Discurso durante a 106ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre as angústias da população brasileira, observadas em suas viagens pelo País.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. ELEIÇÕES.:
  • Reflexões sobre as angústias da população brasileira, observadas em suas viagens pelo País.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares.
Publicação
Publicação no DSF de 04/09/2002 - Página 16689
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. ELEIÇÕES.
Indexação
  • ANALISE, APREENSÃO, POPULAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, AUMENTO, DESIGUALDADE SOCIAL, DESEMPREGO, AUXILIO, VIOLENCIA, AUSENCIA, SEGURANÇA, FAMILIA, PAIS.
  • REGISTRO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, AUSENCIA, SEGURANÇA PUBLICA, AUMENTO, ROUBO, GADO, REGIÃO NORDESTE, APREENSÃO, PRODUTOR RURAL, REGIÃO.
  • IMPORTANCIA, NECESSIDADE, GOVERNO ESTADUAL, INVESTIMENTO, SEGURANÇA PUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, POLICIA, EDUCAÇÃO, CRIAÇÃO, EMPREGO, AUXILIO, REDUÇÃO, VIOLENCIA.
  • SOLICITAÇÃO, ATENÇÃO, ELEITOR, ESCOLHA, CANDIDATO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GOVERNADOR, PAIS, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, SITUAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, IMPORTANCIA, DEBATE, REFORMA TRIBUTARIA.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aproveito o pronunciamento do Senador Antonio Carlos Valadares para também fazer algumas reflexões sobre questões que têm sido levantadas nas nossas diversas viagens, em conversas com a população; trata-se de algumas angústias e preocupações que a população brasileira vem demonstrando.

Acredito que, se forem feitas pesquisas - e já vi os resultados de algumas - a respeito das duas principais preocupações que o brasileiro tem hoje - e isso vale tanto para as cidades grandes quanto pequenas nas diversas regiões do Brasil -, sem dúvida alguma, a segurança e o desemprego serão citados com maior freqüência. E não é à toa que ambas têm uma relação entre si. Não é nenhuma novidade dizer que o esgarçamento do tecido social, o aumento das desigualdades sociais, o aumento do desemprego são fontes da violência e da insegurança que hoje preocupam milhões de pais e mães de família brasileiros. A sociedade brasileira está perdendo uma parcela daquilo que é o maior patrimônio de qualquer país, de qualquer Estado: a juventude, da qual uma parte expressiva, por falta de perspectiva, por queda da sua auto-estima, por não encontrar emprego, acaba se entregando à marginalidade, ao tráfico de drogas, à prostituição.

Nós dos Partidos de Esquerda sempre tivemos dificuldade em debater segurança porque, de modo geral, tínhamos uma certa tendência a ficar meramente no discurso sociológico - que é válido, que é real. Sempre tivemos dificuldades em ir um pouco além disso. Felizmente, creio que temos superado essa questão nos últimos anos e temos tido condições de formular propostas concretas a curto, médio e longo prazos para atacar esse problema fundamental hoje para o Brasil, que é a questão da segurança. Problema que aflige todos os brasileiros, que não é específico das periferias das grandes cidades, embora saibamos que nesses locais ele é ainda mais grave. Nós que percorremos todo o sertão sergipano - como já registrou o Senador Antonio Carlos Valadares - temos visto que essa é uma preocupação do homem do campo, do sertanejo. Há hoje um aumento de roubo de gado e de criações nas pequenas propriedades do sertão do Nordeste de um modo geral, o que tem agravado o grau de insegurança da população. É necessário que o Estado se empenhe para diminuir esse problema, combinando as duas formas de atuação que necessariamente deverão ser desenvolvidas: o investimento na área social, na educação e o investimento na geração de emprego, a fim de estancar a produção de mais violência. O investimento em medidas de natureza estrutural do aparelho de segurança irá modernizá-lo, garantir que ele previna o crime e o combata. Não há grandes novidades em relação às propostas apresentadas. Todas falam a respeito da integração entre a Polícia Civil e a Polícia Militar. Não se trata da questão da unificação. Eu, particularmente, sou a favor dela. Mas esse é um tema que tem um caráter polêmico bastante grande e que pressupõe, inclusive, uma emenda constitucional para que seja aprovado. Mas a unificação só se dará se precedida de um processo de integração entre a Polícia Civil e a Militar.

É necessário que a sociedade de um modo geral seja inserida por meio das suas organizações e das suas entidades representativas na discussão sobre a segurança pública. A segurança não interessa apenas à Polícia ou ao Governo. Ela interessa principalmente ao conjunto da sociedade. Portanto, essa sociedade deverá estar representada em todos os organismos participantes da discussão, não só da política de segurança mas também do aspecto orçamentário. Daí a necessidade dos conselhos nacional, estaduais e municipais de segurança pública em que a sociedade, por meio de suas entidades representativas, venha a participar ativamente desse debate, inclusive com sugestões quanto à definição das linhas gerais de segurança.

Não adianta falar em segurança pública sem investir naquele que é o seu agente principal: o policial. Dizer que é possível garantir a segurança do cidadão na sua plenitude, com competência e qualidade, sem fornecer treinamento para as pessoas responsáveis por desempenhar esse papel, sem lhes dar equipamento para garantir a sua própria segurança, sem lhes dar salário digno, é ficar somente no discurso sobre melhoria da segurança sem efetivamente garanti-la. Digo isso ao lado do Senador Antonio Carlos Valadares, reconhecido por toda a sociedade sergipana, particularmente pelos policiais militares do nosso Estado, como o Governador que mais fez, do ponto de vista salarial e de condições de trabalho, por essa importante corporação. Também não se pode esquecer o investimento que, necessariamente, precisa ser feito na área de polícia técnica, de processos de investigação, a fim de que os crimes venham a ser elucidados de forma científica e não apenas no velho e tradicional processo que, infelizmente, ainda acaba prevalecendo em grande parte das delegacias no Brasil: o da pancada.

Portanto, Sr. Presidente, este é um tema que, como eu já disse, está relacionado diretamente com a questão social e a retomada do crescimento econômico, do investimento e do próprio modelo de desenvolvimento. Necessariamente, ele deve ser objeto de discussão e de preocupação dos democratas, até porque nós sabemos que, quando surge essa situação de insegurança, acabam vicejando algumas propostas absolutamente medievais de política de extermínio, de pena de morte, como se isso fosse resolver o problema.

O nosso Estado de Sergipe, infelizmente, em anos passados, acabou sendo citado em relatório da Anistia Internacional em função do projeto chamado de A Missão, que desenvolveu verdadeira política de extermínio no interior de Sergipe, particularmente no sertão. O pior é que hoje esse tipo de ação é objeto de debate na campanha eleitoral de um candidato que aborda isso como algo positivo, dizendo que naquela época garantia-se segurança aos cidadãos. Na verdade, ocorreu o extermínio de bandidos e de seus parentes e também de pessoas honestas, o que, de forma nenhuma, tem promovido segurança ao sertanejo ou combatido a violência. Na realidade, o que houve foi um momento de terror, de pavor, que, a princípio, certamente serviu para espantar a marginalidade. Contudo, não se trata absolutamente de medida eficaz a médio e longo prazos, porque acaba voltando-se contra os agentes daquele tipo de ação.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Permite-me V. Exª um aparte, eminente Senador José Eduardo Dutra?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT - SE) - Pois não, com muito prazer, ilustre Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Senador José Eduardo Dutra, V. Exª está realmente focalizando um assunto da mais alta importância para a sociedade brasileira. Esse é um tema atual, que tem sido motivo de debates não apenas no Senado Federal, mas também e notadamente na campanha eleitoral. Todos os candidatos estão prometendo acabar com a violência. Além de policiamento ostensivo, é preciso dar à polícia estrutura para o bom funcionamento, com preparo e qualificação adequada, com remuneração compatível com o exercício de função tão arriscada quanto a de policial. Além disso, temos de nos preocupar com a educação generalizada. Há, neste momento, a preocupação com a bolsa escola. Sem dúvida, essa oferta do Poder Público atrai, porque quanto mais crianças estiverem na escola mais possibilidade de remuneração para as famílias pobres. Entretanto, acredito que a educação não se restringe à oferta de bolsa escola. Ela inclui também o preparo intelectual dos professores, a qualificação e o treinamento profissional deles, a realização de cursos intensivos para o magistério, além de incentivos para que continuem na sua atividade. Hoje há um desestímulo completo não só de professores do ensino fundamental, como também de professores do ensino superior, porque a remuneração, realmente, é muito baixa. Por isso muitos estão abandonando a sua atividade. Então, investir na educação significa investir na criança, no homem de amanhã. Quer dizer, a segurança pública é importante, sem dúvida, mas a base fundamental para uma sociedade organizada, menos violenta e capaz de enfrentar os desafios do desenvolvimento econômico, é a educação. Eu gostaria de aproveitar a oportunidade em que V. Exª se refere a assuntos tão atuais, para fazer uma crítica ao Governo no que diz respeito à reforma tributária. Eu falei antes, mas esqueci de referir-me a esse ponto. A reforma tributária tem sido reclamada desde 1995, quando o Governo enviou ao Congresso Nacional a PEC n.º 175/95, época em que o Senador José Serra, atual candidato a Presidente da República, era Ministro do Planejamento e Orçamento. Ora, essa proposta teve parecer favorável do Deputado Mussa Demes. Houve ampla discussão, envolvendo empresários e segmentos interessados na aprovação de uma reforma que viesse a proteger a produção, o assalariado, o trabalho e, afinal, a nossa economia. Entretanto, essa reforma tributária não ocorreu, porque o Governo, na prática, mandou que a Câmara dos Deputados a enterrasse, ou seja, a colocasse numa gaveta, onde ela continua. De repente vemos a crise da elevação do dólar e o Governo, pressionado por essa crise, resolveu criar uma minirreforma. Ora, ao ler um artigo hoje, vi que ela tem vantagens e desvantagens para a sociedade. Começarei citando uma vantagem: ela permite uma dedução no Imposto de Renda das empresas que estão investindo em inovação tecnológica e em pesquisa. Considero muito bom que o Governo proponha isso. Agora, apontarei uma desvantagem, principalmente para os mais pobres. Ultimamente, fomos sacrificados com a alta do preço do gás de cozinha, que é um insumo importante para todas as donas-de-casa do Brasil. O Governo aumentou o preço para R$30,00; como houve reclamação generalizada, resolveu baixá-lo um pouco. O Governo retirou a incidência do PIS sobre alguns produtos, entretanto deixou de lado o óleo diesel e o gás de cozinha. O diesel é o combustível responsável pelo transporte de todas as mercadorias no Brasil, já que o transporte ferroviário e o marítimo praticamente não existem. Apesar de ser o carro-chefe do transporte brasileiro, não recebe nenhum incentivo. Ao contrário, continua com as alíquotas mais altas, mais de 2,5%. O mesmo ocorreu com o gás de cozinha, que também não obteve nenhum incentivo do Governo na medida provisória que tratou dessa minirreforma tributária. Fez-se uma reforma tributária, sacrificando setores da economia, como os consumidores de baixa renda, e um setor tão importante quanto o dos transportes, cuja base é o óleo diesel. É uma iniqüidade essa reforma tributária, a qual não terá nenhuma conseqüência para o desenvolvimento do País. Acredito até que o Governo brasileiro fez isso para dizer ao FMI que estava tomando alguma atitude em face da crise avassaladora que se abateu sobre o Brasil com a desvalorização da nossa moeda.

Senador José Eduardo Dutra, agradeço a V. Exª a paciência com que me ouviu nesse longo aparte no qual falei de vários assuntos.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT - SE) - Muito obrigado, Senador Antonio Carlos Valadares, pelo seu aparte. V. Exª tratou de outros assuntos porque realmente são inter-relacionados. Isso acontece quando discutimos política. Sabemos que a violência e a segurança têm a ver com a educação, com as condições sociais e com o emprego. Ao falarmos de emprego necessariamente temos de falar em política econômica, em modelo de desenvolvimento e, conseqüentemente, acabamos desaguando na discussão dos impostos.

Vou começar pela questão final, a da reforma tributária, assunto que foi debatido durante muito tempo no Congresso Nacional. Esse é um tema sobre o qual só há consenso no título, porque todos dizem que são a favor de uma reforma tributária. O problema consiste em saber qual reforma tributária e como conciliar os diversos interesses. Quando falam de reforma tributária os empresários pensam em diminuir imposto; o Governo, por sua vez, pensa em aumentar a arrecadação. Além disso há a questão da compatibilização entre a distribuição dos impostos. Vivemos numa federação, portanto é preciso haver a distribuição entre União, Estados e Municípios, todavia, nenhum dos entes federados quer perder recursos; daí a dificuldade de se chegar a um consenso mínimo.

É fato que o Congresso Nacional conseguiu construir um consenso mínimo, que resultou no relatório do Deputado Mussa Demes na Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Aquele consenso não evoluiu porque o Governo concretamente “botou uma pedra em cima” e impediu que a discussão daquele assunto continuasse.

Necessariamente o novo Governo, seja qual for o Presidente que assumir - naturalmente espero que seja o candidato que apóio, Luiz Inácio Lula da Silva -, terá de rediscutir essa questão, até porque a prorrogação da cobrança da CPMF no ano que vem foi aprovada, mas com uma alíquota simbólica, com objetivo meramente fiscalizatório. Dessa forma, fontes alternativas de receita para o País deverão ser encontradas. Em função disso, obrigatoriamente o Congresso Nacional terá de se debruçar sobre a questão da reforma tributária.

Sei que ainda há Senadores inscritos para falar, por isso concluirei meu pronunciamento. Antes, porém, desejo dizer que, neste momento em que estamos todos em campanha eleitoral discutindo diversos temas, é interessante que as várias propostas sejam debatidas, até porque é dessa forma que o eleitor faz sua escolha. Sabemos que escolher apenas pelos discursos não é fácil, pois jamais um candidato a Governador, a Prefeito ou a Presidente irá à televisão ou a um palanque dizer que não investirá em educação, saúde, transporte ou geração de emprego. Com certeza, se surgir algum louco que o faça não será eleito.

O problema está em estabelecer até que ponto os projetos, as propostas, os programas de Governo são meras declarações de intenção ou um compromisso efetivo dos candidatos ou partidos políticos. Penso que o melhor critério ainda é a prática da verdade: verificar o passado, a trajetória e os compromissos de cada partido político para que o eleitor possa fazer sua escolha.

Sr. Presidente, muito obrigado. De antemão, peço desculpas por alongar-me além do previsto no Regimento Interno.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/09/2002 - Página 16689