Discurso durante a 109ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários a artigo publicado na Folha de S.Paulo, de autoria do médico infectologista Caio Rosenthal, sobre a precariedade da saúde e sua relação com as condições sanitárias no Brasil.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Comentários a artigo publicado na Folha de S.Paulo, de autoria do médico infectologista Caio Rosenthal, sobre a precariedade da saúde e sua relação com as condições sanitárias no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 11/09/2002 - Página 17593
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • REGISTRO, DIFICULDADE, POPULAÇÃO CARENTE, ATENDIMENTO, HOSPITAL, SETOR PUBLICO, PRECARIEDADE, DISTRIBUIÇÃO, MEDICAMENTOS, PAIS.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, PRECARIEDADE, SAUDE PUBLICA, PREVENÇÃO, DOENÇA, REGISTRO, TRANSMISSÃO, AUSENCIA, CONDIÇÕES SANITARIAS, PAIS.
  • ANALISE, DADOS, AUMENTO, DOENÇA ENDEMICA, DOENÇA TRANSMISSIVEL, APREENSÃO, POPULAÇÃO, REGISTRO, NECESSIDADE, REDUÇÃO, DOENÇA, MORTALIDADE INFANTIL, BENEFICIO, QUALIDADE DE VIDA.
  • COMENTARIO, RESULTADO, PESQUISA, REFERENCIA, SANEAMENTO BASICO, AMBITO NACIONAL, REGISTRO, PRECARIEDADE, CONDIÇÕES SANITARIAS, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO MUNICIPAL, PROVIDENCIA, INVESTIMENTO, RECURSOS, MELHORIA, SITUAÇÃO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando um pobre fica doente no Brasil, sabe que vai entrar num verdadeiro calvário. Além de enfrentar a dor, a febre, o mal-estar, tem de enfrentar uma rotina perversa: acordar de madrugada, enfrentar fila, ficar de pé horas e horas, percorrer hospitais, agüentar mau atendimento - tudo isso para conseguir, se for muito bem sucedido, uma senha que lhe dá direito a consultar um médico. Um médico do SUS, claro, porque nem consegue chegar perto de um consultório ou de uma clínica particular. Plano de saúde? Nem pensar! Se está empregado, mal lhe dá o salário para matar a fome, sua e da família, quanto mais para pagar um plano de saúde! Se consegue ser atendido por um médico, nos míseros cinco minutos reservados a cada paciente, quase tem uma síncope ao comprar os remédios. São caros, muito caros! O estoque dos remédios gratuitos nos hospitais públicos está sempre deficitário. Tem de cair mesmo na rede da ganância dos fabricantes de medicamentos. Mas o dinheiro não dá para comprar tudo o que está no receituário. Os mais caros ficam nas prateleiras. Se tiver sorte, vai sarar é mesmo com os remédios mais baratos. E tem de sarar de pronto, para não ter de repetir a receita.

Sr. Presidente, este é o retrato da situação do pobre que adoece no Brasil. E um retrato singelo, dos mais simples, de um caso que não exigiu o mais corriqueiro e banal exame de laboratório ou de radiologia. Para nem se pensar nos complicados, as tomografias e as ressonâncias... E para não chegar nas intervenções cirúrgicas e nos procedimentos mais sofisticados de implantes e próteses.

Por isso, Srªs e Srs. Senadores, é costume dizer que saúde no Brasil é só para quem pode, para quem tem dinheiro. Já ouvi muitas pessoas pobres dizerem que a saúde em suas vidas é uma questão de sorte. Têm sorte aqueles que não adoecem. Muitos torcem para não ficarem doentes, e, se isso acontecer, têm de rezar para serem atendidos.

Essa realidade não se coaduna com o que prega nossa Constituição no Artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Se pensarmos, então, em políticas públicas de conservação da saúde, de prevenção de doenças, vamos perceber que, no Brasil, a saúde tem andado para trás. Aliás, Senhor Presidente, esse é o título de uma matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo, de autoria do médico infectologista Caio Rosenthal. Por sua autoridade no assunto, por sua visão arguta e pela crítica acertada, vale a pena trazer à baila algumas das idéias expostas na matéria.

O Doutor Rosenthal menciona algumas das mais terríveis epidemias que castigaram o País nos últimos decênios - a epidemia de meningite, nos anos 70; a de Aids, no início dos 80; a de dengue, nos últimos anos, responsável pela morte de muitos brasileiros. Algumas epidemias são previsíveis e, nesse caso, podem ser evitadas com medidas eficientes das autoridades sanitárias. Outras chegam sem avisar e sua incidência foge ao controle de qualquer ação preventiva.

Agora, o cenário que mais nos preocupa, e preocupa também o Doutor Rosenthal, é o das endemias. Sabiam os Senhores Senadores que o Brasil é um dos campeões mundiais de endemias? Pior do que saber isso, Senhor Presidente, é saber que as epidemias têm cura, com remédios baratos, e todas estão perfeitamente mapeadas. No entanto, morrem, todos os anos, milhares e milhares de brasileiros, vitimados por malária, hanseníase, tuberculose, leishmaniose, e outras doenças do gênero.

“São doenças que só incidem onde as condições socioeconômicas e sanitárias são extremamente precárias. Ocupamos o segundo lugar mundial em casos de hanseníase, ficando atrás apenas da Índia. A leishmaniose visceral, o Calazar, vem avançando progressivamente. Em 1999 foi descrito o primeiro caso de contaminação no Estado de São Paulo. Ostentamos o vergonhoso índice de cerca de 6.000 óbitos por ano de doença de Chagas e, apenas no ano de 2000, foram registrados 615.245 casos de malária”. São informações obtidas na Funasa, em maio de 2002, e citadas pelo Doutor Rosenthal na matéria referida. Ele diz mais:

“No Brasil, a área endêmica para esquistossomose abrange 19 Estados, com aproximadamente 26 milhões de habitantes expostos ao risco. É assustador pensar que morrem mais pessoas por ano dessas endemias do que o total de mortos por Aids nos 20 anos de sua presença entre nós.”

Não são doenças de gente rica e famosa, Senhor Presidente! Não aparecem na mídia, não merecem atenção da sociedade. São doenças de brasileiro pobre, desnutrido, analfabeto, que vive em condições de saneamento básico zero - aquela situação em que predomina o sem: sem água tratada, sem água potável, sem esgoto, sem fossa séptica.

Em pleno século 21, quase metade do País não tem esgoto. Mais de 60% dos dejetos recolhidos são despejados diretamente na natureza, degradando rios e lagos. Das cidades pequenas, mais da metade não recebe água tratada. No entanto, uma torneira - um único bico de água boa - é capaz de reduzir pela metade os casos de diarréia infantil. Com duas torneiras, o problema quase desaparece.

As quatrocentas páginas que compõem a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, trazidas à luz no início deste ano, revelam a triste realidade do saneamento no País. Revelam também o descaso com que o tema tem sido tratado pelas esferas municipais, estaduais e federais. Nos anos 70, os investimentos da União no setor representavam 0,38% do PIB brasileiro, quase duas vezes mais do que a média da década de 90. Em 2000, os investimentos não ultrapassavam 0,25%. Sabem o que isso significa, Senhoras e Senhores Senadores? O abismo social que separa as regiões, os municípios e os cidadãos pouco mudou no último decênio. Os mais pobres continuam mais pobres e os ricos ficam cada vez mais ricos.

Para piorar a situação, o governo federal deixou de investir em saneamento básico, nos últimos três anos, perto de 600 milhões de reais. Em outras palavras, um entre cada cinco reais destinados a melhorar o saneamento ficou guardado na gaveta. Foi um investimento de papel, porque foi reservada a verba e feito o empenho, mas gastar mesmo, não se gastou. Acontece que os investimentos na área de saneamento geram déficit nas contas, e como o FMI não quer déficits, o governo obedece e fecha as torneiras.

De nada adianta querermos melhorar a situação da saúde no Brasil, enfrentar as endemias, prevenir as epidemias, diminuir a mortalidade infantil, se não podemos investir. Investimentos de papel não controlam focos de dengue, não garantem remédios para os pobres, não remuneram médicos, não abastecem hospitais.

Não adianta o Brasil se escancarar para o capital estrangeiro, oferecer atrativos à especulação desenfreada, crente de que vai entrar para o Primeiro Mundo e participar do banquete da globalização, se a sujeira continua a ser jogada debaixo do tapete, se os índices sociais permanecem invisíveis e se os doentes continuam a morrer por falta de atendimento mínimo.

Para finalizar, manifesto minha concordância com as últimas palavras do médico infectologista Caio Rosenthal:

Abaixo da linha do Equador, para ser um grande estadista, é preciso primeiro tratar as águas, canalizando os córregos e os esgotos, fornecer água potável e trocar o barro das casas pelo tijolo. Sem essas medidas simples, até mesmo banais, não sairemos do Terceiro Mundo. Sem saneamento, nem pensar. Básico.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado a todos.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/09/2002 - Página 17593