Discurso durante a 102ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o problema habitacional brasileiro.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • Reflexão sobre o problema habitacional brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 07/08/2002 - Página 15255
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • CRITICA, AUSENCIA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, REDUÇÃO, DEFICIT, HABITAÇÃO, NECESSIDADE, MELHORIA, SANEAMENTO BASICO, CRIAÇÃO, PROGRAMA, FINANCIAMENTO, HABITAÇÃO POPULAR, CLASSE MEDIA, COMBATE, INVASÃO, IMPLANTAÇÃO, SISTEMA, ESGOTO, BENEFICIO, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, SAUDE, CONTENÇÃO, VIOLENCIA.

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O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma das principais diretrizes de minha atividade parlamentar tem sido a luta pela extensão, a todos os brasileiros, do direito à moradia. Minha convicção é a de que o escandaloso déficit habitacional brasileiro - considerado em termos integrais, que incluem, por exemplo, a questão do saneamento - constitui um dos problemas fundamentais de nossa sociedade, estando mesmo na origem de muitas outras dificuldades enfrentadas atualmente pela Nação, porém mais presentes nos noticiários, como as questões da violência e da saúde.

Não se trata de mera impressão pessoal: o relatório final da Conferência das Nações Unidas sobre cidades e habitação, realizada em Istambul, na Turquia, em 1996, apontou para a correlação entre más condições de moradia e problemas de saúde e criminalidade.

A consistência desse cuidado ao longo dos anos, além de haver resultado em conquistas relevantes no âmbito de atuação de um parlamentar, como a inclusão do direito à moradia no art. 6º da Constituição, e a aprovação do Estatuto da Cidade, de que fui Relator, tem-me trazido o reconhecimento da sociedade, como atestam os freqüentes convites para participação em seminários e debates públicos sobre a questão habitacional por todo o País.

Nada pode ser mais reconfortante para um político - como os Srs. Senadores, militantes também desta profissão, bem o sabem - que receber esses frutos de reconhecimento.

Esta é uma situação, porém, na qual não podemos dormir sobre os louros das realizações passadas. Precisamos ter um olho sempre voltado para o futuro, para o que será preciso fazer amanhã. Isso é particularmente válido para aqueles, entre nós, que desejam obter das urnas, nas eleições deste ano ou em pleitos vindouros, um mandato para o Poder Executivo, em qualquer nível de governo. Precisamos traçar as ações concretas que faremos, quando estivermos na condição de decidir e executar as prioridades de empenho das receitas públicas, no caso de os eleitores assim resolverem.

            No nível federal, faz-se urgente a consolidação das ações de política urbana em um só órgão, pois a atual dispersão das ações não é racional nem produtiva. A criação de um conselho nacional de política urbana, por exemplo, é uma sugestão a ser estudada, com o fim de conferir substância aos avanços obtidos a partir do Estatuto da Cidade.

Os Estados federados podem estabelecer planos de integração em suas microrregiões, de modo a conter as migrações internas em direção a suas cidades médias e metrópoles. Nesses planos, é fundamental que um planejamento seja feito para as obras de saneamento, para que não se façam mais assentamentos urbanos em bairros com casas, mas sem serviços de água ou esgoto, como aconteceu em muitos casos, por exemplo, quando da remoção de favelas cariocas.

Os municípios também têm sua margem de atuação, no planejamento urbano, com a ordenação dos espaços e o estabelecimento de gabaritos adequados para as edificações, de modo a não sobrecarregar redes de serviços em certas áreas, enquanto outras partes das cidades permanecem sem atendimento de suas necessidades.

Em todos os níveis, a questão dos recursos para os planos habitacionais é crucial. Para as populações de baixíssima renda, as verbas terão de ser alocadas a fundo perdido, porque não é possível cobrar mais nada desses contingentes demográficos pauperizados e miseráveis. Para as camadas de renda média, fazem-se necessários programas adequados de financiamento que não os endividem além de suas capacidades, como ocorre atualmente com os absurdos saldos devedores que crescem sempre, por mais que as pessoas paguem suas parcelas de amortização.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há outra palavra para descrever a situação de nosso déficit habitacional: trata-se de um escândalo, da maior prova de nossa incompetência como Estado e como Nação nesses cinco séculos desde o Descobrimento. São quase 5 milhões e 300 mil unidades habitacionais urbanas que já deveriam existir e nunca foram construídas; de outro lado, um milhão e 200 mil unidades habitacionais carecem nossas áreas rurais. Quando se sabe, a partir de dados do IBGE, que há, em nossas cidades, cerca de 5 milhões de unidades de moradia não ocupadas, fechadas ou simplesmente vagas, torna-se clara a possibilidade da adoção de medidas que combatam essa subutilização.

O combate às invasões e, de maneira geral, à moradia ilegal, deve ser também contemplado pelas administrações municipais. Segundo a Associação Brasileira de Cimento Portland, os dados de consumo de cimento indicam que cerca de metade da produção do insumo no Brasil se destina à construção clandestina.

Não se pense que o propósito de deter as invasões é uma postura antipovo ou preconceituosa. Na verdade, os bairros populares que se formam por invasão - ou seja, as favelas - provocam o aumento do estresse sobre os serviços urbanos em geral, mas, sobretudo, das redes públicas de saneamento. Sabemos que as pessoas de baixa renda assentam-se onde conseguem, muitas vezes com o apoio de demagogos, justamente pela falta de uma política de habitação que lhes possibilite obter moradia decente, dentro de um plano urbano previamente traçado.

Nesse sentido, Brasília - paradoxalmente uma cidade planejada - é provavelmente o maior exemplo, no mundo, de insuficiência de planejamento urbano em relação ao afluxo populacional que sua construção gerou, no Distrito Federal e em Goiás. Erro que não devemos permitir que se prolongue ou que se repita.

Nosso desordenado crescimento urbano, não acompanhado pela expansão da rede de serviços de saneamento, resulta nestes números terríveis: um terço de nossas residências não são servidas por rede de água encanada, e nada menos de dois terços não são servidas por rede de esgoto sanitário. Sofre com isso a saúde da população mais pobre.

De fato, os índices de mortalidade infantil por doenças infecto-contagiosas, sobretudo nas Regiões Norte e Nordeste, colocam o Brasil na companhia dos países mais pobres do globo. Não é de surpreender, por outro lado, que nosso meio ambiente - sobretudo nossos rios, escoadouros de toda a sujeira e agentes propagadores das infecções - sofra os efeitos do descaso.

O prejuízo ambiental poderá fazer com que o Brasil perca um de seus maiores bens naturais: a abundância de água doce. Água que haverá de ser, neste século, por sua escassez, um fator de guerras e disputas por todos os quadrantes da Terra. A falta de uma política social e habitacional, se não agirmos desde já, nos trará mais este custo, o de nos tornar mais um dos países sem água de qualidade.

O Brasil não pode mais aceitar que os planos de governo na área habitacional continuem sempre aquém das necessidades, condicionados à prioridade concedida ao pagamento do serviço da dívida externa e à ciranda dos especuladores estrangeiros em nossa bolsa de valores. Não tenhamos dúvidas: os eleitores haverão de preferir, nas eleições de outubro, os candidatos majoritários que apresentarem planos convincentes de ação para a redução do déficit de moradias, sem a demagogia das soluções fáceis e ao atropelo da Lei. Já se consolida a consciência da relação entre descumprimento do direito à moradia e os problemas de precariedade da saúde e de acirramento da violência.

Não há mais espaço para a inação governamental em relação ao problema habitacional, Srs. Senadores.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/08/2002 - Página 15255