Discurso durante a 107ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Congratulações à Embraer diante do êxito comercial do avião 145 XR. Registro de palestra proferida por S.Exa. no XIII Congresso Nacional da Pastoral da Sobriedade - Prevenção e Recuperação em Dependência Química, sob o tema "Legislação sobre Drogas e Mobilização Popular para Fazê-la Ser Cumprida".

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDUSTRIAL. SENADO. DROGA.:
  • Congratulações à Embraer diante do êxito comercial do avião 145 XR. Registro de palestra proferida por S.Exa. no XIII Congresso Nacional da Pastoral da Sobriedade - Prevenção e Recuperação em Dependência Química, sob o tema "Legislação sobre Drogas e Mobilização Popular para Fazê-la Ser Cumprida".
Publicação
Publicação no DSF de 05/09/2002 - Página 16810
Assunto
Outros > POLITICA INDUSTRIAL. SENADO. DROGA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, EMPRESA BRASILEIRA DE AERONAUTICA (EMBRAER), RECONHECIMENTO, QUALIDADE, PRODUÇÃO, AERONAVE, SUPERIORIDADE, COMERCIALIZAÇÃO.
  • IMPORTANCIA, EMISSORA, TELEVISÃO, SENADO, DIVULGAÇÃO, TRABALHO, SENADOR, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, LEITURA, TRECHO, CARTA, CIDADÃO.
  • REGISTRO, PRONUNCIAMENTO, ORADOR, CONGRESSO, INICIATIVA, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), ASSUNTO, LEGISLAÇÃO, DROGA, MOBILIZAÇÃO, POPULAÇÃO, COLABORAÇÃO, COMBATE, TRAFICO, DETALHAMENTO, ALTERAÇÃO, REFERENCIA, USUARIO.
  • ANALISE, HISTORIA, REPRESSÃO, AUMENTO, TRAFICO, CONSUMO, DROGA, BRASIL, EVOLUÇÃO, LEGISLAÇÃO.

            O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou vendo que, hoje, o debate vai continuar, por isso peço licença para iniciar o meu discurso, pois creio que isso vai se prolongar pela tarde.

            Quero, em primeiro lugar, Sr. Presidente, transmitir uma notícia que ouvi, agora, na CBN, vindo para cá, sobre a certificação do avião 145 XR, da Embraer, de alcance estendido. Confirma a sua diretoria 104 pedidos firmes de jatos de 53 passageiros - esse que foi certificado ontem -, e existem mais 100 em tratativas, provavelmente com pedidos à vista.

            Por isso, cumprimento a direção da Embraer e todos os trabalhadores que lá, com dedicação e esforço, têm levado a nossa empresa a uma situação privilegiada no mundo internacional do comércio de aeronaves.

            Senadores Bernardo Cabral e Bello Parga, às vezes, acontecem fatos interessantes. Recebemos vários e-mails e cartas. E hoje, pela manhã, recebi uma carta que me emocionou. Não sei se é próprio vir à tribuna para falar disso, mas quero ler o início desta carta, se me permitir o Sr. Presidente.

Agradeço à TV Senado, pois esse órgão de comunicação tem sido, provavelmente, a razão do conhecimento pela população brasileira de seus representantes no Congresso Nacional, e também ao Sr. Jailson Ferreira Primo, natural de União dos Palmares, em Alagoas.

Diz assim: “Senador Romeu Tuma, passei oito meses na escola para aprender a ler para escrever esta carta para o senhor. Assisto na televisão os trabalhos que o senhor faz e aqui onde moro e reside toda minha família...” Continua a carta, pedindo ajuda para definir o seu candidato, que eu o auxilie a escolher o candidato em quem votar em Alagoas.

Mas é interessante verificarmos a repercussão da TV Senado, como alcança a população mais carente, de regiões longínquas e faz com que um cidadão de 63 anos, interessado em se manifestar e escrever aos representantes desta Casa, se dedique oito meses para aprender a ler e a escrever. Agradeço a essa simpatia do subscritor, Sr. Jailson Ferreira.

Sr. Presidente, durante o último recesso desta Casa, a convite de S. Emª Dom Raymundo Damasceno, Secretário Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, e dos dirigentes da Pastoral da Sobriedade (Prevenção e Recuperação em Dependência Química), especialmente o Sr. Luiz Antonio Bertolin, seu Coordenador Nacional, proferi palestra no XIII Congresso Nacional dessa pastoral, sob o tema “Legislação sobre Drogas e Mobilização Popular para Fazê-la Ser Cumprida”. Creio ser importante reproduzir neste Plenário informações e conceitos que tive a honra de apresentar perante a Pastoral, na CNBB. Sinto essa importância devido também à maneira calorosa com que minhas palavras foram acolhidas pelos religiosos e leigos, que viajaram de vários pontos do território brasileiro para se reunir no Mosteiro de Itaici, em Indaiatuba, interior do Estado de São Paulo, onde fica a sede da CNBB.

À primeira vista, o tema a mim reservado abrangia toda a problemática acarretada pelo tráfico e pelo uso das drogas ilícitas. Devido à sua abrangência e à conseqüente exigüidade de tempo, limitei minha fala ao que considero aspectos fundamentais da questão.

Pretendia dividi-los em duas partes, ou seja, prevenção do uso de entorpecentes e repressão ao narcotráfico, ambas importantes ao combate a esse que, sem dúvida, é o pior flagelo social enfrentado pela humanidade. Todavia, a linha divisória entre a prevenção e a repressão tornou-se tão tênue que chega a ser difícil apartar uma da outra.

Já era evidente, na segunda metade do século passado, que só se pode lutar contra as drogas se houver mobilização e apoio popular, assim entendido o engajamento da sociedade como um todo. Existe tanto acerto nessa afirmação que a atual Lei Antitóxicos, em vigor desde janeiro deste ano, manteve o princípio sempre expresso nos diplomas legais anteriores sobre o narcotráfico desde a década de 70, qual seja o de que “é dever de todas as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, com domicílio ou sede no País, colaborar na prevenção da produção, do tráfico ou uso indevido de produtos, substâncias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica”.

A nova lei recebeu o número 10.409 e foi sancionada em 11 de janeiro último. Era aguardada como fruto esplendoroso do trabalho a que o Poder Legislativo brasileiro se dedicou por mais de 20 anos. Sob alguns aspectos, constitui um avanço, apesar de 27 vetos apostos pelo Presidente da República terem invalidado a maior parte dos 59 artigos constantes do projeto original, inclusive dois capítulos inteiros, um dos quais agravava as penas destinadas aos traficantes.

Havia a esperança geral de que um diploma melhor viesse a superar a antiga Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976. Mas, infelizmente, a atual não correspondeu à expectativa. Houve vetos com acertos, outros têm que ser rediscutidos. E a nossa esperança é a de que se volte a discutir, nesta Casa, uma nova lei de drogas que procure melhorar e modernizar a atual, visto que temos que procurar meios para que o usuário possa escolher entre a cadeia e o tratamento médico-hospitalar, que deve ser garantido pelo Estado.

Eu penso que o cidadão usuário, visto por muita gente como doente, vítima dos traficantes, e não bandido a ser encarcerado, é digno, pelo menos, da caridade cristã. Sabemos que, com o regime carcerário existente em nosso País, jovens usuários de drogas são presos e misturados com elementos de alta periculosidade e acabam incorporando-se às máfias e às associações criminosas que tanto mal têm feito à sociedade brasileira, principalmente no que diz respeito ao tráfico de drogas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, transcorre quase meio século desde que um pequeno grupo de policiais, entre eles, o saudoso Delegado Francisco de Campos Moraes, deflagrou a primeira batalha da Polícia Civil do Estado de São Paulo contra esse mal. Estávamos no início da década de 50, e a maior ameaça centrava-se na maconha, pois muito pouco se ouvia falar da cocaína e dos derivados do ópio, isto é, a morfina e a heroína. Assim, foi criado o Setor de Entorpecentes, numa pequena sala da antiga Delegacia de Costumes, do Departamento de Investigações, DI, na rua Brigadeiro Tobias, 527, 4º andar. Ao que sei, esse setor constituiu a primeira estrutura policial especializada no combate ao narcotráfico em solo pátrio. Viria a ser o embrião do atual Denarc - Departamento de Investigações sobre Narcóticos.

Naquela época, no 10º andar do mesmo prédio, a Polícia paulista mantinha o Escritório Central Nacional (ECN) da Organização Internacional de Polícia Criminal, Interpol, no Brasil, sob a direção do igualmente saudoso Delegado João Amoroso Neto, homem culto, que dominava diversos idiomas e era escritor, jornalista e radialista. A Interpol - hoje presente em 189 países e atuante em solo brasileiro por intermédio da nossa Polícia Federal - já tinha sede central na cidade francesa de Lyon. Amoroso Neto integrava, por eleição, seu conselho diretivo, composto de oito membros escolhidos ao redor do mundo.

Pois bem, tanto no Setor de Entorpecentes como no escritório da Interpol, os agentes recebiam os passes de bonde ou de ônibus para sair à caça de traficantes. A única diferença era que aqueles se preocupavam mais com os bandidos domésticos, e estes concentravam esforços na busca por conexões internacionais. Todos tiveram sucesso, apesar da evidente insuficiência de recursos.

Por volta de 1955, aconteceram as primeiras das então consideradas grandes apreensões de maconha e cocaína. Limitavam-se a alguns quilos da erva ou a poucas gramas do cloridrato, é verdade, mas desnudavam a tendência do porvir. Envolviam, geralmente, personagens da alta sociedade e dos meios artísticos. Lembro-me bem, por exemplo, de quando a Interpol prendeu um traficante e apreendeu, pela primeira vez, dois quilos de cocaína. Ganhou manchete de primeira página em todos os jornais. Hoje, talvez houvesse breve registro numa página interna, porque o sucesso policial nesse campo, que era medido em gramas ou quilos, agora só causa admiração se compreender toneladas.

Aqueles pioneiros dispunham de escassos recursos legais em apoio às investigações. Nem se cogitava, por exemplo, criar legislação para instituir a escuta de aparelho telefônicos suspeitos e admitir os resultados desse trabalho como prova em juízo, muito menos para permitir a quebra dos sigilos bancário e fiscal ou infiltrar agentes nas organizações criminosas e realizar as chamadas entregas ou ações controladas. Na verdade, todas essas coisas realmente eram feitas pela Polícia, mas às escondidas, porque só podiam acontecer ao arrepio da lei, portanto sem o conhecimento da Justiça.

Também, pudera! Era inimaginável que, algum dia, viéssemos a enfrentar associações criminosas nacionais tão poderosas, como o PCC e o Comando Vermelho, ou organizações delituosas internacionais, do tipo cartel, máfia ou milícia guerrilheiro-terrorista, que tentam misturar política e ideologia com narcotráfico, organizações que dispõem de bilhões de dólares para corromper prepostos do Estado em todos os níveis, a ponto de ameaçar a estabilidade de governos democráticos, como está acontecendo na Colômbia.

Assim, os procedimentos policiais irregulares produziam apenas informações e referências para investigações oficiais, aquelas feitas às claras e registradas nos autos do inquérito policial. Hoje, porém, tais procedimentos são reconhecidos como meio de prova pela lei, desde que previamente autorizados e, depois, monitorados pela Justiça.

O fato é que, com o correr do tempo, o narcotráfico assumiu proporções alarmantes em todos os quadrantes da Terra. E, pior ainda, elegeu o Brasil, antigamente considerado país de passagem das drogas produzidas na Colômbia, Peru, Bolívia e Paraguai, como alvo de distribuição e consumo. Esse tipo de crime organizado cresceu tanto que mereceu citação na Constituição Federal de 1988, em pé de igualdade com a tortura e o terrorismo e o que mais a lei possa definir como crime hediondo. Em seu art. 5º, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, a Carta Magna diz taxativamente que o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins representa crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, por ele respondendo “os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.

Adiante, no art. 144, após declarar que a segurança pública é “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”, a Constituição atribui à Polícia Federal a prevenção e repressão do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, sem prejuízo da ação “de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência”.

Além disso, o art. 243 determina que “as glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”. Acrescenta, num parágrafo único, que “todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de usuários e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias”.

Vejam, Srªs e Srs. Senadores, a quantidade de preocupação demonstrada no texto constitucional quanto ao narcotráfico. Não foi sem razão que os constituintes de 1988 resolveram instituir tais normas, passíveis de serem relegadas ao plano da legislação penal comum em outras circunstâncias. Agindo daquela forma, quiseram tornar indiscutível a necessidade de produzir amplo arcabouço legal, até então aparentemente desnecessário. Foram além, pois, ainda no art. 5º, fizeram constar que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Esta afirmação constituiu porta de entrada e respaldo para a investigação policial moderna, à qual nos referimos há pouco.

Tamanha preocupação não é só brasileira. Por exemplo, já reproduzi nesta tribuna declarações do Sr. Ronald K. Noble, professor de Direito da Universidade de Nova Iorque, primeiro Subsecretário do Tesouro dos Estados Unidos para Assuntos Criminais e Secretário-Geral da Interpol, a mais antiga e respeitada organização internacional do gênero. Tive oportunidade, há alguns meses, de recebê-lo em visita ao meu gabinete. No ano passado, na Suécia, ele afirmou: “O mundo precisa adquirir plena consciência do perigo fundamental representado pelo tráfico de drogas. O narcotráfico internacional ameaça não apenas a vida de dezenas de milhões de jovens usuários. De fato, ele põe em risco o bem-estar e a segurança de todos os cidadãos. Observando a enorme riqueza acumulada por essas organizações criminosas e as suas grandes operações de ”lavagem” de dinheiro, devemos reconhecer seu potencial para corromper e destruir nossos sistemas de instituições livres e democráticas, governos e, finalmente, se constituir em grave ameaça ao princípio da própria democracia“.

Do ponto de vista da repressão policial ao crime organizado, especialmente o narcotráfico, modificações introduzidas em nossa legislação a partir de 1995 foram positivas. No dia 3 de maio deste ano, tivemos a sanção da Lei nº 9.034, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Pode ser entendida como marco inicial da modernização da investigação policial.

Tive a honra de relatar, posteriormente, o projeto sancionado em abril do ano passado, sob o nº 10.217, para alterar dispositivos daquela lei e acrescentar-lhe outros. O meu parecer recebeu aprovação unânime na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sob a Presidência do Senador Bernardo Cabral. Acabou sendo acolhido também pelo Plenário. Dessa forma, modificamos quase todo o Capítulo I da Lei 9.034, para dar mais abrangência e pertinência a instrumentos imprescindíveis à persecução e à instrução judicial criminal.

Por exemplo, a repressão passou a alcançar todas as “organizações ou associações criminosas de qualquer tipo”, onde antes ficava restrita aos conceitos de “quadrilha ou bando”. Agora, há a certeza insofismável de que os “meios de prova e procedimentos investigatórios”, definidos e regulados pela Lei nº 9.034, atingem todos os delitos praticados por qualquer tipo de bando, quadrilha, organização ou associação de natureza criminosa.

No art. 1º substituímos a palavra “crime” por “ilícitos”, providência necessária para melhorar a abrangência da lei. Garantimos assim a persecução nos casos em que criminosos procurem escapulir dos novos meios de prova e investigação com sibilinas alegações sobre a natureza de seus atos.

Com a promulgação daquelas duas Leis - 9.034 e 10.217 -, as autoridades ganharam meios para desmantelar poderosas organizações e associações criminosas, como as que se dedicam ao tráfico de drogas ou de armas. Passaram a utilizar com eficácia a “ação controlada”, pela qual se pode retardar intencionalmente o desfecho da repressão policial até o momento mais adequado à incriminação dos envolvidos. E colheram os frutos processuais da quebra dos sigilos fiscal, bancário, financeiro e eleitoral dos delinqüentes.

Sempre com autorização da Justiça, as autoridades e seus agentes podem realizar “a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise”. Assim, aos olhos da lei, passaram a ser legítimas as provas colhidas mediante o emprego dos hodiernos recursos da vigilância eletrônica. Além disso, ainda com prévia autorização judicial, a Polícia pode infiltrar agentes nas organizações criminosas, o que, antigamente, se fazia com emprego de informantes profissionais. As conseqüências, às vezes, eram mais danosas que aquelas dos crimes a combater.

Sr. Presidente, meu tempo está se esgotando. Tenho mais algumas laudas a serem lidas no plenário, mas não quero perturbar o andamento de outros inscritos. Penso que esse assunto é tão importante, o combate às drogas, o trabalho do COAF e todo esse novo e moderno material jurídico com que a sociedade brasileira hoje conta para o combate ao crime organizado, que eu pediria a V. Exª, encarecidamente, que desse por lido o inteiro teor do meu discurso.

Agradeço a paciência de V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti) - V. Exª será atendido, na forma do Regimento, Senador Romeu Tuma.

 

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SEGUE CONCLUSÃO DO PRONUNCIAMENTO DO

SR. SENADOR ROMEU TUMA.

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O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - Em 1996, a Lei n.° 9.296 havia regulamentado somente as interceptações das comunicações telefônicas ou em sistemas de informática e telemática. Mas, com a Lei 10.217, permitimos aos agentes policiais instalar aparelhos para a gravação de sons e imagens em ambientes fechados (residências, locais de trabalho, comerciais etc.) ou abertos (praças, ruas, jardins públicos etc.) de modo a registrar sinais óticos (perceptíveis apenas através da visão), acústicos (perceptíveis apenas através de audição) e eletromagnéticos (perceptíveis apenas através de sinais elétricos ou magnéticos), desde que produzidos por pessoas investigadas ou acusadas de integrarem organizações ou associações criminosas. Trata-se de estratégia que já era empregada em outros países, entre eles a Itália e os Estados Unidos.

Devo lembrar, porém, que essa legislação é somente uma parte do sistema de normas jurídicas inspirado em tratados, convenções e acordos firmados pelo Brasil no âmbito da ONU e da OEA nos últimos tempos. Tive a honra de relatar, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, vários desses importantes instrumentos destinados a amparar e uniformizar o combate às organizações criminosas internacionais. Em todos os casos, o Senado acolheu meu parecer e ratificou o autógrafo brasileiro.

Além disso, e com os mesmos objetivos, resoluções aprovadas em diversas reuniões anuais da Assembléia Geral da Interpol - Organização Internacional de Polícia Criminal - instaram os países-membros a adotar legislação com aquelas características. Pude participar das assembléias mundiais como Vice-Presidente honorário da entidade internacional e, depois, apresentar ao Senado aquelas solicitações. Felizmente, serviram para firmar convicção em nosso meio parlamentar e inspirar providências no âmbito do Poder Executivo federal.

Entre os tratados e acordos, merece destaque a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, concluída em Viena a 20 de dezembro de 1988 e promulgada pelo Presidente da República, através do Decreto n.° 154, de 26 de junho de 1991.

Outros diplomas, especialmente no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), prevêem a cooperação regional ou bilateral no combate ao narcotráfico, inclusive mediante “entrega controlada”, além da adoção de legislações nacionais semelhantes para extirpar a lavagem de dinheiro. Como exemplo, destaco o “Regulamento Modelo sobre Delitos de Lavagem Relacionados com o Tráfico Ilícito de Drogas e outros Delitos Graves”, aprovado pela Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD) em 1998.

Em 1999, por decreto legislativo, o Congresso Nacional aprovou o texto do Acordo de Cooperação para Impedir o Uso Ilegal de Precursores e Substâncias Químicas Essenciais para o Processamento de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, celebrado entre o Governo brasileiro e o Governo da República da Colômbia, em Cartagena de Índias, dois anos antes.

Há acordos bilaterais entre o Brasil e os Estados Unidos, com base na Convenção de Viena. Da mesma forma, mantemos acordos com nossos vizinhos sul-americanos, diversos países europeus e a África do Sul. Participamos de organismos antidrogas multilaterais, como a UNDCP - órgão da ONU destinado à ação internacional - e a ”Anti-Drug Abuse Control Commission” (OAS/CICAD; Comissão Controladora Antidrogas de Abuso ou Comissão de Controle e Combate ao Abuso de Drogas), da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Em dezembro de 2000, assinamos a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional e seus protocolos. Possuímos um acordo bilateral e um memorando de entendimento (MOU) com os EUA, destinados à cooperação antitóxicos. Um tratado bilateral de assistência legal mútua (MLAT), subscrito em outubro de 1997 e ratificado pelo Congresso brasileiro em dezembro de 2000, nos une ainda mais aos Estados Unidos no combate ao narcotráfico, ao crime organizado e a outros tipos de delitos graves.

O Brasil colabora, há décadas, com diversos países na extradição de não brasileiros procurados por tráfico de entorpecentes. Com os Estados Unidos, que continuam a ser o maior alvo do narcotráfico internacional, mantemos um tratado de extradição bilateral desde 1961. Mas, por determinação de nossa Constituição, além dos criminosos estrangeiros, somente podemos extraditar brasileiros naturalizados acusados da autoria de crime comum cometido antes da naturalização ou quando estiver provada sua participação em narcotráfico.

Todos esses instrumentos internacionais reforçam a imagem do Brasil como país intolerante relativamente ao tráfico de narcóticos. Com sua ratificação pelo Senado Federal, enveredamos pela atualização da legislação penal, na qual se inserem as leis já mencionadas. Igual importância tem a lei que recebeu o n.° 9.613, em 3 de março de 1998, para dispor sobre os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para ilícitos penais; e, finalmente, a criação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF.

Paralelamente, ao indiciar dois deputados federais, quatorze deputados estaduais, seis desembargadores, diversos prefeitos, delegados de Polícia, outros policiais civis, militares e empresários, além de um general paraguaio acusado de tráfico internacional de drogas e de armas, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, a CPI do Narcotráfico colaborou sobremaneira para firmar aquela boa imagem do País internacionalmente.

O trabalho dessa CPI serviu também para mostrar a dificuldade em se diferençar pequenos, médios e grandes traficantes, como ficou claro no caso de Fernandinho Beira-Mar, hoje cumprindo pena depois de ter sido capturado em território colombiano durante operações militares contra a organização narcoguerrilheira Forças Armadas da Colômbia (Farc). Além disso, desvendou conexões de tráfico com a África, o Suriname e o Paraguai. Finalmente, apontou outras íntimas conexões de traficantes, o que resultou na constituição da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito - CPMI do Roubo de Cargas.

Em apoio à investigação criminal, ganhamos ainda a Lei n.° 9.807, de 13 de julho de 1999, que “estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, inclui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal.” Dela tenho-me valido bastante ao longo dos trabalhos da CPMI do Roubo de Cargas que presido, há dois anos, no âmbito do Congresso Nacional.

Todos os diplomas legais mencionados formam um conjunto jurídico harmônico, em prol do combate ao narcotráfico e às demais formas de crime organizado. Compete às autoridades estudá-los e aplicar seus dispositivos com toda a precisão possível.

Ressalto ainda que a repressão também se escora em outros diplomas legais, como, por exemplo, a Lei n.° 7.560, de 19 de dezembro de 1986, que foi alterada até 1999 por sucessivas medidas provisórias e leis para regular o Fundo Nacional Antidrogas e dispor “sobre os bens apreendidos e adquiridos com produtos de tráfico ilícito de drogas ou atividades correlatas”.

No mesmo contexto, encontra-se o Decreto n.° 2.799, de 8 de outubro de 1998, que aprovou o estatuto do Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF. Com jurisdição em todo o território nacional, o COAF “tem por finalidade disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas em sua lei de criação (9.613, de 3 de março de 1998), sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades”.

O Regimento Interno do COAF, aprovado pela Portaria n.° 330, baixada pelo Ministro da Fazenda a 18 de dezembro de 1998, está disponível no “site” desse ministério, na Internet. Merece atenção, assim como as decisões já tomadas pelo COAF e Banco Central para atacar a “lavagem de dinheiro”. Estas decisões destinam-se a controlar até transações com imóveis e jóias, além dos bancos e entidades financeiras.

Salta à vista, portanto, que o Brasil dispõe de copiosa legislação para obstar a ação de organizações e associações criminosas mantidas por narcotraficantes. Há falhas, como em tudo o que o ser humano pode produzir. Mas creio que projetos de lei ainda em andamento no Congresso Nacional relativamente às reformas do Poder Judiciário e dos códigos Penal e do Processo Penal serão capazes de dirimi-las.

Evidentemente, resta implementar esses dispositivos a contento. Existem inúmeras dificuldades de ordem material, como, por exemplo, a insuficiência de verbas para os programas de proteção a vítimas e testemunhas. Mas a minha maior preocupação decorre do fato de, há anos, sucessivos governantes terem relegado a segundo plano a atenção que deveria ter sido dada ao profissional de Polícia, ao ser humano vocacionado a imolar-se, se necessário for, para defender a vida ou o patrimônio de outrem.

Precisamos acelerar o saneamento de nossas polícias para torná-las infensas à corrupção, às relações criminosas, às ligações promíscuas com a política local, à inépcia na investigação criminal e assim por diante. Há necessidade urgente de melhorar sua capacitação técnica e proporcionar retribuição salarial adequada para se obter seleção profissional condizente com os novos meios de investigação e obtenção de prova. Necessitamos de modernização dos setores de polícia científica, de informatização e desenvolvimento de bancos de dados criminais e administrativos. Continuamos à espera da integração dos sistemas de comunicações e informações da Polícia Federal e das polícias estaduais, providência há anos apontada como urgente. Precisamos ainda ter em mente a integração operacional da polícia ostensiva com a polícia judiciária, sem descurar da integração entre o Ministério Público e a polícia judiciária em todas as fases da investigação, conforme prevê a Constituição no artigo 129.

Em janeiro último, o Excelentíssimo Senhor Presidente da República sancionou a nova lei antidrogas. Trata-se de um complemento específico para tudo o que acabo de dizer, principalmente no campo da prevenção. Recebeu o número 10.409/2002. Estabelece sanções para as pessoas jurídicas que se neguem a colaborar com o combate ao narcotráfico, tanto na prevenção como na repressão. Prevê convênios entre a União, os Estado, o Distrito Federal, os Municípios, entidade públicas ou privadas e organismos estrangeiros “visando à prevenção, ao tratamento, à fiscalização, ao controle, à repressão ao tráfico e ao uso indevido de produtos, substâncias ou drogas ilícitas”. Entre as medidas de prevenção, está a orientação escolar nos três níveis de ensino.

Estatísticas, informações e sugestões devem ser elaboradas pelas autoridades sanitárias, judiciárias, policiais e alfandegárias e remetidas mensalmente à Secretaria Nacional Antidrogas - Senad - e aos Conselhos Estaduais e Municipais de Entorpecentes.

Continuam proibidos, “em todo o território nacional, o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de todos os vegetais e substratos, alterados na condição original, dos quais possam ser extraídos produtos, substâncias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica, especificados pelo órgão competente do Ministério da Saúde.” Mas o Ministério da Saúde pode autorizá-los, em local predeterminado, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, sujeitando-os à fiscalização e à cassação da autorização, a qualquer tempo, pelo mesmo órgão daquele Ministério que a tenha concedido, ou por outro de maior hierarquia. Caberá às autoridades policiais a destruição das plantações ilícitas.

Diz a lei também que os dirigentes de estabelecimentos ou entidades das áreas de ensino, saúde, justiça, militar e policial, ou de entidade social, religiosa, cultural, recreativa, desportiva, beneficente e representativas da mídia, das comunidades terapêuticas, dos serviços nacionais profissionalizantes, das associações assistenciais, das instituições financeiras, dos clubes de serviço e dos movimentos comunitários organizados adotarão, no âmbito de suas responsabilidades, todas as medidas necessárias à prevenção. As pessoas jurídicas e as instituições e entidades, públicas ou privadas, deverão implementar programas que assegurem essa prevenção nos respectivos locais de trabalho, incluindo campanhas e ações dirigidas a funcionários e seus familiares. Tais medidas compreendem incentivar atividades esportivas, artísticas e culturais; promover debates de questões ligadas à saúde, cidadania e ética; manter nos estabelecimentos de ensino serviços de apoio, orientação e supervisão de professores e alunos; e manter nos hospitais atividades de recuperação de dependentes e de orientação de seus familiares.

Os dependentes devem receber tratamento multiprofissional e, sempre que possível, com a assistência de sua família, preservando-se sua identidade. As empresas privadas que desenvolverem programas de reinserção de dependentes ou usuários encaminhados por órgão oficial poderão receber benefícios a serem criados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

A nova lei antidrogas instituiu regras para o processo penal, subsidiariamente ao que já consta do Código Penal, Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal. Diz ainda que o sobrestamento do processo ou redução da pena pode decorrer de “acordo entre o Ministério Público e o indiciado que, espontaneamente, revelar a existência de organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais dos seus integrantes, ou a apreensão do produto, da substância ou da droga ilícita, ou que, de qualquer modo, justificado no acordo, contribuir para os interesses da Justiça.”

Determina mais: “se o oferecimento da denúncia tiver sido anterior à revelação, eficaz, dos demais integrantes da quadrilha, grupo, organização ou bando, ou da localização do produto, substância ou droga ilícita, o juiz, por proposta do representante do Ministério Público, ao proferir a sentença, poderá deixar de aplicar a pena, ou reduzi-la, de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), justificando a sua decisão.”

Essa lei veio ratificar e complementar os procedimentos de investigação que mencionei anteriormente, como a infiltração, as ações controladas etc., permitindo-os em qualquer fase da persecução criminal. Cuida ainda da apreensão e da destinação dos bens - veículos, embarcações, aeronaves e assemelhados - utilizados no tráfico. Fixa regras para a expropriação de dinheiro, cheques e ordens de pagamento recolhidos pelas autoridades. O destino de todos os valores assim obtidos será o Fundo Nacional Antidrogas.

Finalmente, diz ser passível de expulsão do País o estrangeiro surpreendido na prática de narcotráfico, logo após o cumprimento da pena que lhe for imposta ou imediatamente após a captura, quando o interesse nacional assim o recomendar.

Minhas senhoras e meus senhores, as autoridades policiais e os membros do Ministério Público dispõem agora de poderoso arsenal jurídico para a produção de provas e repressão aos traficantes. Paralelamente, parece-me já haver consciência nacional da ameaça, inclusive às instituições, representada pelo narcotráfico. Tanto que, recentemente, tive a satisfação de ver este Plenário aprovar por unanimidade a proposta de emenda à Constituição que apresentei, em 1999, para dar poder de polícia às guardas municipais, em apoio às polícias Civil e Militar. A meu ver, essas corporações, instituídas pelo artigo 144 da Carta Magna, devem constituir expressivo reforço ao policiamento ostensivo, principalmente nas proximidades das escolas, além de participar do policiamento comunitário.

Numa escala mais ampla, o País está às voltas com a grave situação criada pelo tráfico de drogas e armas em mais de 3.000 quilômetros de nossas fronteiras com países produtores de entorpecentes, principalmente a Colômbia. São evidentes as dificuldades para monitorar a imensidão da Amazônia, o que facilita o transporte de narcóticos por ar e pelo amplo sistema fluvial. A maior parte da cocaína e heroína vindas da Colômbia e do Peru segue para os Estados Unidos e outros países, principalmente via Macapá e Belém, importantes entroncamentos das rotas fluviais, marítimas e aéreas do narcotráfico.

Ao implementar a Operação Cobra (de “Colômbia-Brasil”) no norte da região amazônica, com duração prevista de três anos, desestimulamos ações das narcoguerrilhas em mais de 2.500 quilômetros de fronteira pouco povoada. As ações envolvem recursos da Polícia Federal, com apoio de expressivos contingentes e equipamentos das Forças Armadas. Ganharam novas dimensões, agora, por contar com os recursos eletrônicos, especialmente radar, proporcionados pelo Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). Assim, além das ações terrestres, há permanente monitoramento do espaço aéreo para detectar vôos ilegais, além da troca de informações através de ampla rede informatizada.

Também os Ministérios das Relações Exteriores e da Justiça, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) participaram do planejamento da operação e a ela continuam ligados.

Entretanto, de nada adiantará tudo isso caso não exista prevenção eficaz, sem a qual a Polícia continuará a reboque do crime, isto é, agindo depois da ocorrência de atos ilícitos que não conseguiu evitar. Principalmente nesse campo - o da prevenção - a mobilização popular se afigura imprescindível. Sob tal aspecto, devo ressaltar a importância daquilo que se denomina “Responsabilidade Social”.

Como se sabe, Responsabilidade Social é o rótulo aposto ao conjunto das ações empresariais que objetivem humanizar e dignificar a chamada globalização. Ou seja: tornar o capitalismo mais simpático à sociedade. Abrange amplo movimento em inúmeros países, entre eles o Brasil, com a participação e o incentivo de instituições particulares, empresas e organismos públicos do porte da Organização das Nações Unidas (ONU); de grandes corporações empresariais de natureza nacional e multinacional; e de considerável número de ONGs, isto é, organizações não-governamentais. Nele estão engajados, portanto, integrantes do Primeiro, Segundo e Terceiro setores sociais.

Essa “setorização” surgiu durante a procura pela chamada “Terceira Via”, isto é, um caminho político-econômico eqüidistante do capitalismo e do socialismo, dos quais herdaria apenas os aspectos considerados bons. Constituiria algo como uma combinação de ambos os sistemas, tanto do ponto de vista dialético como do formal. Em nível governamental, já existem experiências nesse sentido em algumas nações européias.

O fato é que, agora, se costuma classificar as estruturas nacionais em três níveis: o Primeiro Setor, que seria o Estado; o Segundo Setor, assim considerado o mercado; e o Terceiro Setor, constituído por “organizações privadas sem fins lucrativos e que geram bens, serviços públicos e privados”, como o define a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Essa definição deixa antever que o Terceiro Setor abrange, por exemplo, as ONGs, cooperativas, associações e fundações, que sempre teriam o objetivo de promover “o desenvolvimento político, econômico, social e cultural no meio em que atuam”.

Nos últimos anos, o Terceiro Setor alcançou notável expansão no Brasil. Compreende, no País, mais de 250 mil entidades que empregam cerca de dois milhões de pessoas, chegam a movimentar, em apenas um ano, recursos da ordem de 1,2% do PIB - ou seja, cerca de 12 bilhões de reais - e favorecem mais de 9 milhões de cidadãos (6% da população brasileira), como aconteceu em 1998, conforme pesquisa da Universidade John Hopkins. Nessa ocasião, 10% da população brasileira (mais de 15 milhões de pessoas) doou recursos àquelas entidades e já havia 12 milhões de voluntários trabalhando pela causa no Brasil.

Nos Estados Unidos e em países da Europa, o Terceiro Setor movimenta quase 6% do PIB e emprega acima de 12 milhões de pessoas diretamente. Acredita-se que, na década passada, tenha beneficiado mais de 250 milhões de filhos dessas nações.

A FGV considera que “essas entidades são pouco conhecidas, divulgadas e valorizadas”, embora englobem comumente experiências de trabalho comunitário e de solidariedade. Pensa ainda que, na década de 80, elas “tiveram maior visibilidade, abrindo caminho para a participação cidadã". E lembra que, “hoje, é possível parcerias com Governos, empresas e, devido à informática e à formação de redes, comunicação mais ágil, dinâmica e efetiva”.

Muitas das concepções relativas ao Terceiro Setor foram transpostas para o Segundo Setor, ou melhor, para o campo empresarial. Passaram a integrar uma idéia mais ampla sob o nome de “Responsabilidade Social”, às vezes acrescido de adjetivos como “corporativa” ou “empresarial”. Por extensão, surgiu a imagem da “empresa cidadã”.

O Núcleo de Ação Social da Fiesp/Ciesp (Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) considera que “para o empresário, seu maior instrumento é o seu ‘valor agregado’ que advém de ações éticas e morais, exemplos de vida voltados para o trabalho produtivo e a conseqüente distribuição de riquezas”.

Diz também que “o respeito e a confiança, obtidos em suas comunidades, propiciam a articulação de parcerias e o credenciam a incentivar o voluntariado para respaldar seu trabalho social”.

Acentua que “o micro, pequeno e médio empresários, historicamente, já atuam como educadores em seus núcleos de influência privados. Porém, casos concretos de ações sociais desenvolvidas por muitos desses empresários, junto às comunidades, são exemplos do poderoso instrumento para o exercício da responsabilidade empresarial - o capital social - formado pelo respeito e confiança da comunidade onde se inserem. O empresário pode, também, exercer sua responsabilidade social empregando um adolescente carente, treinado e motivado para o trabalho.”

“Responsabilidade Social” indica, de acordo com definição corrente no Canadá e outros países desenvolvidos, o “papel que as corporações podem ter na promoção da saúde e segurança de seus funcionários, proteção do meio ambiente, luta contra a corrupção, apoio em casos de desastres naturais e respeito aos direitos humanos nas comunidades em que operam”.

O movimento em prol da “Responsabilidade Social” vem adquirindo impulso no Brasil graças a ONGs, institutos de pesquisa e empresas engajadas.

Os resultados dessas idéias foram sentidos num seminário realizado pela Rede Globo de Televisão, no ano passado, em São Paulo, para debater o tema “Merchandising Social”, isto é, a inserção de temas sociais nas novelas de TV, como aconteceu recentemente com um libelo contra os entorpecentes. Tais idéias motivaram, igualmente, campanhas radiofônicas para disseminar e ampliar o debate sobre a responsabilidade social empresarial, como aquela realizada em 21 cidades brasileiras, na mesma época, pela Rádio CBN (Central Brasileira de Notícias), sob o título “Empresa Voluntária”.

A Universidade de São Paulo realizou, em 1999, pesquisa inédita sobre a responsabilidade social corporativa e colheu resultados inesperados, como, por exemplo, o de que “as empresas perceberam que não podem mais se fechar dentro de seus muros”, de acordo com a Profª Maria Fischer, do Centro de Estudos em Administração do Terceiro Setor (Ceats) da USP. Isto porque, naquele ano, 56% das empresas em operação no Brasil já estavam investindo em programas e atividades de cunho social ou comunitário e na promoção do voluntariado entre seus funcionários. Como amostragem, foram ouvidas 273 pessoas jurídicas de grande, médio e pequeno porte em nove Estados brasileiros e no Distrito Federal.

Cerca de 48% delas apoiavam a atuação de seus funcionários como voluntários em projetos sociais, 17% durante o horário regular de trabalho. Mais da metade tinha alguma ação, principalmente quanto à assistência a crianças e adolescentes carentes e na área da educação. Entre as empresas públicas, 42% informaram atuar na área social, contra 61% das multinacionais e 56% das nacionais.

Então, cabe a pergunta:

Por que não volver tão poderosas estruturas e não canalizar tão incomensuráveis esforços também para o combate ao uso e abuso das drogas, inclusive as bebidas alcoólicas e o fumo, mediante ações preventivas em larga escala?

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a mobilização que presenciei no XIII Congresso Nacional da Pastoral da Sobriedade (Prevenção e Recuperação em Dependência Química), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, e o exemplo de dedicação às causas sociais dado pela Igreja ao longo de sucessivas Campanhas da Fraternidade, desde 1963, revigoraram-me a esperança de que isso seja possível e irá acontecer.

Muito obrigado.

 

O SR. PRESIDENTE (Mozarildo Cavalcanti) - Vou conceder a palavra ao Senador Romero Jucá para uma explicação pessoal. Antes, porém, quero lembrar o art. 14, inciso VI, que dispõe:

Art. 14. O Senador poderá fazer uso da palavra:

...

VI - para explicação pessoal, em qualquer fase da sessão, por cinco minutos, se nominalmente citado na ocasião, para esclarecimento de ato ou fato que lhe tenha sido atribuído em discurso ou aparte, não sendo a palavra dada, com essa finalidade, a mais de dois oradores na mesma sessão.

Já concedi, sobre o mesmo assunto, a palavra ao Senador Bello Parga e ao Senador Eduardo Suplicy. Mas, em atenção a V. Exª, Senador Romero Jucá, concedo-lhe a palavra e encerramos aqui esse assunto.

O SR. ROMERO JUCÁ (Bloco/PSDB - RR. Para explicação pessoal. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Serei breve.

Sr. Presidente, o Senador Eduardo Suplicy, em discurso no plenário, levantou algumas questões que na verdade foram superadas hoje pela manhã, quando se demonstrou cabalmente, por ampla maioria, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que a tese defendida por ele e pela Senadora Heloísa Helena era equivocada.

Não me cabe aqui reabrir essa discussão, eu gostaria que o PT mudasse o disco. Quero, ao contrário, fazer aqui um apelo. Quero primeiro dizer que não vou aceitar provocações. Não vamos aqui baixar o nível do debate. Serei aqui o “Juquinha paz e amor”, parafraseando um candidato que está aí na campanha presidencial. Agora, faço um apelo ao bom senso para que possamos votar os matérias que criam, por exemplo, os cargos da Secretaria da Mulher - registro aqui a presença de uma equipe dessa nova secretaria -, cargos importantes do Sivam e do Cipam, de defesa da Amazônia, assim como os de combate à corrução, no Coaf, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras.

Enfim, temos uma pauta extremamente extensa e faço um apelo de público ao Senador Eduardo Suplicy, para que possamos chegar a um entendimento e votar hoje um empréstimo para a renegociação da dívida do Instituto de Previdência do Rio Grande do Sul - um apelo do Governador Olívio Dutra, do PT - e também a matéria que trata da renegociação da dívida de Alagoas.

Gostaria de fazer este pleito aqui, publicamente, e de dizer ao Senador Eduardo Suplicy que, diferentemente do que S. Exª está entendendo, não houve nenhuma descortesia com a Oposição nem com o Partido dos Trabalhadores, ao contrário. Quando foi convocada a sessão administrativa não deliberativa essa foi uma ação do Presidente da Casa.

Posteriormente, na discussão de matérias que seriam votadas aqui no plenário, a partir de ontem, tive o cuidado de ligar para todos os Líderes, inclusive para o Senador Eduardo Suplicy.

Portanto, não há, da parte da Liderança do Governo nem de qualquer Partido a intenção de retirar da discussão o Partido dos Trabalhadores, até porque não foi essa a nossa postura. Ao contrário, sempre tivemos aqui uma relação de debate, às vezes acalorada, mas de muito respeito e muita consideração.

Faço um apelo ao bom senso e espero que possamos votar as matérias que estão na pauta de hoje.

Muito obrigado, Sr. Presidente,


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/09/2002 - Página 16810