Discurso durante a 102ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre a vulnerabilidade da soberania brasileira sobre a Amazônia.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Reflexões sobre a vulnerabilidade da soberania brasileira sobre a Amazônia.
Publicação
Publicação no DSF de 07/08/2002 - Página 15157
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, TENTATIVA, PAIS INDUSTRIALIZADO, INTERNACIONALIZAÇÃO, FLORESTA AMAZONICA, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, IMPLANTAÇÃO, PROJETO, OCUPAÇÃO, VIGILANCIA, REGIÃO AMAZONICA, DEFESA, SOBERANIA NACIONAL.
  • NECESSIDADE, INTEGRAÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, AMERICA LATINA, CRIAÇÃO, ACORDO INTERNACIONAL, NEGOCIAÇÃO, ENERGIA ELETRICA, COMBUSTIVEL, REFORÇO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), CONSTRUÇÃO, RODOVIA, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PAIS INDUSTRIALIZADO, DESCUMPRIMENTO, ACORDO INTERNACIONAL, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, DESTRUIÇÃO, NATUREZA, TENTATIVA, INTERNACIONALIZAÇÃO, FLORESTA AMAZONICA.

  SENADO FEDERAL SF -

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O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a continuidade da afirmação da soberania nacional sobre as terras amazônicas situadas em nossas fronteiras, a exploração racional das suas imensas riquezas, o controle institucional e científico sobre a sua formidável biodiversidade e a integração econômica e geopolítica com os países do Norte continuam, neste início de século, mobilizando as atenções do povo brasileiro e causando grandes preocupações nos meios governamentais, intelectuais, acadêmicos e militares.

É importante lembrar que, nos dias de hoje, os temores da internacionalização da Amazônia estão mais vivos do que nunca. A Amazônia continua sendo vista pelas grandes potências mundiais como um dos pontos geográficos mais inquietantes em matéria de estratégia, de segurança e de geopolítica.

Nos Estados Unidos e nos chamados países centrais, vez por outra, importantes veículos de comunicação desenvolvem uma campanha nitidamente subliminar para convencer a opinião pública de que a floresta amazônica está sendo irresponsavelmente destruída, sem que os governos regionais tomem qualquer providência para conter o processo. Procuram mostrar uma Amazônia com enormes áreas devastadas por gigantescos incêndios e queimadas, grandes extensões arruinadas pela atividade garimpeira, enormes espaços desmatados, milhares de troncos de madeiras nobres apodrecendo nos rios, fronteiras completamente abandonadas e totalmente controladas por aventureiros, criminosos, traficantes de escravas brancas, contrabandistas, narcotraficantes e guerrilheiros, principalmente os que lutam nas fileiras das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).

Em verdade, o cidadão comum do Hemisfério Norte tem sido constantemente bombardeado por esse tipo de informação sensacionalista. Em quase todo noticiário, a idéia central é a de que a floresta deveria ser transformada em patrimônio da humanidade e não continuar sob a responsabilidade de um grupo de países que tem demonstrado, segundo eles, total incapacidade para administrá-la e desenvolvê-la.

Ao longo dos séculos, a Amazônia tem ocupado lugar de primeira grandeza na berlinda internacional. No caso da Amazônia brasileira, que representa a maior parte do total do território, as discussões foram ainda mais acirradas. As incontáveis batalhas diplomáticas travadas entre brasileiros e estrangeiros merecem destaque, porque representam muito para a nossa soberania, para os nossos brios nacionais e para a nossa formação histórica.

Em 1750, por exemplo, enfrentando todo tipo de obstáculo imposto pelas nações colonialistas, os diplomatas brasileiros, com muita habilidade e competência, conseguiram conquistar a assinatura do Tratado de Madri, que consagrou os limites efetivos do território da Amazônia brasileira e definiu a soberania nacional sobre ele. Todavia, para que isso acontecesse, foi preciso expulsar, pela força das armas, invasores holandeses, ingleses, franceses e irlandeses.

Daí para frente, de maneira freqüente, muitas outras tentativas visando a quebra da nossa hegemonia sobre o território se repetiram ao longo dos anos. Na segunda metade do século XIX, por volta do ano 1860, os Estados Unidos, preocupados com as pressões que iriam pouco mais tarde desencadear a Guerra da Secessão, tentaram instalar contingentes de populações negras na Amazônia brasileira.

Mais adiante, no início do século XX, aconteceram sangrentos confrontos pela posse de uma faixa de terra situada entre o Acre e a Bolívia, envolvendo o Bolivian Syndicate, que queria assumir o controle da região. Mais tarde, com determinação, O Presidente Arthur Bernardes rejeitou o projeto de criação do Instituto Internacional da Hiléia Amazônica.

Nos anos 60 do século passado, surgiu a idéia absurda da construção de um imenso lago. O objetivo seria a geração de milhares de megawatts de energia. A proposta foi defendida pelo polêmico futurólogo americano Herman Khan, já falecido. Segundo laudos técnicos da época, sua execução provocaria um gigantesco desastre ecológico sem precedentes em toda a Região Amazônica.

Outros planos mal intencionados surgiram logo após a idéia do grande lago amazônico. Entre eles, no final da década de 60, no Pará, veio à tona o famoso Projeto Jari, patrocinado pelo milionário americano Daniel Keith Ludwig.

Finalmente, nos anos 70 e 80, vários chefes de Estado, entre eles membros do chamado Grupo dos Sete Países Mais Ricos do Mundo, o G7, em diferentes ocasiões, não deixaram de manifestar claras preocupações em relação ao futuro da Amazônia e sua repercussão para o equilíbrio ecológico mundial. Nesse sentido, críticas diretas foram feitas às demarcações de terras indígenas, mais precisamente ao Decreto nº 1.775, de 1996.

Pouco antes de morrer, o líder socialista francês François Mitterrand não escondia sua preocupação em relação à Amazônia. Para ele, todo o território deveria ser incluído nas chamadas “zonas de interesse da humanidade”, ou seja, área geográfica considerada sensível, estratégica e passível de intervenção internacional em caso de ameaça ao seu equilíbrio, à sua integridade e à sua preservação. Aliás, em diversas ocasiões, o Sr. Al Gore, quando exercia o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos, também compartilhava das mesmas posições. Sempre que tinha uma oportunidade, não deixava escapar a defesa da “soberania relativa” sobre áreas que considerava de “interesse da humanidade” e, nesse caso, é claro, referia-se diretamente à Amazônia.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não podemos deixar de considerar que as possibilidades de intervenção militar estrangeira na Amazônia são reais. Assim, diante dessas ameaças constantes, não podemos mais transferir para um futuro impreciso a sua ocupação na parte que nos cabe e o conseqüente estabelecimento de ações afirmativas, econômicas e militares, capazes de promover, em curto prazo, o seu desenvolvimento sustentável e a sua defesa contra ataques externos.

Entre essas providências está o Projeto Calha Norte, que caminha a passos lentos. Quase sempre os recursos são insuficientes e, por isso, o seu calendário sempre está sujeito a modificações - aliás, o Projeto Calha Norte só existe, Sr. Presidente, graças às emendas dos parlamentares da Amazônia, que o colocam no Orçamento da União. No entanto, o Projeto Calha Norte é fundamental para a integração da Amazônia brasileira ao resto do Brasil e para a integridade do nosso território. Basta lembrar que, no futuro próximo, a integração entre o Calha Norte, o Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM) e o Sistema de Vigilância da Amazônia, que já foi implantado, será fundamental para a soberania brasileira.

Outra ação que deve ser vista como prioritária e urgente é a integração da parte norte do nosso país com o Peru, Equador, Colômbia, Venezuela e Guianas. É importante ressaltar que as repercussões da integração do Norte forçaria, por exemplo, em prazo mais curto, a dinamização da hidrovia Paraguai-Paraná, com um itinerário de três mil e quinhentos quilômetros, desde Porto Cáceres, em Mato Grosso, até o rio da Prata.

Por outro lado, a ligação rodoviária do Nordeste brasileiro com o Pacífico, um velho sonho de integração, dinamizaria, sem dúvida alguma, o comércio com a parte norte do nosso continente, com resultados econômicos significativos no médio prazo para o Peru, Colômbia, Venezuela e para as Guianas.

Todos nós sabemos que a Venezuela sempre desejou a criação de uma zona de livre comércio com o Mercado do Cone Sul (Mercosul) e com o Brasil, através de acordos bilaterais nas áreas de energia e de combustíveis.

Diante de toda essa disposição venezuelana e da aproximação que temos com os outros países amazônicos, a completa adesão de nossa fronteira norte ao Mercosul e o fortalecimento de seus laços com o resto do Brasil oferecerão, indubitavelmente, aos países do Pacífico andino uma nova oportunidade de recomeço no sentido da formação de um respeitável e dinâmico bloco econômico.

Não podemos esquecer também de que a Venezuela conta hoje com um dos maiores potenciais energéticos do mundo. Segundo estimativas, suas reservas chegam a 335 bilhões de barris de petróleo, e as reservas de gás natural, ao equivalente a 20 bilhões de barris de petróleo. A toda essa riqueza ainda devem ser adicionadas as suas imensas reservas de carvão e a inesgotável capacidade da hidrelétrica de Guri, a segunda maior usina do mundo, após Itaipu, e que está fornecendo energia para o meu Estado de Roraima.

No momento em que o Governo brasileiro está preocupado com a possibilidade de boicote dos Estados Unidos e da Inglaterra à Cúpula Mundial de Desenvolvimento Sustentável (Rio + 10), prevista para agosto, em Johanesburgo, na África do Sul, ambientalistas de vários países, em encontro preparatório no Rio de Janeiro, discutem neste momento novas formas de desenvolvimento sem destruição do meio ambiente e firmam posição no sentido de colocar em prática, mesmo com 10 anos de atraso, projetos firmados na Rio 92. Dessa maneira, às vésperas da Conferência Mundial que será realizada na África do Sul, as questões relativas ao meio ambiente e à preservação das florestas tropicais voltam com toda a força à mesa das grandes discussões sobre o desenvolvimento sustentável. Logicamente, a Amazônia será, mais uma vez, a grande vedete dos debates.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de terminar este pronunciamento dizendo que os países ricos, sem qualquer cinismo, colocam-nos injustamente no banco dos réus como agressores da natureza. Na verdade, os destruidores da natureza e os maiores predadores são as chamadas sociedades da abundância. Apesar de toda a sua história e cultura, de todo o seu arsenal científico e tecnológico, de todo o progresso material que conquistaram, os países tecnologicamente mais avançados não conseguem conter a síndrome da destruição, que é inerente à lógica irracional de seu processo de acumulação de capital. Assim, ao longo de toda a sua história econômica, destruíram quase que completamente as florestas existentes em seus continentes, poluíram os rios, perfuraram a camada de ozônio da Terra e montaram uma colossal indústria de armamentos nucleares, completamente inútil e cujo único efeito foi o de espalhar o terror pelo mundo.

Diante do comportamento destrutivo dos países ricos e das falsas acusações que costumam lançar contra os países menos desenvolvidos, precisamos formar uma grande corrente nacional e mesmo mundial em defesa da Amazônia e denunciar o desejo dessas potências, que é o de sua internacionalização. Só assim conseguiremos salvaguardar a floresta e a sua biodiversidade em benefício de uma nova ordem que beneficie os interesses da Amazônia, do Brasil e da humanidade.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/08/2002 - Página 15157