Discurso durante a 110ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Balanço dos resultados eleitorais e defesa de mudanças na legislação eleitoral para restringir a divulgação de pesquisas eleitorais.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • Balanço dos resultados eleitorais e defesa de mudanças na legislação eleitoral para restringir a divulgação de pesquisas eleitorais.
Publicação
Publicação no DSF de 09/10/2002 - Página 18169
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • BALANÇO, RESULTADO, ELEIÇÕES, PAIS, VITORIA, PARTIDO POLITICO, OPOSIÇÃO, DEMONSTRAÇÃO, AUSENCIA, APROVAÇÃO, POPULAÇÃO, ATUAÇÃO, GOVERNO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REFORMA POLITICA, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, IMPEDIMENTO, PROBLEMA, PROCESSO ELEITORAL, ESPECIFICAÇÃO, DIVULGAÇÃO, PESQUISA, IMPOSIÇÃO, ACEITAÇÃO, RESULTADO, COEFICIENTE, ELEIÇÕES.
  • IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, FACILITAÇÃO, FUTURO, GOVERNO, PAIS.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao iniciar esta oração, creio que cabe a mim dizer da dificuldade de analisar um pleito a tão pouca distância de sua realização. Normalmente, o envolvimento, as emoções e os fatos ainda não inteiramente esclarecidos de alguns episódios dificultam a análise. Entretanto, eu não poderia deixar de estar nesta tribuna, neste momento, analisando a última eleição.

Primeiramente, quero falar do amadurecimento político do cidadão brasileiro. Todos pensavam que, em alguns grotões, o povo continuaria sendo levado. Que equívoco! Como cabe a frase “a voz do povo é a voz de Deus”! Houve uma modificação no comportamento dos brasileiros, e tem havido, realmente, uma lenta, gradual e segura marcha em busca da democracia, iniciada nos anos 80 com a eleição do Presidente Tancredo Neves, seguida pelo Governo José Sarney, que deu prosseguimento à redemocratização. A cada dia, tem-se mostrado mais consolidada a nossa democracia.

Srªs e Srs. Senadores, rendo uma homenagem ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, que, com firmeza e convicção, mostrou, por meio de sua formação de democrata, como deveria se comportar o Governo. E se comportou de modo impecável. O Presidente Fernando Henrique Cardoso foi um magistrado, e isso é o que tem sido cantado e decantado em todo o mundo por meio da imprensa de todos os países que aqui se fizeram representar para assistir ao nosso processo eleitoral, um dos mais modernos, se não o mais moderno de hoje.

Existiram alguns defeitos - 1% das urnas não funcionaram, e houve alguns problemas -, mas, para um país continental como o nosso, houve muito poucos atropelos. E problemas existem quando há paixões humanas e a Lei de Murphy, criando algumas dificuldades que fizeram com que as filas fossem quilométricas. No entanto, devemos levar em consideração que a votação não era simples, pois eram muitas as escolhas. Houve até candidatos que tiveram dificuldades para votar. Mas, na verdade, no mundo global, o Brasil desponta como uma democracia consolidada, onde, apesar do embate emocional, está havendo uma tranqüila afirmação da nossa democracia.

O Governo Fernando Henrique Cardoso teve muitas vitórias, entre as quais a obtida contra a inflação. A passagem pelo mundo tumultado da globalização se deu com dificuldades, e houve especulações contra a moeda não só no Brasil -até contra a Inglaterra o fizeram. Há a questão do capital volátil, e crises ocorrem aqui, ali, acolá. Enfrentamos tudo isso. E Sua Excelência, com serenidade - com críticas por parte da Oposição, o que é normal, natural -, implantou a Lei de Responsabilidade Fiscal, que está sendo copiada por toda a América e por todo o mundo, assim como a ética no serviço público, entre outros avanços.

No entanto, não foram esses os avanços que o povo queria. Se, por um lado, foram constatados esses avanços e a tranqüilidade e seriedade de Sua Excelência como estadista, não podemos deixar de observar que 72% da população votou a favor da Oposição. Assim, é preciso haver um redirecionamento dos objetivos, porque esse é um indicativo, na democracia, que deve ser seguido. O Governo foi bom? Foi. Mas foi suficientemente bom? Se tivesse sido suficientemente bom, 72% da população não teria votado na Oposição.

Todos sabemos - principalmente nós que militamos na política e pessoas como eu, que fui professor de História e sou professor universitário - das dificuldades de um país continental, das desigualdades, das diferenças, da pressa que a população tem em ver modificações, da escalada da violência, das injustiças, da Justiça lenta - não por culpa dela, mas por falta de aparato - e das dificuldades em gerir um país pobre. Hoje, por exemplo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sobrevoamos Brasília por uma hora, porque as verbas para o radar do Aeroporto de Brasília foram contingenciadas, não dando vazão ao fluxo de aeronaves crescente neste País. Os contingenciamentos incomodam e, às vezes, ocorrem em áreas que não poderiam ocorrer.

Sabemos que o lençol é pequeno e que não é possível cobrir todos; puxa aqui, puxa ali. Sei que o Presidente fez tudo o que pôde, mas não foi o suficiente. Está aí a voz do povo, a voz das urnas a dizer que o desempenho do Governo não foi satisfatório - 72% da população votou na Oposição.

Mas também devemos lembrar que muitos desses problemas são históricos e que há um açodamento. Antigamente tudo era mais calmo. Da Paraíba até aqui, na década de 30, levava-se quase 15 dias de vapor, e as notícias que saiam daqui levavam 30 dias para chegar ao interior. Hoje, não só daqui para a Paraíba, mas de qualquer lugar para qualquer parte do mundo, as notícias chegam em tempo real. A televisão, o rádio, os meios de comunicação divulgam tudo na hora.

Com certeza, essa eleição foi muito mais correta do que qualquer outra. Se tivéssemos usando cédula, com certeza o Seu Creysson teria sido um campeão de votos. O pessoal do Casseta & Planeta teria sido o mais votado do País, com toda a certeza. Mas, graças a Deus, não adiantava digitar o seu nome, porque este não aparecia na urna eletrônica.

Mas continuamos com distorções. Vou contar uma história interessante. Tenho uma prima que é do Prona, vive no Rio de Janeiro e se inscreveu para concorrer em São Paulo. Foi eleita Deputada Federal por São Paulo, mas, como não tinha o domicílio decidido, o Tribunal Regional Eleitoral cassou a sua inscrição. Ela não é Deputada Federal, embora more no Rio de Janeiro, porque houve esse problema de registro. E ainda sobraram dois lugares de Deputado Federal. E muitos valorosos companheiros, com serviços prestados a este País, que obtiveram até 70 mil votos nas eleições, não se elegeram. Enquanto isso, outros que obtiveram pouco mais de 200 votos estarão no Congresso Nacional a partir do próximo ano. Teremos que corrigir essa distorção mais cedo ou mais tarde.

Quando entrei nesta Casa, ainda no primeiro mandato, fiz um artigo e um discurso em defesa de uma reforma política ampla. O ano era o de 1996, e eu dizia naquela altura que a primeira reforma que tínhamos que fazer era a política.

Nesse discurso, eu dizia que deveríamos extinguir a imunidade dos membros do Legislativo no que tange a crimes não conexos à atividade parlamentar, contribuindo assim para o resgate do prestígio dos políticos. Dizia eu naquela oportunidade: “Deve-se moralizar as normas pertinentes ao financiamento das campanhas eleitorais, minimizando a influência do poder econômico nos pleitos. Deve-se restringir a divulgação de pesquisas de intenção de voto, as quais, durante todo esse período, foram manipuladas. Muitas delas não coincidiram com o resultado das eleições, e muitas tiveram sentido dúbio. Precisa-se apurar isso, evitando-se o condicionamento dos resultados eleitorais por parte dos meios de comunicação de massa. Talvez seja esta a mais grave das responsabilidades a pesar sobre os ombros da atual Legislatura que estamos a assumir: legar ao País uma legislação político-eleitoral estável, duradoura, que contribua decisivamente para a consolidação definitiva da democracia no Brasil. Lancemo-nos, de corpo e alma, a esse portentoso desafio!”.

Tudo isso eu disse em 1996, num dos meus primeiros discursos aqui. E, por quatro anos, essa reforma política ficou paralisada, não avançou, e as distorções continuam.

Com toda certeza, de novo, nesta Legislatura, vamos dizer que corrigiremos essas distorções, mas são muitos os que não têm interesse no voto distrital, são muitos os que não têm interesse em que haja a cobrança. Dessa forma, com certeza, novamente haverá muita conversa e pouca ação. Enquanto não fizermos uma reforma política para valer, haverá distorções. Embora tenhamos progredido muito na democracia, ainda há consertos a serem feitos.

Quanto ao coeficiente eleitoral, a culpa é do Congresso que não votou em tempo útil a lei eleitoral e permitiu resultados considerados um escândalo pelo próprio Presidente da República. Será que os candidatos eleitos com duzentos e poucos votos representarão realmente o Estado de São Paulo? Teremos que nos debruçar sobre isso agora, que passou o calor da campanha, apesar de que ainda teremos alguns dias até o segundo turno. Precisamos olhar e agir.

Os resultados das eleições foram surpreendentes em muitos Estados da Federação. Por um lado, a população rejeitou velhos caciques, pessoas que jamais podíamos crer seriam derrotadas. Isso muda o conceito do voto dos grotões, porque Estados que eram considerados grotões fizeram mudanças radicais. Com toda certeza, precisamos analisar esses resultados.

É claro que vamos lamentar aqui a perda de grandes nomes que fizeram a história da democracia neste País. Terei de me acostumar, Srªs e Srs. Senadores, por exemplo, com a ausência, a perda do convívio diário de nomes que enriqueceram esta Casa: Iris Rezende, Mauro Miranda, José Fogaça, grande Senador, Francelino Pereira, Bernardo Cabral, Carlos Wilson, Artur da Távola e tantos outros. Esses nomes poderão até não estar no painel do Senado nos próximos quatro anos, mas, com certeza, estarão inscritos na história da democracia deste País.

Grandes dificuldades serão enfrentadas pelo escolhido para governar o Brasil, principalmente em razão da magnitude dos problemas, típicos de uma Nação jovem que apenas amanhece para o mundo. Não se trata apenas da complexidade determinada pelas desigualdades inter-regionais e até mesmo das várias camadas sociais, mas de quebrar atavismos que permanecem na mente do brasileiro, como precisar ganhar rapidamente para voltar para a colônia, ou precisar de um feitor, porque, dos cinco séculos de história, quatro foram de escravidão, e só se trabalhava sob o comando de um feitor. Ou, ainda, o de que se pode quebrar tudo o que é público, pois pertence ao rei e não gostamos dele.

Temos muitos desafios pela frente. O ano que vem não vai ser um ano fácil, porque os R$22 bilhões que circulariam na economia brasileira como dívida ativa não vão estar aqui. Isso vai dificultar a gestão do próximo Presidente.

Há também problemas como a Alca e o Mercosul, além de inúmeros outros que terão de ser decididos na nova Legislatura.

Diante do exemplo de renovação das duas Casas, espero que sejamos mais rápidos e estejamos mais atentos e mais preocupados com esses problemas. Como legisladores, teremos de nos antecipar à História, oferecendo ao País os instrumentos legais que tornarão menos difícil a tarefa do Presidente eleito.

Nesses meses que faltam, se nos dedicarmos, poderemos mudar alguns itens que vão facilitar o combate à violência. Vamos poder melhorar as leis econômicas e fazer uma limpeza, permitindo aos Governadores e ao Presidente atuarem mais eficientemente.

Com toda certeza, temos projetos importantes tramitando nesta Casa. Lembro, por exemplo, um projeto da minha autoria, um pacote antiviolência que traz a proibição da comercialização de armas de fogo - só se poderia comprar arma de fogo com uma justificativa muito séria. Verificamos também ser cada vez mais necessária a construção de presídios federais, o que vi o presidenciável Serra acenar que vai fazer.

A escalada da violência tem provado a necessidade da urgência de nossas ações. Precisamos resolver com que idade uma pessoa se torna imputável. Não podemos continuar com a imputabilidade aos 18 anos. Em alguns países, como a Inglaterra, é a partir dos 13 anos; em outros, a partir dos 14 anos. Como no Brasil o indivíduo só se torna imputável aos 18 anos, todas as quadrilhas têm um matador de 16 anos. Ele é responsabilizado por tudo o que acontece. Matam dez. Quem foi? Foi o de 16 anos. Precisamos ter coragem de tomar algumas atitudes que vão mudar, com toda certeza, essa realidade.

Nesta Casa, muitas vezes somos injustiçados, Sr. Presidente. Quando relatamos as patentes, tivemos uma guerra para fazer passar a licença compulsória, sem a qual não teria havido os remédios contra a Aids e os genéricos. Aqui, queríamos que o pipeline não fosse aprovado e que levássemos dez anos, como a Europa fez, para admitir a lei de patentes, como os outros fizeram; queríamos um DNPI forte. E fomos derrotados em quase tudo. O Governo, o mesmo que me ajudou a aprovar a matéria na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, por unanimidade, derrotou-a na Comissão de Assuntos Econômicos. Graças a Deus, escaparam alguns itens. Não fosse isso, hoje não teríamos o pacote anti-Aids, tão decantado pelo presidenciável Serra. Temos que ter coragem.

Leio hoje nos jornais a notícia de que, independente de quem seja o Presidente, teremos mais força, seremos mais altivos diante das potências mundiais, que nos olham como um final do mundo. Elas só querem que cumpramos suas leis, mas não cumprem as leis que são feitas para todos, inclusive pela OMC.

Lembro com alegria, nobres Senadores, que, quando o Senador Eduardo Suplicy falava de renda mínima, apresentei uma emenda que foi aprovada e que foi acatada por S. Exª. Tenho seu livro, com dedicatória, sobre o tema Bolsa-Escola, depois implantado no Governo Cristovam e hoje divulgado no Brasil quase todo.

Temos trabalhado, temos cumprido a nossa parte, mas a velocidade não é satisfatória.

Mais ainda, Sr. Presidente, temos de tirar as lições dessa eleição. Na Paraíba, há um ditado que diz que “sabido é quem aprende vendo os outros apanharem, e estúpido é aquele que precisa apanhar para aprender”. Estamos vendo o que o povo quer. Estamos vendo as lições que o povo deu nas urnas. É uma voz alta, tonitruante. É uma voz clara, que mostra que já não há rincões neste País que não saibam o que é a votação. Estamos no segundo turno da eleição para a Presidência e para muitos Governos Estaduais, e o povo terá mais uma oportunidade para discernir quem é o melhor, quem deve conduzir. No entanto, de qualquer forma, urgem modificações, porque, quando a Oposição soma 72% dos votos, alguma coisa tem de mudar.

Parabéns aos eleitos, tristeza para os companheiros - inclusive, citei alguns - que não voltam à Casa, mas estaremos aqui, como uma legião, unidos, lutando para, nesses dois meses, facilitar a vida dos Governadores e do próximo Presidente, por meio de reformas que precisam ser feitas.

Muito obrigado.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/10/2002 - Página 18169