Discurso durante a 109ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagens a Toninho do PT, assassinado há um ano, e ao centenário de Juscelino Kubitschek.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ELEIÇÕES.:
  • Homenagens a Toninho do PT, assassinado há um ano, e ao centenário de Juscelino Kubitschek.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 11/09/2002 - Página 17467
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ELEIÇÕES.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ANTONIO DA COSTA SANTOS, PREFEITO, MUNICIPIO, CAMPINAS (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ELOGIO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, JUSTIÇA, ATUAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, JUSCELINO KUBITSCHEK, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, ATUAÇÃO, VIDA PUBLICA, DEFESA, AGILIZAÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, PAIS.
  • CONVICÇÃO, ORADOR, PREPARAÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, CANDIDATO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RESGATE, CIDADANIA, JUSTIÇA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, PAIS.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há um ano, em 10 de setembro de 2001, o Prefeito Toninho - Antonio da Costa Santos -, de Campinas, foi barbaramente assassinado.

Ainda que tenham a Secretaria de Segurança Pública e as autoridades policiais do Estado de São Paulo chegado à conclusão de que foi um crime comum, a Srª Roseana Moraes Garcia, sua viúva, sua filha Marina, a Prefeita Izalene Tiene e tantos em Campinas estão solicitando das autoridades o reexamine do processo, do procedimento da investigação, para se ter certeza a respeito das causas do assassinato de Antonio da Costa Santos.

Toninho foi uma figura muito especial. Um homem apaixonado pela sua cidade, pelo seu povo, pelo sentido de retidão, de defesa de seriedade no trato da coisa pública. Ele, que já havia sido Vice-Prefeito de Jacó Bittar, lutou bravamente para que todo e qualquer ato da administração pública fosse sempre realizado com a maior transparência e, uma vez eleito prefeito de Campinas, procurou adotar exemplarmente aqueles instrumentos de políticas públicas que caracterizassem transparência, honestidade e sentido de realização de justiça e cidadania para todos os campineiros. Procurou adotar o orçamento participativo, os programas de moradia popular, de educação pública e de garantia de renda mínima.

Foi um arquiteto que estudou em profundidade a sua cidade, tanto é que escreveu a tese denominada Campinas: das origens ao futuro, referente à compra e venda de terra e água e um tombamento na primeira sesmaria da freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas, do Mato Grosso de Jundiaí, de 1732 a 1992, onde fala da própria história, da história de sua cidade.

São palavras de sua viúva:

Esta tese, agora transformada em livro, revela, em grande parte, a sua própria história. O pai de Toninho, imigrante português, chegou ao Brasil, vindo da região do Porto, já com 21 anos de idade. Sua mãe, também imigrante portuguesa, da região de Bragança, aqui chegou com 17 anos. Os dois conheceram-se no Brasil. Já casados, adotaram Campinas como sua terra brasileira. Nela prosperaram e tiveram dois filhos - Antonio e Paulo. A família era pequena, o pai não tinha parentes no Brasil; a mãe, só um irmão mais velho. Assim Antônio cresceu nestas campinas que receberam seus pais imigrantes.

Sempre bom aluno, começou a cursar em 1970 a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Em 1975, já formado, voltou para Campinas e começou a dar aulas de arquitetura na PUC. Naquela época, envolveu-se em movimentos populares, dedicando-se à urbanização de favelas. Também naquele período, adquiriu a Casa Grande e Tulha, objetos de estudo deste livro. A partir dessa aquisição, seu interesse foi despertado tanto para a preservação do patrimônio histórico como para a história da urbanização brasileira, em especial a história de Campinas. Desde então, dois fortes eixos conduziram sua vida profissional. Um, acadêmico, de aprofundamento no estudo da habitação popular e da urbanização brasileira. Outro, político, através do Partido dos Trabalhadores, tendo sido eleito vice-prefeito e prefeito da cidade em 1989 e 2001, respectivamente. Ambos os eixos - o acadêmico e o político - compuseram-se, de maneira singular, na sua pessoa. Conhecimento, poder político e uma vida de combate à corrupção, essa combinação, acreditava Antonio, era perfeita para a transformação política e social de Campinas.

Toda essa vida de sonhos e realizações foi interrompida em 10 de setembro por uma bala. Antonio foi assassinado nestas mesmas campinas que tanto amou. Mas ele não está morto. Continua vivo na história e dentro de cada um que compartilhe de seus ideais. Antonio da Costa Santos vive!

Hoje, Campinas o homenageia. Se hoje não houvesse esta sessão tão importante do Senado, nós estaríamos ali, ao lado da Srª Roseana Moraes Garcia e da Prefeita Izalene Tiene, também homenageando o nosso Toninho. Mas o faço da tribuna do Senado. Prestamos nossa homenagem à sua filha, Marina Garcia da Costa Santos, e à sua esposa, Srª Roseana Moraes Garcia, bem como ao povo de Campinas pelo seu Prefeito tão querido.

Sr. Presidente, gostaria também de registrar que, no próximo dia 12, haverá a homenagem pelos "'Cem Anos de Juscelino Kubitschek". Ressalto o quanto Juscelino Kubitschek constitui, para todos nós, brasileiros, um exemplo de amante da democracia e amante profundo deste País e de seu povo. Lembro-me que, em 1955, eu era um estudante de 14 anos, completando o ginásio, e tive a primeira ocasião de conhecer, pela televisão, as plataformas dos candidatos a Presidente e a Governador. Impressionava-me Juscelino Kubitschek como um verdadeiro professor de Geografia do Brasil, ao mostrar o mapa brasileiro e apresentar suas metas, como seriam as novas estradas que cortariam o País e o seu plano de levar ao Centro-Oeste brasileiro o desenvolvimento, na medida em que quase todo o desenvolvimento acontecia mais próximo ao litoral. Daí a razão principal de Juscelino querer mudar a capital do Rio de Janeiro para Brasília.

Cinco anos depois, em 21 de abril de 1960, houve a inauguração de Brasília e estive presente ao evento, quando pude testemunhar, aos meus 19 anos de idade, a extraordinária vibração do povo brasileiro que aqui se encontrava, já detectando que, deste Planalto, iríamos ter um destino que ainda nos falta realizar, mas que foi apresentado por Juscelino como algo à altura das esperanças e anseios do povo brasileiro.

Com o processo de desenvolvimento que ele promoveu de forma rápida, com a meta de “50 anos em 5”, com o sentido de urgência para o desenvolvimento econômico, aprendemos muito.

Faz-se necessário, Sr. Presidente, combinarmos aquele anseio de crescimento acelerado da economia brasileira, para promover o acesso do povo ao direito à dignidade e ao progresso, à busca de um senso de justiça muito mais forte do que o existente naquela época, durante os anos de regime militar e nos últimos oito anos, em que a realização de justiça deixou muito a desejar. Não que isso estivesse ausente dos anseios expressos pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, mas, na verdade, os instrumentos de políticas públicas e econômicas de que o Presidente Fernando Henrique se utilizou não foram de molde a tirar o Brasil da péssima condição que hoje ostenta, de quarto lugar dentre os campeões mundiais da desigualdade socioeconômica.

É por essa razão, Sr. Presidente Antonio Carlos Valadares, que o anseio maior do povo brasileiro é justamente a realização de justiça.

Os jornais brasileiros de hoje estampam o resultado de pesquisas eleitorais para Presidência da República em que Lula aparece com 40% e 39% das intenções de voto, respectivamente pelo DataFolha e o Ibope. Tenho certeza de que isso significa que Lula representa, hoje, assim como o Partido dos Trabalhadores e os Partidos que conosco estão coligados, esse grande anseio que pretendemos ver realizado com grande prioridade.

Lula, respondendo a Juca Kfouri, na conclusão da entrevista realizada na RedeTV, revelou que constitui seu sonho concluir o seu governo sem que haja uma só criança, homem ou mulher neste País passando fome; que todos possam se alimentar com três refeições ao dia: o café da manhã, o almoço e o jantar. Para tanto, ele colocará em prática os instrumentos necessários para resgatar o direito à cidadania e fazer com que todos possam se alimentar e ter o direito à vida com razoável dignidade.

Sr. Presidente, tenho a convicção de que Lula está preparado para realizar essa meta. Da mesma maneira que Juscelino Kubitschek conseguiu construir Brasília e transferir a capital do Rio de Janeiro para cá, tenho a convicção de que Lula, agora, também conseguirá fazer com que essa meta principal seja atingida.

Há poucos dias, Lula também mencionou que, antes mesmo de resolver o problema do sucateamento dos equipamentos das Forças Armadas brasileiras, será necessário resolver o problema da fome no Brasil. Tenho certeza de que Lula está dizendo essas coisas tão firmemente quanto JK quando disse, com tanto firmeza, que iria transferir a capital do Rio de Janeiro para Brasília.

O Sr. Lauro Campos (PDT - DF) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Senador Lauro Campos, com muita honra concedo-lhe o aparte.

O Sr. Lauro Campos (PDT - DF) - Meus parabéns, Senador Eduardo Suplicy, pelo seu pronunciamento, que, em diversos momentos, desperta as minhas lembranças e as minhas saudades. Acompanhei o raciocínio de V. Exª e realmente gostaria de fazer alguns breves comentários a respeito. Juscelino Kubitschek organizou um programa de metas, de 10 metas, que foram ultrapassadas tendo em vista as suas colocações iniciais. Brasília era a sua meta-síntese. Portanto, sou produto dessa época, dessa era, não apenas porque, como mineiro, já sentia a presença de Juscelino Kubitschek na minha geração e na minha vida, como também pelo fato de ter chegado em Brasília, onde vivo há 42 anos, antes da sua inauguração. É interessante observar que realmente houve uma ruptura após a morte de Getúlio Vargas. A sua carta testamento não era uma previsão frustrada. Quando Celso Furtado voltou com Raúl Prebisch -- os desenvolvimentistas da Cepal - de uma conferência no México, pararam no Rio de Janeiro e Getúlio Vargas e Oswaldo Aranha os receberam. Getúlio, então, teve oportunidade de dizer a Raúl Prebisch e a Celso Furtado: - Sou contra o desenvolvimento rápido, o desenvolvimento apressado, entre outras coisas porque ele provoca um endividamento externo, o aumento da dívida externa, que acabará, nesse andamento, nos sufocando. Realmente, tenho saudade da esperança que havia naquele tempo. Em 1958, vendi um apartamento de minha propriedade em Belo Horizonte para custear meus estudos na Itália. Estudei naquele país na Svimez, hoje, Vimer, a Cassa Per il Svilluppo del Mezzogiorno, que é o centro da reforma agrária da Itália. E fiz um outro curso paralelo, na universidade. Naquela ocasião, Cláudio Napoleoni, que era um dos maiores e mais sérios pensadores e economistas da Europa, dizia, em uma de suas aulas, que o Brasil, dentro de 20 anos, seria, sem dúvida alguma, uma das maiores potências do mundo. Vinte anos! Realmente, a sua previsão foi totalmente frustrada, equivocada. As contradições foram se acirrando. O salário de 1959 era uma maravilha. Aqui, em Brasília, houve a dobradinha: dois salários mínimos eram pagos aos trabalhadores pouco qualificados, o que era uma renda elevadíssima naquela ocasião, e proporcionava todo o conforto aos trabalhadores. Dormíamos com porta e janela abertas. Não havia roubo, não havia fome, não havia miséria e nem agressividade. Por isso, sinto uma saudade enorme daquele tempo, daquele Brasil que poderia ter sido, mas que, infelizmente, não foi, por diversos motivos. Getúlio aponta um deles: a dívida externa. Conhecemos um outro: a falta de reforma agrária. Além de outras carências que não soubemos incorporar ao nosso processo de crescimento, e de respeito e de construção. É uma questão de ontologia. Não soubemos construir o ser humano brasileiro num nível de dignidade e de decência. Parabéns pelo seu pronunciamento. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço-lhe o aparte, que é sempre um importante ensinamento, prezado Senador Lauro Campos. V. Exª traz-nos a história com experiências relevantes, como a observação de Getúlio Vargas a Raúl Prebisch e Celso Furtado.

É importante destacar inclusive que Celso Furtado teve um papel significativo no Governo Juscelino Kubitscheck, especialmente como o criador e responsável pelo desenvolvimento da Sudene, que, depois, foi objeto de grande distorção e, recentemente, até de transformação em agência de desenvolvimento do Nordeste, o que está muito distante daquilo que era o verdadeiro projeto apresentado por Celso Furtado.

No entanto, ambos, Celso Furtado e Raúl Prebisch, tinham visão da urgência do desenvolvimento. Quem sabe a recomendação de Getúlio Vargas fizesse bastante sentido, porque, infelizmente, o que observamos é que, nestes últimos oito anos, o Brasil, ao mesmo tempo, se endivida e não cresce. Então, estamos vivendo uma situação de dificuldades. É preciso que haja uma nova visão, para que o Brasil possa, ao mesmo tempo, crescer à altura da sua potencialidade, mas crescer com justiça, de maneira a não provocar um desequilíbrio social que nos leve a fenômenos extraordinariamente trágicos.

Assisti, no último domingo, Senador Lauro Campos - acredito que esteja passando em todo o Brasil -, ao filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles. É um filme a que Lula e o Presidente Fernando Henrique já assistiram, e quero recomendá-lo a todos os brasileiros.

O que me impressionou foi a sensação de que as crianças e os jovens, as meninas e os meninos que moram em lugares como a Cidade de Deus, ou como outras 600 favelas do Rio de Janeiro, ou em conglomerados urbanos semelhantes, em São Paulo, não têm alternativa senão ingressar na marginalidade, na vida do crime, na prostituição ou no narcotráfico, para sobreviver. Parece que quase não sobram alternativas. Mesmo o rapaz que desenvolve as carreiras brilhantes de fotógrafo e jornalista acaba convivendo com o mundo do crime. Ele procura inteirar-se dos fatos para sobreviver. Por pouco ele não morre no meio do tiroteio entre as quadrilhas rivais e a polícia, na hora em que estava exercendo a sua função de fotógrafo - ele era o único admitido no local para fotografar os eventos, porque era morador da Cidade de Deus.

Fiquei muito impactado ao assistir a esse filme. Será que não há outra solução para as crianças e os jovens brasileiros senão seguir essa trajetória? Tenho certeza de que temos que mudar esse quadro com os instrumentos possíveis. Não vejo outra urgência. Se Juscelino Kubitschek via urgência em construir certas estradas e desenvolver diversos planos - como a Sudene, a mudança da Capital do litoral para o Centro-Oeste e assim por diante -, hoje precisamos dar urgência completa ao direito à vida com dignidade para o ser humano. Eis por que avalio como tão significativa a instituição de uma renda de cidadania básica como um direito universal no Brasil, Senador Lauro Campos. Penso que isso deve ser percebido com um senso de urgência muito maior do que até agora foi, pois que desenvolvimentos temos tido?

Impressionou-me, Senador Lauro Campos, saber que um dos setores que mais cresceram economicamente, nesta época de recessão e de crise, foi o da segurança. Fui informado há pouco - e também li na revista Veja - que um setor que está crescendo extraordinariamente é o de produção de carros blindados. Há seis anos, havia apenas uma empresa no ramo. Agora, há 48 ou 49 empresas, que produzirão, neste ano, 9 mil unidades, cada uma ao preço de R$100 mil, sendo R$50 mil para o automóvel e mais R$50 mil para blindá-lo. Esse é um setor que cresce extraordinariamente e eu até disse a um dos responsáveis pela construção de carros blindados: “Quem sabe, com a eleição de Lula, não seria interessante o senhor pensar em diversificar um pouco a produção? Porque se as coisas melhorarem, se efetivamente conseguirmos estabelecer maior justiça neste País, pode diminuir o ritmo de crescimento da produção e da demanda de carros blindados.”

Assim, agradeço o aparte de V. Exª.

Gostaria de informar ao Senado Federal que houve entendimento entre os diversos Senadores e Lideranças para que hoje haja quorum para podermos votar matérias importantes. Então, gostaria de fazer um apelo aos Senadores que chegaram a Brasília para que venham ao plenário.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/09/2002 - Página 17467