Discurso durante a 99ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a especulação financeira e os efeitos da crise econômica no nível de emprego.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Preocupação com a especulação financeira e os efeitos da crise econômica no nível de emprego.
Aparteantes
Heloísa Helena, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 02/08/2002 - Página 14830
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, AMPLIAÇÃO, ESPECULAÇÃO, BRASIL, AUMENTO, VALOR, DOLAR, DESVALORIZAÇÃO, REAL, CRISE, ECONOMIA, CRESCIMENTO, DIVIDA INTERNA, DIVIDA EXTERNA.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, SAUDE, TRANSPORTE, NECESSIDADE, URGENCIA, PROVIDENCIA, RECUPERAÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO.
  • COMENTARIO, DEPENDENCIA ECONOMICA, BRASIL, ECONOMIA INTERNACIONAL, AUMENTO, DESEMPREGO, CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, LIBERAÇÃO, BOLSA DE VALORES, PAGAMENTO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF).
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, SUBORDINAÇÃO, INTERESSE, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), ATUALIDADE, AUSENCIA, AUXILIO, COMBATE, CRISE, ECONOMIA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero manifestar minha preocupação ante a especulação financeira de que está sendo vítima o nosso País. O dólar atingiu uma escala de alta sem precedentes neste Governo, o que nos dá a certeza, infelizmente, segundo analistas de matérias econômicas, de que o Brasil está quebrado e falido e de que o Governo está totalmente atônito e perdido. A curto ou a médio prazos, não há solução para conter a alta do dólar, que já influencia nos preços, contribuindo, conseqüentemente, para a elevação do processo inflacionário que recrudesce a cada dia.

Essa onda especulativa é um péssimo sinal para um País mergulhado numa crise de descrédito de sua política econômica, que apenas fez gerar desemprego com as altas taxas de juros impostas, redundando no crescimento astronômico da nossa dívida pública, que era de R$60 bilhões no início deste Governo.

Como o dólar já passa de R$3,50, o montante da nossa dívida já deve estar ultrapassando os 800 bilhões de dólares. E vínhamos avisando. Vários foram os nossos discursos a respeito desse assunto. Antes de 1998, quando o Governo resolveu desvalorizar o real, já líamos aqui, colocávamos em evidência, artigos escritos por especialistas em economia no Brasil e no exterior, que davam conta da sobrevalorização do real, de que havia uma valorização artificial da nossa moeda, que, mais cedo ou mais tarde, desembocaria numa desvalorização abrupta do real e, conseqüentemente, numa valorização do dólar, elevando mais ainda as nossas taxas de juros para evitar o recrudescimento da inflação e mergulharmos no chamado ciclo vicioso, em que se aumenta a taxa de juros, a economia não cresce. Se as altas taxas de juros são reduzidas, há ameaça de inflação; se há inflação, há perdas salariais, segundo o receituário da economia capitalista.

De sorte, Sr. Presidente, que realmente estou impressionado com a desenvoltura dos especuladores, que, em face da eleição presidencial, conseguiram elevar o risco Brasil, que já ultrapassou a casa dos dois mil, enfraquecendo a nossa economia, fazendo com que os títulos da nossa dívida sejam recusados no exterior, com que os investidores corram do nosso País, e afinal o Governo, que tanto demonstrava tranqüilidade no sentido de que a nossa política econômica era a ideal para, num futuro bem próximo, encontrarmos os caminhos para a geração de emprego, para o crescimento do nosso País, e agora? O Governo apenas se preocupa em acusar os especuladores.

Ora, o mercado financeiro, já dissemos várias vezes, não tem alma, não tem sangue, não tem pátria, não tem solidariedade, se tivesse, não teríamos cerca de 800 milhões de pessoas passando fome e 100 mil pessoas - como foi denunciado no último encontro que tivemos em Roma - morrendo por dia no mundo, apesar de os Estados Unidos, por exemplo, e a Europa terem, juntos, 60% do PIB do mundo - significa dizer que o que prevalece, acima de tudo, hoje, no mundo, é a ambição desmedida de ganhar dinheiro, enquanto os problemas sociais se agravam.

No Brasil, a saúde e a educação não são prioridade, quando deveriam ser; os investimentos em habitação estão inteiramente abandonados; as estradas estão esburacadas, não havendo perspectiva alguma de conserto, de melhoria, o que prejudica substancialmente a nossa economia, porque o transporte está sendo prejudicado. Nós demos prioridade ao transporte rodoviário num país continental como o nosso, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados, abandonando inteiramente a possibilidade de uma economia baseada no transporte ferroviário e fluvial.

O rio São Francisco, por irresponsabilidade do próprio homem, teve sua navegabilidade totalmente prejudicada. Tínhamos mais de mil quilômetros de cursos de navegação, hoje reduzidos a pouco mais de cem quilômetros. Desde que Américo Vespúcio, em 1501, descobriu o “velho Chico”, ele apenas tem servido de instrumento para as regiões ribeirinhas, sem contrapartida alguma para sua revitalização, apesar do projeto de nossa autoria aprovado no Senado Federal e que se encontra na Câmara. Esse projeto, chamado PEC da Revitalização, abre perspectivas para a recuperação do “rio da unidade nacional” e também para a execução de projetos de desenvolvimento sustentável. É preciso providência urgentíssima dos escalões do Governo para que possamos recuperar, de uma vez por todas, o “velho Chico”.

Mas, Sr. Presidente, eu não poderia deixar de, vindo a esta sessão de reabertura, manifestar, como disse, a minha preocupação. Falo não apenas como um Senador da Oposição, mas como um brasileiro, que, como qualquer um que nos acompanha nesta sessão, brasileiro ou brasileira, sofrerá as conseqüências da crise por que passa o País. A taxa de desemprego se agravará, empresas fecharão suas portas, investimentos externos desaparecerão. O Brasil é um país altamente dependente da economia externa. Se não fosse, logicamente atravessaríamos esta trágica situação com maior facilidade. Mas o Brasil não incentivou seu mercado interno. Não contamos com poupança para estimular o consumo, os salários são baixíssimos. Para o quê dá o salário mínimo, de R$200? O Governo preferiu, então, preocupar-se com os grandes países, que são nossos grandes credores, e deixar de lado o mercado interno.

Observe, por exemplo, Senadora Heloísa Helena, que os carros continuam nos pátios das fábricas. Há pouco tempo um lenitivo, a conquista da classe média, eles estão, agora, ameaçados pela ferrugem. Se o brasileiro não tem dinheiro para comprar comida, vai ter para comprar carro?

Ora, Sr. Presidente, não estou a apontar soluções. Na verdade, as soluções já foram apontadas tantas e tantas vezes aqui. Seria uma repetição do que já dissemos. O Brasil esmerou-se no alinhamento ao capital financeiro internacional, que, realmente, é dominador, ambicioso e, como eu disse, não tem solidariedade. Quando há possibilidade de ganho, o capital entra no país; e quando há ameaça de perda, ele desaparece completamente.

Senadora Heloísa Helena, recordo-me de que, com voto contrário nosso, o Governo resolveu liberar as Bolsas do pagamento da CPMF. O funcionário público, o aposentado, as pessoas que ganham salário baixo não foram dispensadas do pagamento da CPMF, mas os especuladores que estão fugindo do nosso País foram. E nesta hora eles são solidários? Não, ao contrário, eles querem que o País quebre. O que se dizia era que se continuássemos cobrando CPMF dos investidores, eles desapareceriam. Não estamos cobrando CPMF deles e eles estão desaparecendo. A meu ver, o erro não é dos investidores que aparecem e desaparecem de um dia para o outro no País. O erro é do Brasil, é da política econômica errada e suicida implementada pelo Governo. E a prova está aí. Não fora uma política suicida, não estaríamos atravessando essa crise realmente humilhante. Deus queira que não sejamos uma nova Argentina.

O Sr. Lauro Campos (PDT - DF) - Senador Antonio Carlos Valadares, V. Exª me permite um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Senador Lauro Campos, concedo o aparte a V. Exª com muito prazer.

O Sr. Lauro Campos (PDT - DF) - Senador Antonio Carlos Valadares, quero congratular-me com V. Exª por estar tratando daquilo que constitui uma obrigação nossa. Realmente, a situação chegou a tal ponto que, pela leitura que faço, o Presidente da República jogou a toalha no chão, o País se encontra totalmente desgovernado, porque os mecanismos de administração utilizados eram totalmente perversos. As tais das âncoras, que segurariam o real e que se enferrujaram, eram todas baseadas principalmente na fome do brasileiro, na redução da demanda efetiva. O aumento da demanda efetiva, o excesso de consumo -- diziam eles, os neoliberais -- era o culpado pela inflação. Então, para combater a inflação, era preciso reduzir o consumo, reduzir a demanda. Assim, aumentaram a taxa de juros para 49% e a carga tributária para 34% ao ano; congelaram salários e investimentos durante quase oito anos. Desse modo, o que eu gostaria de dizer é que realmente V. Exª tem toda razão no que está apontando. Somos agora dominados por aquilo que nos impulsionava. O aumento da dívida externa chegou a tal ponto que o risco-País Brasil aumentou, a credibilidade no Brasil diminuiu e os banqueiros internacionais não nos emprestam mais. Secou-se a fonte! Durante 249 pronunciamentos que fiz, na Comissão de Assuntos Econômicos, tentei impedir o crescimento, o desenvolvimento, a dominação da dívida externa sobre nós. Duzentos e quarenta e nove vezes falei sobre esse assunto, tentando barrar essa enchente. Não adiantou! O que acho e repito - a primeira vez que falei foi em 1996 - é que estamos sendo vítimas de um “economicídio”. “Esse Governo, durante 8 anos, aplicou-nos uma receita “economicida” e será muito difícil recuperar ou, melhor dizendo, superar os problemas do Governo brasileiro, que vem seguindo a cartilha do FMI. Imaginem a Argentina e o Brasil dizendo que "estão fazendo o dever de casa". Isso é uma vergonha: "fazer o dever de casa"! Assim, chegamos a essa situação, que espero seja revertida pelas eleições. Tomara que haja uma mudança qualitativa na burocracia que nos permita superar parte dos problemas criados nessa Administração.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE) - Senador Lauro Campos, agradeço V. Exª pelo aparte. Trago aqui dados contundentes sobre a nossa realidade depois dessa escalada do dólar.

O Correio Braziliense de hoje traz o montante da nossa dívida no mês de julho, antes dessa última especulação: estamos devendo cerca de 65% do PIB. De tudo o que produzimos no País, 65% é para a dívida contraída, que era, no mês de julho, de R$833 bilhões. Ora, estamos no mês de agosto, e a alta do dólar levou nossa moeda à desvalorização de cerca de 50%.

Antes de terminar meu pronunciamento, trago mais dados importantes. Este ano, o Governo já cortou R$20 bilhões do nosso orçamento, prejudicando os programas sociais a que me referi anteriormente, e há previsão de que se cortarão não mais R$20 bilhões, mas R$30 bilhões até o final do ano. O País, portanto, está quebrado.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Antonio Carlos Valadares, concede-me V. Exª um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - CE) - Termino a minha participação nesta sessão, ouvindo, com muita honra, o aparte de V. Exª, Senadora Heloísa Helena.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Antonio Carlos Valadares, quero parabenizar V. Exª. Logo no início da sessão, eu conversava com o Senador Lauro Campos sobre a crise econômica, a respeito da qual certamente todos nós, da Oposição, já falamos muitas vezes, e V. Exª várias vezes, mas talvez ninguém mais do que o Senador Lauro Campos. Eu estava perguntando quantas vezes S. Exª já havia feito pronunciamentos sobre a questão da dívida, que foram cerca de 300. Já tivemos oportunidade de discutir que, como se não bastasse a falência desse tipo de modelo de desenvolvimento econômico -- ou seja, a inserção do Brasil na globalização de forma subordinada aos interesses do Fundo Monetário Internacional e das instituições multilaterais de financiamento, aos interesses comerciais das grandes nações --, a própria elite política e econômica decadente, incompetente e insensível que dá sustentação ao Governo Federal foi capaz de aterrorizar o mercado mais ainda, porque trouxe para o debate um interesse meramente eleitoral e ficou alardeando para todos os lugares do mundo que a vitória da Oposição poderia significar um aumento do risco, um risco maior do que o que já estava existindo. Esse procedimento criou mais problemas para eles mesmos, e é evidente que nenhum de nós comemora isso, porque o peso dessa crise não vai para a elite política e econômica, que continua no maior estresse, fazendo suas viagens internacionais; a crise vai para a população mais pobre, para o rapaz e a moça desempregados que vão para a marginalidade como último refúgio; para o pai e a mãe de família que se desestruturam completamente, indo ao alcoolismo; para as crianças que vão para a rua vender o corpo por um prato de comida. Logo, não há o que comemorar, e essa é uma crise anunciada. Muitas e muitas vezes isso já foi alardeado aqui e no meio da rua. Em vários lugares, já vinha sendo anunciada essa crise, mas o problema é que o único momento em que a elite nacional faz distribuição de renda é na época da eleição. Repito: o único momento em que essa elite faz distribuição de renda é no momento eleitoral; distribui fortunas em dinheiro para tentar comprar o voto da população mais pobre e, para gastar menos, empobrecendo mais ainda a população, abaixa o preço pago. Compartilho com a preocupação de V. Exª. Podemos buscar uma alternativa -- que acredito que exista --, não por meio de fórmulas mágicas. Entortar colheres e garfos é outra história, esses passes de mágica são outra história. Existem opções, muitas delas já discutidas pelo Congresso Nacional várias vezes. Por exemplo, já discutimos bastante a reforma tributária, mas ela não foi viabilizada. Critico muito o Senado e o Congresso Nacional, mas a crítica maior a esta Casa não é por não ter feito a discussão política e apresentado soluções para minimizar essa crise, mas por ter se subordinado aos interesses do Governo. Solidarizo-me com o pronunciamento de V. Exª e espero que possamos fazer a flexibilidade do calendário eleitoral, impulsionando o debate político e as alternativas concretas e ágeis, necessárias para a superação dessa crise, que afeta não uma minoria, mas que se instala na vida, no coração e no cotidiano da grande maioria da população pobre brasileira.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB -- SE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de registrar meu agradecimento aos Senadores Lauro Campos e Heloísa Helena por se pronunciarem e participarem deste debate.

Lamento que o Governo que seguiu religiosamente a famosa cartilha do FMI -- como disse V. Exª -- esteja agora sendo rejeitado por aqueles que a impuseram. O Ministro Malan enviou uma equipe aos Estados Unidos que voltou de mãos vazias, nada resolvendo. Os defensores daquela política, daquele modelo, daquele sistema que faliu nosso País estão dizendo que o Brasil cumpriu tudo à risca, atendeu às suas exigências. Então, este seria o momento de ajudar o pobre coitado do nosso País. Ora, se o Brasil está quebrado, a culpa é desse povo. Onde está a solidariedade deles? Estão de braços cruzados, esperando que o Brasil entre em débâcle. Mas esperamos que, nestes 60 dias antes da eleição, o debate recrudesça na televisão, no meio da sociedade, e encontremos a solução no voto, escolhendo um candidato a Presidente comprometido com o social, e não com os interesses dos mercadores internacionais.

Obrigado, Sr. Presidente.


Modelo1 12/21/243:29



Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/08/2002 - Página 14830