser arranhada no exterior, a defesa de interesses legítimos nossos resta enfraquecida, os proprietários legais dos bens que são copiados continuam a ser lesados, o mesmo ocorrendo com a receita pública!...

Quando deixaremos de ser uma sociedade em que as leis são feitas para não serem cumpridas, mas para esconder, atrás de uma cortina de formalidade legal, o fato de que toleramos o crime e a contravenção? Não sei dizer... Espero apenas, com uma esperança vaga, mais produto da fé do que da razão, que este dia não esteja muito longe.

Era o que tinha a dizer.


1 BRASIL DEIXA DE ARRECADAR 10 BI EM IMPOSTOS. O Globo, caderno Pirataria S/A, 20.04.02.



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/2002 - Página 13627