Discurso durante a 105ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração dos 10 de fundação da Central Estadual de Associações de Assentados e Pequenos Agricultores - CEAPA, de Alagoas.

Autor
Teotonio Vilela Filho (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AL)
Nome completo: Teotonio Brandão Vilela Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SAUDE.:
  • Comemoração dos 10 de fundação da Central Estadual de Associações de Assentados e Pequenos Agricultores - CEAPA, de Alagoas.
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/2002 - Página 16568
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SAUDE.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, ENTIDADE, ESTADO DE ALAGOAS (AL), APOIO, ASSOCIAÇÕES, COOPERATIVA, SINDICATO, REFORÇO, AGRICULTURA, ECONOMIA FAMILIAR, HABILITAÇÃO, MÃO DE OBRA, PREPARAÇÃO, POPULAÇÃO, SUBSISTENCIA, DIVERSIDADE, CLIMA.
  • IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, ENTIDADE, ESTADO DE ALAGOAS (AL), REIVINDICAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO SEMI ARIDA, EXTENSÃO, BENEFICIO, PEQUENO PRODUTOR RURAL.
  • ELOGIO, RESULTADO, PROGRAMA, MEDICINA PREVENTIVA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), MELHORIA, ATENDIMENTO, QUALIDADE, SAUDE, POPULAÇÃO.

O SR. TEOTÔNIO VILELA FILHO (Bloco/PSDB - AL) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Alagoas comemora este mês os dez primeiros anos da Central Estadual de Associações de Assentados e Pequenos Agricultores, a CEAPA, uma instituição que reúne cerca de 200 associações e 2.500 famílias em todas as quatro regiões do Estado. Mais que a primeira década de uma entidade de apoio e fortalecimento a associações, cooperativas e sindicatos, o Estado pode celebrar o sucesso de uma abordagem diferenciada da agricultura e da própria zona rural e uma visão também diversa da inserção no movimento social e na vida do nordestino mais pobre.

A CEAPA, na verdade, trabalha com o fortalecimento da agricultura e da economia familiar, a partir, sobretudo, da formação e capacitação de mão-de-obra, do trabalho junto a grupos de mulheres e de trabalhadoras rurais e da preocupação com o meio-ambiente. Mais ainda, a CEAPA se apóia na convicção de que o mais importante, em termos de Nordeste, não é o combate à seca, mas ensinar e preparar o nordestino para conviver com a seca. É auspicioso perceber que uma entidade de apoio a pequenos agricultores e a assentados percebe, com clareza e pertinência, o que, por absoluto desconhecimento da realidade local, muitas instituições universitárias e até programas de governo têm dificuldade de compreender: que é mais fácil aprender a conviver com o clima do que tentar modificá-lo.

Gostemos ou não, a seca do Nordeste é uma realidade com a qual nenhum Governo conseguirá acabar. Resta a obrigação de todos os governantes estruturarem a região e, sobretudo, prepararem seus habitantes para sua inevitável e cíclica incidência. Implementar a diversificação de culturas, o manejo sustentável da caatinga e a conservação dos solos muito rasos e extremamente erodidos da região, a partir de programas de reflorestamento e da definitiva erradicação da praga das queimadas.

Não faltará quem diga, até por puro e inexplicável preconceito contra os pequenos, que essa visão de agricultura familiar é incompatível com as exigências de uma economia de escala. Não faltará quem diga, até por ignorância da realidade social do próprio Nordeste, que esse tipo de agricultura não responderá aos desafios e às necessidades da região e do Brasil, mesmo resolvendo questões pontuais e individuais de emprego e de renda.

Há dados, no entanto, que não podemos desconhecer: a agricultura de mercado, no Brasil, a que mais produz excedentes exportáveis, não é a que produz a cesta básica, que advém, em 70%, da produção familiar. Alagoas, que deve à agricultura boa parte de sua receita de exportação, importa mais da metade dos alimentos que consome.

Ninguém desconhecerá a importância da agricultura de mercado e do próprio agrobusiness para o desenvolvimento do País, para o desempenho de suas exportações. Mas as atenções à grande agricultura não são de modo algum incompatíveis com o apoio que o governo deve emprestar, obrigatoriamente, à agricultura familiar. E não apenas pelo que essa agricultura dos pequenos pode produzir em termos de alimentos para o homem da zona rural. É ela que mais emprega mão-de-obra e, conseqüentemente, mais retém o homem na zona rural. Os dois tipos de agricultura não são conflitantes, muito menos excludentes.

O que instituições como a CEAPA, de nossa Alagoas, estão pedindo ao Governo Federal não se constitui sequer em privilégios, mesmo merecidos, mas apenas a extensão aos pequenos agricultores de benefícios já concedidos aos grandes ou aos assentados. O que se pede são simples mudanças de políticas, mudanças de enfoque na abordagem da questão regional e no enfrentamento dos problemas do Semi-árido.

O que eles pedem, por exemplo, é que seja mudado o eixo da política governamental para o Semi-árido, de tal forma que se contemple claramente, prioritariamente, a acumulação de água nas propriedades. Esta reivindicação não se baseia apenas na experiência de quem vive o dia-a-dia dos sertões mais tórridos, mas se fundamenta nos dados científicos que mostram e comprovam à exaustão que o que falta no Nordeste não é água: é política de água.

O Semi-árido nordestino é o mais chuvoso do mundo. Em boa parte do Semi-árido chove tanto quanto em Paris e há regiões dos sertões nordestinos com precipitações superiores a 1.500 e 1.600 milímetros/ano. Toda essa água, no entanto, escoa, se esvai e se perde, por falta de uma política pertinente de acumulação.

Nem se reivindica, no caso, que se construam grandes barragens - a marca da política dos órgãos de combate à seca dos anos 50 do século passado; nem se pedem, até pelo contrário, grandes obras, remotas na sua viabilidade econômico-financeira, e imprevisíveis no seu impacto ambiental, como a transposição do Rio São Francisco. O que se pede são obras simples como as cisternas de lona, de custos unitários inferiores aos mil reais, mas com capacidade de acumulação de cerca de 15 mil litros, suficientes para o abastecimento de uma família sertaneja por cinco ou seis meses seguidos com água de boa qualidade.

O que se pede é que se estendam aos pequenos agricultores benefícios já garantidos aos assentados, por exemplo, na renegociação de dívidas junto aos bancos oficiais. Se os assentados, que agora conseguem terra, podem ter um rebate justo de 70% de suas dívidas, por que essa anistia só é de 20% para o pequeno agricultor? Por que a diferença de percentual, sobretudo levando-se em conta que os pequenos agricultores, que já estavam na terra quando os assentados ainda lutavam por seu chão, tiveram que enfrentar secas como as provocadas pelo El Niño há meros dois anos?

Encaminhei, com alegria e por questão de justiça, esses pleitos ao Ministro Pedro Parente, a quem fiz questão de apresentar um argumento que não faz parte apenas do ideário, da vivência e do cotidiano da CEAPA, mas da observação mais acurada do pesquisador mais atento: não se resolverá o problema das cidades sem se resolver antes o problema do campo e do êxodo rural.

O enfrentamento dos problemas das periferias das grandes cidades começa, na verdade, com o combate ao êxodo rural, que existe menos por dificuldades de acesso à terra e mais, muito mais, porque os que têm terra, os pequenos agricultores estão sendo forçados a sair do campo, pela impossibilidade de viverem e de criarem suas famílias com o produto da própria terra. Faltam políticas mais eficientes de preço mínimo, de apoio à comercialização, de incentivo a uma agroindústria que agregue valores à matéria prima produzida pela agricultura familiar.

Muito já avançamos, com a criação de bolsas de complementação de renda para o homem do campo, especialmente o mais pobre e o mais vulnerável à seca e às instabilidades climáticas. Mas é preciso avançar muito mais. Para que o sertanejo, para que o pequeno agricultor do semi-árido possa ter, enfim, horizontes menos sombrios que a caatinga que delimita suas vidas e suas esperanças. Para que o Nordeste possa sonhar com a efetiva integração econômica e social com o Brasil. E para que nossas cidades não agravem, ainda mais, a perigosa explosão de suas periferias, inchadas da miséria mais desumana. O Semi-árido nordestino, enfim, quer e pode deixar de ser um problema. Basta que o Brasil queira, de verdade, encontrar uma solução.

Pretendo abordar, ainda nesta oportunidade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, outro tema.

O Brasil viveu, há poucos dias, um marco de desenvolvimento social que só a história conseguirá dimensionar na abrangência de sua importância e na importância de seu simbolismo. O Brasil atingiu, este mês, a marca e o recorde de 50 milhões de pessoas atendidas no Programa Saúde da Família - um contingente superior às populações conjuntas do Uruguai, Paraguai e Argentina, nossos sócios do Mercosul. Superior, ainda, às populações de países inteiros do Primeiro Mundo, como, por exemplo, Canadá e Espanha, e muito próxima da população da Itália e da França, por exemplo.

Um dos aspectos mais significativos nessa conquista talvez seja a pouca cobertura do próprio Programa de Saúde da Família, por parte da Imprensa, o que, em vez de diminuir sua importância, mais ressalta sua presença. Afinal, o PSF deixou de ser novidade, para ser constância; deixou de ser notícia para virar rotina; deixou de ser promessa e sonho, para virar prática de governo.

Em apenas oito anos, o PSF saltou de 328 para mais de 15 mil equipes, o salto mais espetacular em programas de saúde preventiva e de massa, em todo o mundo. Em apenas oito anos, o Programa saltou de algumas dezenas de municípios atendidos para mais de quatro mil cidades cobertas. Saltou de um milhão de pessoas atendidas para 50 milhões de beneficiários diretos do Programa.

Registre-se, por questão de justiça, que o PSF foi criado na gestão do Ministro da Saúde, Henrique Santillo, quando era Presidente da FUNASA o médico sanitarista Álvaro Antônio Machado, que hoje empresta sua competência e dedicação profissional à Secretaria de Saúde de Alagoas. Desde sua criação até hoje, o PSF tem recebido a mesma e segura direção da enfermeira Heloísa Machado, diretora do Departamento de Ação Básica do Ministério da Saúde - e certamente na unidade de orientação, na continuidade de sua execução está uma das razões do êxito do programa.

Registre-se, da mesma forma, o impulso que teve o PSF a partir da gestão do Ministro José Serra: os recursos orçamentários para os serviços de atenção básica saltaram, nos últimos anos, de 1,5 bilhão em 1996, para 5 bilhões este ano. Ninguém desconhecerá que, entre nós, ainda há passos a avançar, mas ninguém poderá negar que, nesses últimos anos, a saúde deixou de ser uma fonte crônica de problemas para se tornar uma área que avança, auspiciosamente, com segurança, nas soluções já em implantação. 

Os números desse avanço são eloqüentemente expressivos. Em dez anos, a mortalidade infantil caiu 38% no Brasil. Nas áreas atendidas pelo PSF, esse índice recuou 15% em apenas três anos, de 99 até o final do ano passado. Nessas áreas, a cobertura de vacinas contra o sarampo, BCG e poliomielite chegou a 100% ; a cobertura da vacina tríplice chegou a 95%.

O número de consultas pré-natal, através do SUS, mais do que dobrou, de 4,2 milhões para 10 milhões de mulheres, nos últimos cinco anos. Nas áreas do PSF, 96% das gestantes têm acompanhamento mensal durante a gravidez. O exame preventivo do câncer do colo do útero cresceu vinte vezes nas áreas atendidas pelo programa. São menos pessoas nos hospitais, mais crianças para o futuro do Brasil, uma população muito mais saudável para construir nosso desenvolvimento. 

São significativos os avanços da saúde, mas não menos alentadores os números da própria inclusão social, pois o PSF, em sua busca de universalização do atendimento, é na verdade um gigantesco programa de democratização do desenvolvimento e de redução de disparidades regionais. O Programa aloca mais recursos exatamente para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, as mais carentes, as que é preciso e é urgente aproximar dos centros mais dinâmicos e mais prósperos da economia nacional.

O Nordeste, por exemplo, já tem 42% de sua população atendidos pelo Programa. Em Alagoas, a cobertura já chega a 98% dos municípios e 71% da população do Estado.

As equipes do PSF, integradas por médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e pelo menos quatro agentes comunitários de saúde, conhecem cada um dos 50 milhões de assistidos, com nome, endereço, histórico de saúde, condições sanitárias da casa, do bairro e da região. Pela primeira vez em nossa história, as políticas de saúde procuram evitar as doenças ou, no máximo, evitar que as doenças se agravem. 

E como a execução do Programa está diretamente vinculada ao Município, há uma clara descentralização administrativa e um inegável fortalecimento dos controles sociais. Quase tudo o que o Ministério da Saúde pede às Prefeituras é que elas nomeiem um Conselho constituído por um mínimo de 50 por cento de pessoas da comunidade para fiscalizar a execução do programa. Ou seja, que promovam a Saúde e garantam a plena transparência e o absoluto controle social do programa.

E, de fato, cada equipe do PSF é aprovada pelos Conselhos Municipais de Saúde e pelo Ministério da Saúde. Todas as informações estão disponíveis para a população através da Internet, inclusive os valores repassados mensalmente a cada município.

Ao governo federal, ao Ministério da Saúde não importam nem a orientação política nem a filiação partidária de qualquer prefeito. Esse, afinal, é um programa não para ganhar eleições, é um programa para vencer a miséria, repartir o bem-estar e redimir o Brasil.

Em Alagoas, mesmo, lutei para levar ao Estado inteiro as equipes do PSF sem perguntar sequer quem é o Prefeito de cada um deles. Hoje, volto a insistir, o Programa está presente em 98% de nossos municípios, alguns deles administrados por adversários históricos. Mérito deles, que entenderam o sentido social do Programa. Mérito do Brasil, que está sabendo, com maturidade, separar interessar partidários de objetivos de políticas públicas.

Por trás desses números tão significativos, louve-se uma filosofia revolucionária. O PSF representa uma mudança concreta e profunda do modelo assistencial tradicional, na medida em que estabelece uma relação permanente entre os profissionais e a população assistida, marcada por um atendimento humanizado, personalizado e resolutivo dos problemas de saúde mais freqüentes. O PSF representa, em última análise, a predominância do modelo preventivo sobre o velho e tradicionalíssimo modelo curativo.

Acima de tudo, o PSF é um programa que veio para ficar, como premissa de uma nova visão de saúde e de cidadania, como senha de um novo modelo de desenvolvimento. O Governo caminha, hoje, para a universalização do atendimento. Aumenta a adesão dos municípios de médio e grande porte, garantindo não apenas a expansão dos programas, mas apressando o dia em que todos os brasileiros serão atendidos com médicos na própria casa. Já agora, o PSF reúne 220 mil novos profissionais de saúde voltados essencialmente para esse novo modelo preventivo e efetivo.

Eles formam uma realidade absolutamente nova no panorama da saúde do Brasil, que é preciso reconhecer e regulamentar. Tomei a iniciativa de propor a essa Casa a regulamentação da profissão do Agente de Saúde, que tem sido peça fundamental nos procedimentos de atenção básica do Brasil e no sucesso do Programa de Saúde da Família. É preciso curvar-se à realidade histórica do surgimento de uma nova e já numerosa categoria profissional, impensável há meros dez anos, mas que, daqui a pouco, já estará presente em todos, rigorosamente todos os municípios brasileiros. Eles formarão uma rara categoria presente em todo o Brasil, dos municípios mais prósperos às menores e mais remotas cidades dos mais longínquos pedaços do país. Contribuindo decisivamente para o desenvolvimento do Brasil, mas, sobretudo para a consolidação da cidadania.

Ninguém desconhecerá, a propósito, que a melhor maneira de vencer a miséria e repartir o bem-estar é promover o desenvolvimento que garanta emprego, que gere e distribua renda - e tudo isso depende mais de políticas econômicas que de políticas de saúde ou de assistência social. Mas a ninguém será lícito admitir que enquanto não chegam os resultados de políticas econômicas que se desejam se adiem as medidas de política social que se impõem.

Com o PSF, a luta contra à miséria, contra a mortalidade infantil e contra a mortandade geral tem, agora, outro calendário. Ainda não é o ponto de chegada que esperamos, mas já representa o ponto de partida com que sonhamos.

Haverá quem diga que não é o suficiente. E todos concordaremos, porque, apesar dos esforços, a cobertura do Programa ainda é inferior aos 50% - embora nos Estados e municípios mais pobres já esteja acima dos dois terços. A cobertura ainda está longe de ser plena, mas já pode ser plena a esperança de que vamos atingi-la em breve para toda a população carente.

 Há desafios ingentes a considerar, como o dessa indispensável universalização de atendimento; o da ampliação das unidades básicas de saúde; o do aumento da distribuição dos medicamentos básicos, por exemplo, para citar apenas alguns.

Todo o sistema de saúde exige novos aperfeiçoamentos, mais que simplesmente outros investimentos, de modo a tornar mais efetiva a democratização do desenvolvimento e do bem-estar. Mas o PSF é um primeiro passo, que me permito saudar com a esperança de quem chega agora dos sertões e dos confins de nossa Alagoas, e de quem pode testemunhar nas cidades mais remotas, na mais tórrida zona rural de nosso Estado, a satisfação e a emoção de milhares de pessoas, sobretudo de mães e crianças pobres, que agora já podem contar com um sonho que parecia distante: a assistência médica garantida, o médico na própria casa. O futuro que queremos, com certeza, ainda está longe, mas já estamos dando o primeiro passo. E, com a graça de Deus, muitos outros passos virão, para a consolidação do desenvolvimento, da justiça e da cidadania.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/2002 - Página 16568