Discurso durante a 109ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Explicações acerca da eventual aprovação de resolução que permitirá a transferência da dívida do Instituto de Previdência do Rio Grande do Sul para o Governo estadual.

Autor
José Fogaça (PPS - CIDADANIA/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), GOVERNO ESTADUAL. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Explicações acerca da eventual aprovação de resolução que permitirá a transferência da dívida do Instituto de Previdência do Rio Grande do Sul para o Governo estadual.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 11/09/2002 - Página 17483
Assunto
Outros > ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), GOVERNO ESTADUAL. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, EVENTUALIDADE, APROVAÇÃO, PROJETO DE RESOLUÇÃO, TRANSFERENCIA, RESPONSABILIDADE, DIVIDA, INSTITUTOS DE PREVIDENCIA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), GOVERNO ESTADUAL, FACILITAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO, FINANÇAS PUBLICAS.
  • ANALISE, DECISÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DECLARAÇÃO, GUERRA, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, REGISTRO, VIOLAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • ANALISE, IMPORTANCIA, RETOMADA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CONTROLE INTERNO, FABRICAÇÃO, ARMA, ENGENHARIA QUIMICA, NECESSIDADE, APOIO, AMBITO INTERNACIONAL, GOVERNO, GUERRA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), COMENTARIO, IMPORTANCIA, BRASIL, DEFESA, PAZ, MUNDO, REJEIÇÃO, PROPOSTA, GUERRA.
  • REGISTRO, ATENTADO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).

O SR. JOSÉ FOGAÇA (Bloco/PPS - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, venho à tribuna para tratar de dois assuntos. O primeiro deles diz respeito a uma matéria de interesse do Rio Grande do Sul.

O Rio Grande do Sul, Sr. Presidente, realizou uma operação, por meio de um projeto de resolução aprovado no Senado Federal, de transferência da responsabilidade de uma dívida do seu Instituto de Previdência para o Governo do Estado. O Instituto de Previdência do Rio Grande do Sul tinha uma carteira imobiliária e essa carteira possuía uma dívida com a União. O Governo Estadual, por meio de resolução e de autorização do Senado Federal, assume essa dívida que pertence ao seu Instituto de Previdência. Assumida a dívida pelo Governo Estadual, criou-se agora um pequeno problema de ordem meramente legal, de ordem técnico-legal: o Governo do Estado, para amortizar essa dívida junto à União, quer lançar mão dos créditos que tem no Fundo de Compensação das Variações Salariais. Para lançar mão desses créditos, ele precisa fazer uma pequena modificação na resolução anterior, ou seja, no §2º do art. 1º, o que permitirá a mudança no contrato e, portanto, a liberação e a disponibilização dos créditos do Fundo de Compensação das Variações Salariais para serem utilizados na amortização da dívida do IP junto à União.

A legislação atual determina que esses créditos sejam utilizados preferencialmente para quitar o saldo devedor junto ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. O que se está fazendo é permitir que esses recursos, em vez de irem para o FGTS, sirvam de instrumento de amortização mais rápida da dívida do Instituto de Previdência do meu Estado para com a União.

Sr. Presidente, desejo debater outro tema nesta tribuna. O primeiro que abordei dizia respeito apenas a uma questão técnico-jurídica ou técnico-legal, e, pelo que percebemos dos debates realizados anteriormente, não há nenhuma objeção por parte dos Srs. Senadores quanto a essa reivindicação do Rio Grande do Sul que permitirá ao Estado amortizar a dívida do seu Instituto de Previdência em cinco anos, o que torna, evidentemente, mais fácil a administração das contas públicas, das finanças do Estado. Essa questão parece-me importante, mas creio que o Rio Grande do Sul terá o apoio dos Parlamentares e contará com a aprovação, por parte do Senado Federal, do projeto de resolução apresentado pela Senadora Emilia Fernandes com a assinatura dos outros dois Senadores do Estado, Pedro Simon e este que está à tribuna.

Sr. Presidente, o segundo tema apresenta diferente abordagem e refere-se à outra dimensão política: tudo indica que os Estados Unidos, por meio de uma decisão já tomada pelo Presidente George W. Bush, estão por encaminhar uma declaração de guerra ao Iraque.

O noticiário de hoje da imprensa informa que, de fato, essa decisão foi tomada e todos os procedimentos e preparativos também estão sendo desenvolvidos para chegar à consecução de um objetivo: deflagrar a guerra contra o Iraque, provavelmente, nos moldes daquela deflagrada contra o Governo do Afeganistão.

Além da básica e fundamental defesa da paz mundial, além da rejeição e do protesto contra a guerra, há algumas questões técnicas importantes de política e de Direito Internacional que também estão em jogo nessa forma unilateralista de fazer política, que vem sendo adotada pelo Presidente George Bush.

É preciso que a diplomacia brasileira saiba deixar marcantemente visível que o Brasil é contra qualquer forma de mobilização bélica neste momento, que o Brasil não é favorável a um confronto armado naquele palco de operações do Oriente Médio.

Por mais que sejam procedentes as acusações contra o Governo do Sr. Saddam Hussein, por mais que haja a comprovação de que, contando com o combustível e com os insumos básicos, ele poderá vir a fabricar armas atômicas, o procedimento correto não é a declaração imediata de guerra. Tal ato viola e agride os princípios procedimentais básicos sempre levados a efeito pelas decisões tradicionalmente adotadas pela Organização das Nações Unidas. A declaração de guerra como primeira iniciativa é contrária a todas as práticas tradicionais anteriores.

A política a ser adotada neste momento pela frente internacional, pela coalizão internacional que os Estados Unidos desejam constituir, deveria ser a de retomada do controle interno da fabricação de armas químicas e de armas de destruição em massa. Neste momento tal política está desativada, está paralisada. As ações e os procedimentos de controle não estão sendo realizados, não há agentes nem inspetores das Nações Unidas operando no Iraque. Portanto, com base no modelo tradicional, com base nas práticas anteriormente adotadas, é absolutamente essencial o posicionamento dos países democráticos - e o Brasil aí deve estar incluído, pois atualmente é um personagem importante no tabuleiro internacional. O Brasil é um player importante na política expressa na globalização. Ele é um protagonista dos novos tempos da globalização e deve ter uma posição peremptória, marcante, definitiva, declarada e inequívoca. O Brasil deve dizer que, antes da declaração de guerra, todas as preliminares procedimentais, próprias e tradicionais da Organização das Nações Unidas devem ser adotadas. Uma delas é a retomada do controle de fabricação de armas químicas e de armas de destruição em massa. Caso esse tipo de procedimento venha a ser rejeitado pelo Governo Saddam Hussein, caso esse tipo de negociação não chegue a bom termo, ainda há outra etapa a ser cumprida, na qual se deve submeter a coalizão de guerra a uma decisão da Assembléia das Nações Unidas ou do Conselho de Segurança das Nações Unidas, no qual países como a China e a Rússia têm poder de veto. Portanto, é preciso que o Brasil, claramente, mostre-se contrário a essa conduta unilateralista, a essa política de viés absolutamente particular, a partir de conceitos elaborados, construídos no Departamento de Estado, nos setores estratégicos do Pentágono, que não se sensibilizam com a palavra, com o pensamento, com as ponderações feitas com países parceiros ou aliados.

O Sr. George Bush buscou o apoio de Tony Blair, da Inglaterra, mas há -- vejam bem -- uma divergência visível, notória, do Sr. Jacques Chirac, Presidente da França, que diz não se alinhar automaticamente com esse unilateralismo posto em prática pelos Estados Unidos. E o Sr. Gerhard Schröder, Primeiro-Ministro da Alemanha, numa posição até mais contundente, é frontalmente contrário a essa postura primária de declaração de guerra, de plano, como primeira postura, como primeira atitude, como primeiro movimento, sem antes cumprir rigorosamente todas as exigências procedimentais que o modelo estabelecido pelo sistema de governança do Direito Internacional exige.

Sr. Presidente, faço esse registro não só porque desejo, evidentemente, que prevaleça a paz, pois ela é sempre o melhor caminho e deve ser defendida com todas as forças, com toda a veemência que possa ter uma linguagem de não-violência, mas também porque quero dizer que há necessidade de deixar claro perante o Governo dos Estados Unidos o posicionamento do Congresso brasileiro, o posicionamento das autoridades brasileiras. Em primeiro lugar, é preciso não só deixar clara a idéia de defesa da paz, da rejeição absoluta e frontal da guerra, mas também, sobretudo no terreno do Direito Internacional, exigir que os Estados Unidos saiam dessa redoma de unilateralismo político e adotem todas as preliminares, todas as exigências procedimentais que anteriorizam uma decisão e um ato da invergadura e da proporção desse.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Senador José Fogaça, V. Exª permite-me um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA (Bloco/PPS - RS) - Com muita honra, Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Antes de tudo, gostaria de elogiar a análise correta, minuciosa que V. Exª fez e o posicionamento sensato que aconselha. O diálogo, com toda certeza, deve ter sempre a primazia não só no caso dos Estados Unidos. Vemos agora, por exemplo, Taiwan tentando um lugar ao sol no Conselho Geral, tentando ingressar na da confraria da ONU, sem conseguir. O Brasil, com o apoio dos Parlamentares brasileiros, já conseguiu fazer parte da OMC. Não faz mal que alguns países tenham oportunidade de falar. Ao mesmo tempo em que V. Exª condena a possibilidade de um país ter armamentos que deveriam ser banidos, advoga o diálogo, a paz e a conversação. Parabéns. Solidarizo-me com V. Exª neste discurso tão precioso.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (Bloco/PPS - RS) - Muito obrigado, Senador Ney Suassuna. Concordo plenamente com V. Exª sobre a questão de Taiwan. Considero injusto não permitir àquele país ser protagonista nos fóruns internacionais. A China tem fechado essas portas. Ou há um entendimento ou uma aliança tática entre os dois países, ou então a China continental libera Taiwan para que possa ter identidade e ser protagonista no cenário internacional.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Permite V. Exª. um aparte?

O SR. JOSÉ FOGAÇA (Bloco/PPS - RS) - Com muita honra, Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (PSB - SE) - Senador José Fogaça, V. Exª, nesta tarde, brinda este Senado Federal com um pronunciamento da maior oportunidade, ao tratar de um assunto cujo desfecho poderá, sem dúvida alguma, repercutir internacionalmente, inclusive, na nossa economia, tal a dependência que tem o Brasil de qualquer posição política ou econômica tomada pela nação norte-americana. Ora, sabemos que existem outros países que não concordam com esta guerra. A Alemanha, por exemplo, tem informações tão seguras quanto as obtidas pelos Estados Unidos e não iria, a meu ver, deixar que o mundo ocidental fosse mergulhado em uma atitude terrorista do Iraque, sabendo que poderia ser também alvo do ataque mais cedo ou mais tarde. Creio que os americanos estão se precipitando. É minha opinião, segundo leio nos jornais e acompanho pela televisão. O que está em destaque hoje no mundo é a fome, que cada vez mais recrudesce. Há mais de 800 milhões de pessoas famintas em todo o mundo. Mais de 100 mil pessoas morrem de fome por dia, segundo dados da própria ONU. Essa crise, se terminar em um guerra, vai recrudescer ainda mais a fome. As nações mais pobres, menos desenvolvidas, é que vão sofrer mais. O endividamento está se agravando em todos os países. O Brasil, vítima dessa crise enorme, avassaladora, que atinge todos, tem uma dívida praticamente impagável e está empenhando 60% de seu orçamento para o pagamento da dívida pública. Isso tudo é conseqüência não apenas das políticas internas praticadas ao longo dos anos, mas de políticas de aliados que deveriam, ao menos, pensar melhor antes de tomar posições tão radicais. Muito obrigado.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (Bloco/PPS - RS) - Senador Antonio Carlos Valadares, V. Exª tem inteira razão. Na própria OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte - não há unanimidade, não há uniformidade de posições. A Alemanha e a França estão claramente em confronto com essa posição unilateral dos Estados Unidos. Portanto, não há uma sólida e única coalizão.

O Governo George W. Bush tem obrigação, neste momento, de tentar restaurar o sistema de inspeção e controle de armas químicas e de destruição em massa, que foi desativado. Em segundo lugar, deve submeter toda e qualquer decisão, todos os passos que venham a ser dados daqui para frente, ao poder de veto do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Sobretudo nesta hora, é preciso que haja uma reflexão global acerca de todos os interesses que estão em jogo, porque uma guerra dessa dimensão vai repercutir na vida de todos os povos do mundo, de todos nós.

Amanhã, teremos a comemoração de uma data que ninguém gostaria de lembrar. Comemorar não é festejar, como alguns pensam. Comemorar vem do verbo memorar, que significa lembrar com o outro. Comemorar é, simplesmente, lembrarmos em conjunto, lembrarmos todos juntos.

É bom que o mundo se lembre do que aconteceu no dia 11 de setembro. Não estou entre aqueles, Senador Antonio Carlos Valadares, que acredita que aquilo tem justificativa. Não! O que aconteceu no dia 11 de setembro em Nova Iorque não tem justificativa. Esta é a minha posição. Aquilo é desumano em todas as proporções e sentidos que se possa imaginar e, portanto, não tem justificativa. Ponto! Esta é a minha posição. Isso, todavia, não me impede de, neste momento, procurar refletir, raciocinar, ter critérios a respeito da questão internacional do posicionamento do Brasil nesse tabuleiro internacional, nesse cenário de unilateralismo que está se desenhando, do qual o Brasil não pode ser reboque e ao qual não pode ser subcondicionado. O Brasil tem que ser protagonista, ter identidade própria, marcar a sua posição e rejeitar esse tipo de encaminhamento desrespeitoso que vem sendo adotado pelo atual Governo dos Estados Unidos. E a maneira de responder a isso é claramente exigir no fórum adequado, as Nações Unidas, que todos os procedimentos sejam rigorosamente cumpridos pelo atual Governo dos Estados Unidos.

Essa é a forma que temos de ganhar tempo e, assim, fazer prevalecer a idéia da paz.

Obrigado, Sr. Presidente.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/09/2002 - Página 17483