Discurso durante a 108ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à desigualdade na distribuição do tempo para o horário político eleitoral gratuito.

Autor
Lauro Campos (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • Críticas à desigualdade na distribuição do tempo para o horário político eleitoral gratuito.
Aparteantes
Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 06/09/2002 - Página 17123
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • CRITICA, DESEQUILIBRIO, DISTRIBUIÇÃO, TEMPO, HORARIO GRATUITO, PROPAGANDA ELEITORAL.
  • CRITICA, PROMESSA, CANDIDATO, HORARIO GRATUITO, CAMPANHA ELEITORAL, ATRAÇÃO, ELEITOR, AUSENCIA, POSSIBILIDADE, CUMPRIMENTO.
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, BRASIL, AUMENTO, DESEMPREGO, DIVIDA PUBLICA, DIVIDA INTERNA, EMPOBRECIMENTO, ESTADO.

O SR. LAURO CAMPOS (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse horário eleitoral produziu alguns latifundiários do tempo inútil, do tempo improdutivo, produziu alguns candidatos que têm que encher lingüiça para completar o tempo que lhes foi concedido, pelas regras vigentes. Eu tenho 30 segundos. Esse é o meu minifúndio temporal, em que tenho que espremer o quê? Muito poucas considerações e formulações.

O momento eleitoral trouxe aquilo a respeito do que, há cerca de um ano, fiz um discurso aqui, desta tribuna, para dizer que os políticos, os candidatos, nesta eleição, ficariam entre o silêncio e a mentira. O silêncio dos escapistas, daqueles que não querem se comprometer, daqueles que querem garantir a posse. E a posse, no Brasil, obviamente, é garantida por forças que pouco ou muito pouco ou nada têm a ver com o processo eleitoral, a indicação ou a escolha do Presidente. Nas eleições, quando a apuração não é distorcida, contaminada, indica-se, nessa etapa, o candidato a Presidente da República.

A posse é um processo diferente, e o presidente pode ser desapossado a qualquer dia, a partir de sua posse. Temos visto isso claramente em vários países da América do Sul. Aqui, no Brasil, quiseram desapossar o Juscelino - Jacareacanga, Aragarças. Jânio Quadros, que o sucedeu, teve uma posse um pouco incerta, insegura, uma posse um pouco ubriaca. Logo em seguida, não queriam dar posse ao Jango, e por aí afora. Quer dizer, a posse é realmente importante.

E há alguns candidatos que abdicam de tudo, recolhem-se ao silêncio dos medrosos e não querem saber de afirmar nada. Fazem parte daquela engenharia genética que mistura ser humano com quiabo. O ser humano político, no Brasil, a maior parte deles, transforma-se em metade gente, metade quiabo, a fim de não se comprometer com nada e garantir a posse.

De modo que, em trinta segundos, não faço propostas de salvacionismo; eu não quero salvar o mundo. Seria uma loucura completa fazer propostas para salvar, para resolver problemas de desemprego - 800 milhões em escala mundial -, para resolver o problema das finanças públicas, com mais de US$5 trilhões de dívida pública norte-americana e uma dívida igual nos 15 países que compõem a União Européia. A nossa dívida pública, esta sabemos a quantas anda, e eu, em trinta segundos, iria fazer um programa para resolver essa problemática que as maiores cabeças do mundo não conseguem resolver nem para elas. E nós, na hora da eleição, com trinta ou quinze segundos. Alguns estão até cantando, no horário eleitoral, aquela “ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar”, dando mão a criancinhas, ensinando meninos a atravessar a rua. Meu Deus! E, ao que me parece, esses agradam muito aos eleitores. Eu não estou aqui para agradar ao eleitor e não estou aqui também para fazer propostas salvacionistas.

De modo que vou continuar a tentar. Pelo menos uma coisa foi feita. Há um diagnóstico geral. O problema principal é o desemprego. O desemprego assumiu proporções quantitativas tão grandes que entrou pelos olhos da maior parte dos candidatos. Mas penso que nenhum deles ou poucos deles teriam lido, por exemplo, dentre os diversos livros que tratam do assunto, O Fim dos Empregos, o declínio inevitável do nível dos empregos e a redução da força global de trabalho, de autoria de Jeremy Rifkim.

Se tivéssemos tempo de ler antes de nos candidatarmos e de nos propormos a salvar o capitalismo de seus problemas e a sociedade capitalista de suas angústias e sofrimentos, teríamos procurado saber sobre o que estamos falando para não nos transformarmos em enganadores enganados. Nós nos enganamos, não procuramos adquirir as bases das informações e das perspectivas que são fornecidas pelos pesquisadores e estudiosos em seus diversos campos. E vimos esse espetáculo, em que cada um faz uma proposta para salvar o mundo, a sua lavoura, o seu eleitorado, para conquistar eleitores enganados. E de enganação em enganação, haverá um aprofundamento da desmoralização dos enganadores, desespero dos enganados. Portanto, esse será o resultado final dessa prática eleitoral criminosa.

O que se acabou de fazer no Brasil foi, obviamente, aquele processo de neoliberalismo, de neoliberalização, em que os direitos adquiridos passaram a ser vistos e tidos como obstáculos ao neoliberalismo. É o mercado que deve mandar. De modo que esse mercado, que é genial, racional, divino, iluminado, de acordo com os iluministas, deverá atuar com sua inteligência, saber e poder de maneira livre. Os trabalhadores não podem ter direitos, garantias, carteira assinada, pois atrapalham o mercado. A televisão vem e mostra as carteiras. Mentira! E a mentira televisiva tem um poder fantástico. Enquanto as mentiras se encontram em livros não lidos, que permanecem virgens, não abertos, inacessíveis, podem continuar anunciando: Avança Brasil! Mais quatro anos de desenvolvimento para todos.

Se abrirem uma página e encontrarem aqui uma verdade, renuncio ao meu mandato. Tudo mentira, enganação. Avança Brasil!

Realmente, avançamos muito no desemprego, no aumento da dívida pública, da dívida externa, no sucateamento do Estado, avançamos em quase todos os setores.

É difícil. No momento eleitoral em que os meios de comunicação se abrem, aqueles candidatos que se propõem a representar o povo e os seus interesses no Senado e na Câmara deveriam assumir uma atitude crítica para alertar os eleitores para a situação gravíssima em que nos encontramos.

Ao contrário, se a pessoa que cismou de ser Senador ou Deputado é, por exemplo, um construtor, ele afirma que o setor da construção civil é capaz de reabsorver a mão-de-obra mais que qualquer outro. Mentira!

A construção civil, ao mesmo tempo em que vai empregando, vai desempregando. Em determinado momento da construção, necessita-se de bate-estacas, então se empregam aqueles trabalhadores bate-estacas terceirizados. E quando o bate-estaca pára de funcionar, porque as bases já estão feitas, os trabalhadores são, obviamente, dispensados. Aí se contrata outra turma, que será dispensada logo que sua tarefa acabar. No final, esse investimento imenso num prédio resultou apenas em quatro ou cinco empregos, que são o porteiro e os vigias. O restante foi dispensado.

Então, escondem o lado da dispensa dos trabalhadores, da demissão, do aumento de desemprego e só colocam nos meios de comunicação a criação e a geração de novos empregos. Uma farsa completa.

Se trinta segundos não são suficientes, também não o são vinte minutos - que parecem para mim um latifúndio do tempo e dos quais procuro não fazer um latifúndio improdutivo.

Vamos olhar, um pouco rapidamente, para a experiência histórica. O que aconteceu com o capitalismo a partir da Primeira Guerra Mundial? Todos os países começaram a apresentar índices enormes de desemprego: a Inglaterra, a Suécia, a Noruega, por volta de 20% de desemprego. Somente os Estados Unidos mantiveram uma taxa de desemprego de 4%, com investimentos maciços, fantásticos, que, naquele nível de tecnologia existente, conseguiram manter apenas 4% da força trabalho, da PEA norte-americana desempregada.

No entanto, esses investimentos foram muito grandes. Por exemplo, a indústria automobilística, que é a mais sintomática, passou de 2,1 milhões de carros, mais ou menos, no início dos anos 20, para 5,3 milhões produzidos nos Estados Unidos, em 1929. Essa produção foi tão grande nesses setores todos da linha branca, de carros, etc, que a crise de 29, nos Estados Unidos, de acordo com Lord Keynes - não sou eu que estou dizendo -, foi uma crise de excesso de capital, de sobreacumulação.

Para manter e reativar o capital, para segurar a taxa de lucro em nível que atraísse investimentos e que produzisse acumulação de capital, o Estado teve que imprimir papel e acabar com a relíquia bárbara, dinheiro de ouro e de prata - o último país que o fez foi a Arábia Saudita, em 1953.

Então, o dinheiro fascista, o dinheiro nazista, de acordo com Georg Friedrich Knapp, Teoria Estatal do Dinheiro, passa a governar o mundo. É o dinheiro de papel. O papel pintado passa a dominar o mundo. O governo passa a gastar, entra em desequilíbrio orçamentário, pois desequilibra o orçamento para tentar equilibrar o mundo, a vida, abrindo oportunidades de emprego, mas não no setor automobilístico, por exemplo, em que a ociosidade estava em 80%.

Como é possível investir com 80% das máquinas paradas? O investimento já não é capaz de criar novos empregos, esse é o problema. Assim, o governo foi obrigado a reempregar. Onde? Nos setores em que podia gastar imensa quantidade de dinheiro, rompendo o equilíbrio orçamentário e entrando para um desequilíbrio permanente nos últimos 70 anos, com exceção dos três da era Clinton, em que houve superávit. Esse superávit que nos impõem só existiu durante três anos, nos Estados Unidos, nos últimos 70 anos, porque o governo teve que gastar, para, entre outras coisas, sustentar o lucro e o volume de emprego.

O Estado é capital. O Estado sustenta o capital, os bancos, programas como o Proer; sustenta o lucro dos empresários, fazendo compras. Como disse o então Presidente Richard Nixon, em sua mensagem ao congresso americano, o governo paga um preço especialmente elevado pelas mercadorias que compra, sustenta 68% das pesquisas, reabsorve mão-de-obra. Atualmente, os Estados Unidos, em pleno neoliberalismo de fancaria, de mentira, têm 15% da população economicamente ativa em empregos públicos, enquanto o Brasil só tem 5%. E, aqui, vamos enxugar a máquina pública, demitir funcionários. No entanto, agora, época de eleições, aqueles que demitiram milhares e milhares de funcionários públicos colocam a máscara do humanismo e da compreensão e começam a criar vagas no serviço público. Ontem mesmo foram criadas mais de 160 vagas para advogados e outros cargos.

Se o nível tecnológico adquirido pelo capitalismo em sua dinâmica fabulosa gera, necessariamente, desemprego, e se o investimento capaz de reduzi-lo para 2 a 4% é tão grande que o capitalismo não suporta e entra em crise, então, o que fazer? A única solução na história econômica do capitalismo é o emprego público, é empregar aqueles que as máquinas, que a eficiência desempregou, e reempregá-los não na indústria, que está demitindo continuamente, mas nos serviços públicos. Eles encaixam aqueles que foram desencaixados, retirados, expulsos da produção. E eles reentram no processo como consumidores improdutivos, como funcionários públicos. É isso.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Lauro Campos?

O SR. LAURO CAMPOS (PDT - DF) - Se a Mesa permitir, com prazer.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Lauro Campos, qualquer pessoa que acompanha os trabalhos do Senado, qualquer pessoa que movimenta sua consciência não apenas pelas traduções estabelecidas pela mídia, com certeza tem uma admiração muito grande por V. Exª. Talvez a minha admiração não seja maior, mas com certeza é muito grande, porque conheço profundamente V. Exª. Mas sei que qualquer pessoa de bom senso, independente até das convicções ideológicas, filiação partidária ou concepção programática, ao assistir às sessões do Senado deve ter por V. Exª uma admiração gigantesca, uma admiração profunda. Não apenas eu, que talvez seja a maior admiradora de V. Exª neste plenário, pela sua convicção ideológica, pela sua firmeza programática e porque, em nenhum momento, vi V. Exª, na sua história política, curvando-se de forma subserviente às idéias que estão estabelecidas na sociedade como se fossem consensuais. É por isso que volto a dizer o que já disse várias vezes aqui: tenha V. Exª a convicção de que é o oxigênio que movimenta os meus passos neste plenário e na minha luta política. É por isso que espero muito que V. Exª, no próximo ano, possa estar aqui de novo, com sua firmeza ideológica, sem em nenhum momento se ajoelhar covardemente às conveniências políticas ou às conveniências de quem quer que seja. Espero que Deus lhe proteja e que o povo de Brasília saiba reconhecer esse trabalho admirável de V. Exª no plenário do Senado.

O SR. LAURO CAMPOS (PDT - DF) - Senadora Heloisa Helena, as suas palavras me tocam profundamente. Em minha vida, nunca deixei de ser um marginalizado. Quando eu dizia que a crise estava se aproximando, nos anos 60, a perseguição contra mim foi-se estreitando; em 1975, encontrei-me, em São Paulo, com Fernando Henrique Cardoso, a quem fui procurar para me aconselhar. Ele me disse: Lauro, nunca vi ninguém tão perseguido, tão ameaçado - aliás, a palavra foi esta, ameaçado -, quanto você. Ameaças de morte, porque eu estava dizendo que ia acontecer isso que está acontecendo. Era isso que eu dizia.

De modo que sei como é que é difícil expressar a nossa pobre, triste e pouco luminosa verdade. Mas não tenho outra verdade, só tenho essa, dessa minha luz quase apagada. Agora, não a troco por mentiras, não a troco por espertezas da cabeça, não a troco pelas colunas vertebrais “enquiabadas”, que viraram quiabos nessa engenharia genética fantástica que presenciamos.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. LAURO CAMPOS (PDT - DF) - Não tenho tempo de mostrar - a Mesa já me chama a atenção, por meio da sonoridade da campainha, e devo pedir, mais uma vez, desculpas -, mas quem quiser deve ler este livro, por exemplo: O Fim dos Empregos, para não ficar prometendo mentiras, para não ficar entre o silêncio e a mentira nesta triste, tristíssima campanha eleitoral.

Não enganem os eleitores!

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/09/2002 - Página 17123