Discurso durante a 111ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Importância das manifestações de apoio à candidatura de Lula à Presidência da República. Defesa dos esforços diplomáticos para evitar a guerra dos Estados Unidos contra o Iraque.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Importância das manifestações de apoio à candidatura de Lula à Presidência da República. Defesa dos esforços diplomáticos para evitar a guerra dos Estados Unidos contra o Iraque.
Aparteantes
Heloísa Helena.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/2002 - Página 18319
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • IMPORTANCIA, MANIFESTAÇÃO, APOIO, CANDIDATURA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, CIRO GOMES, ANTHONY GAROTINHO, CANDIDATO, AUSENCIA, OBTENÇÃO, VITORIA, PRIMEIRO TURNO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, EMPENHO, RELAÇÕES DIPLOMATICAS, IMPEDIMENTO, GEORGE W BUSH.
  • BUSH, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, INVASÃO, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, POSIÇÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Antonio Carlos Júnior, que preside esta sessão, Srªs e Srs. Senadores, hoje vou tratar da questão da ameaça de guerra no Iraque, das manifestações reiteradas do presidente George Bush no sentido de conclamar o Congresso Nacional norte-americano para votar a permissão de uma ação militar.

Antes, porém, quero ressaltar a importância da entrevista realizada ontem pelo candidato à Presidência Ciro Gomes, que anunciou apoio irrestrito a Lula - um apoio irrestrito e entusiástico -, o que, certamente, é algo extremamente bem-vindo. Ex-governador do Ceará, ex-prefeito de Fortaleza, ex-Ministro da Fazenda, Ciro Gomes soube valorizar muito a disputa presidencial e colocou, muitas vezes, proposições afins às do Partido dos Trabalhadores, com as mesmas críticas que temos feito à condução da política econômica e da política do Governo Fernando Henrique Cardoso. Era natural, por isso, que, diante da vitória de Lula no primeiro turno, Ciro viesse a se juntar a ele e a apoiá-lo agora no segundo turno. Há poucos instantes, ouvi a entrevista do ex-Governador Anthony Garotinho, juntamente com o Presidente do PSB, Miguel Arraes, e ambos manifestaram a disposição de apoiar Luiz Inácio Lula da Silva.

Ressalto que também os Presidentes do PDT e do PPS, Leonel Brizola e Roberto Freire, manifestaram apoio às declarações de Ciro Gomes. Portanto, aqueles que estavam na coligação, sobretudo PPS e PDT, estão em harmonia com o apoio irrestrito manifestado por Ciro Gomes a Lula.

Também consideramos mais do que natural, por estarem no mesmo leito, o apoio há pouco declarado pelo Presidente do Partido Socialista Brasileiro, Miguel Arraes, e também pelo ex-Governador Anthony Garotinho, que colocou, entretanto, alguns fatores condicionantes para que seu apoio seja realizado com muito entusiasmo. Quero ressaltar que, quanto à recente entrevista de Anthony Garotinho, considero muito melhor que ele fale em termos de proposições do que em termos de pessoas. A sua primeira manifestação condicionava o seu apoio a Lula ao afastamento de determinadas lideranças, o que eu acharia um pouco estranho. No entanto, a forma como ele hoje elaborou as condições que deseja formular para estar apoiando com entusiasmo a candidatura de Lula me parece razoável.

Primeiro, as suas observações foram no sentido de que não deve ele próprio estar apoiando Lula, a não ser que fique evidente que o Governo Lula jamais se submeterá às diretrizes e aos ditames do Fundo Monetário Internacional. E isso é claro: Lula sempre disse que colocaria com muita firmeza as diretrizes de sua política econômica, e estas jamais estariam sendo elaboradas com base nas recomendações do Fundo Monetário Internacional. O próprio Garotinho entende a possibilidade de se negociar com o FMI. Claro, um diálogo poderá haver, mas isso não significa que o Governo de Lula possa submeter-se ao Fundo Monetário Internacional.

Em segundo lugar, ele colocou a importância de saber a posição do PT e de Lula sobre a Alca. Lula já manifestou com muita clareza que não pode aceitar que a Alca seja realizada nos moldes que estão propondo os Estados Unidos no momento, porque isso significaria uma anexação do Brasil pelos Estados Unidos da América. Acredito que, também no que diz respeito a esse item, as condições serão satisfeitas.

Outro ponto foi o relativo à Base de Alcântara. Ora, o candidato Anthony Garotinho, que também soube honrar a disputa presidencial, conhece perfeitamente a posição de Lula e do Partido dos Trabalhadores. O Deputado Waldir Pires elaborou um brilhante parecer, aprovado na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, da Câmara dos Deputados, no qual criticava o tratado em que o Governo brasileiro concedeu a Base de Alcântara em condições tais que limitam ao extremo o ingresso das autoridades brasileiras nas suas dependências. Então, certamente aquele tratado precisa ser modificado, e o será pelo Governo de Lula.

Outros itens poderão ser formulados por Garotinho, mas ele pode ter a convicção de que as proposta de governo de Lula serão na direção de construir uma Nação justa, que virá, com brevidade, transformar o direito das pessoas que até hoje não tiveram direitos plenos à cidadania em nosso País.

Portanto, avalio como positivos os primeiros passos que estão sendo dados pela coordenação da campanha de Lula e por aqueles que foram seus adversários, no campo oposicionista. Serão ainda importantes as opiniões do PSTU, de José Maria de Almeida, e do Partido da Causa Operária, de Rui Costa, que, obviamente, respeitamos, ainda que tenham tido uma votação menos expressiva, e que avaliamos também acabarão apoiando a candidatura de Lula no segundo turno.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, assinalo também a preocupação, mais uma vez, com a atitude do Governo dos Estados Unidos, em especial do presidente George W. Bush, que, na noite de terça-feira, fez mais um pronunciamento no Museu do Centro de Cincinatti, em Ohio, falando da sua disposição de atacar o Iraque. Solicitou aos membros do Congresso Nacional - a ambos os partidos, o Democrata e o Republicano - autorização para realizar um ataque contra o governo de Saddan Hussein. Segundo suas palavras, o presidente Saddan Hussein, do Iraque, “constitui-se numa ameaça à paz, precisando ser desarmado”. Ele diz que o ditador do Iraque não pode ameaçar a América e o mundo com venenos horríveis, gases que poderão envenenar as pessoas e causar doenças. Acrescenta, ainda, que o governo do Iraque dispõe de armas atômicas, que poderiam ser utilizadas. O presidente George W. Bush acusa Saddan Hussein de ser um ditador homicida, que tem hoje armas de destruição em massa, e que, já há alguns anos, vem abrigando terroristas em seu território, o que poderá causar graves prejuízos, seja aos Estados Unidos, seja aos países aliados.

Ora, aqui, reitero mais uma vez: será que o presidente George W. Bush está realmente tentando confrontar a força física com a força da alma, conforme nós todos aprendemos das palavras e recomendações, por exemplo, de Martin Luther King Junior? Será que está o presidente George W. Bush relembrando as lições segundo as quais nós deveríamos sempre evitar beber do cálice da vingança, do ódio, da guerra e da violência e procurar, por todos os meios, persuadir, inclusive os nossos adversários e inimigos, de que se podem resolver conflitos sem lançar mão de meios como a guerra, a morte e o lançamento de bombas de qualquer natureza? Será que não se lembra o presidente George W. Bush dos esforços realizados por todos aqueles que conseguiram, tantas vezes na História, persuadir adversários dos seus pontos de vista sem usar instrumentos bélicos - ainda que não tão fortes quanto os de que hoje dispõe a nação mais poderosa do mundo?

Em artigo traduzido e publicado hoje pelo jornal A Folha de S.Paulo, Robert Fisk, do jornal The Independent, nos relembra algumas coisas. Sob o título “O que Bush quer que esqueçamos”, diz ele o seguinte:

Bush falou anteontem a uma platéia em Cincinnatti sobre “guerreiros nucleares”. Esqueçamos por um instante que ainda não podemos provar que Saddam Hussein possui armas nucleares. Esqueçamos que, nesse discurso, tudo o que Bush fez foi cozinhar e reapresentar todos os “se”, os “pode ser” e os “possivelmente” contidos nas alegações mal fundamentadas do historicamente desonesto dossiê de Tony Blair. Não. Temos de combater “guerreiros nucleares”. É isso o que precisamos fazer para justificar toda a farsa que nos está sendo imposta pela Casa Branca.

Esqueçamos os 15 palestinos, incluindo uma criança de 12 anos, mortos por Israel poucas horas antes de Bush fazer seu discurso; esqueçamos que, quando aviões de Israel mataram nove crianças palestinas em julho, ao lado de um militante, o premiê israelense, Ariel Sharon - “um homem de paz”, segundo Bush -, descreveu o massacre como “um grande êxito”. Esqueçamos, porque Israel está do nosso lado.

Lembre-se sempre de usar a palavra “terror”. Use-a quando falar de Saddam Hussein, de Osama Bin Laden, de Iasser Arafat ou de qualquer pessoa que se opõe a Israel ou aos EUA. Bush a usou em seu discurso 30 vezes em meia hora. Uma vez por minuto.

Mas vejamos o que realmente devemos esquecer se quisermos apoiar toda essa loucura.

O mais importante é que precisamos esquecer que o presidente Reagan despachou um enviado para encontrar-se com Saddam em dezembro de 1983. É essencial esquecer isso por três motivos.

Em primeiro lugar, porque o terrível Saddam já estava usando gás contra os próprios iranianos na época, e essa é uma das razões pelas quais agora querem que façamos guerra contra ele.

Em segundo lugar, porque o enviado foi ao Iraque para organizar a reabertura da embaixada americana e obter relações melhores com o Açougueiro de Bagdá. Em terceiro lugar, porque o enviado era - surpresa! - Donald Rumsfeld. Talvez você ache estranho que Rumsfeld, durante as entrevistas coletivas em que se mostra tão disposto a bater papo, ainda não tenha conversado conosco sobre essa informação interessante. Seria de se esperar que ele pudesse querer esclarecer sobre a natureza malévola do criminoso com o qual trocou calorosos apertos de mão. Mas não.

Precisamos esquecer, também, que, em 1988, quando Saddam usou gás para destruir a população de Halabja, ao lado de dezenas de milhares de outros curdos - quando, nas palavras dos senhores Bush, Cheney, Blair, Straw, etc., ele “usou gás contra seu próprio povo” -, o presidente Bush, pai, lhe forneceu US$500 milhões em subsídios do governo americano para comprar produtos agrícolas dos EUA. Precisamos esquecer que, no ano seguinte, depois que o genocídio de Saddam se completou, o presidente Bush, pai, dobrou esse subsídio e o fez acompanhar por germes de antraz, helicópteros e os notórios materiais de “uso duplo”, que podiam servir para fabricar armas químicas e biológicas.

E, quando Bush filho promete à população iraquiana “uma nova era de esperança” e democracia após a destruição de Saddam, como ele fez anteontem, devemos esquecer que os americanos prometeram ao Paquistão e ao Afeganistão uma nova era de esperança após a derrota soviética, em 1980 - e não fizeram nada.

Precisamos esquecer como o presidente Bush, pai, exortou os iraquianos a revoltar-se contra Saddam em 1991 - e, quando eles obedeceram, não fez nada. Devemos esquecer como a América prometeu à Somália uma nova era de esperança em 1993 e abandonou o país à míngua.

Precisamos esquecer como Bush filho prometeu “ficar ao lado” do Afeganistão antes de dar início aos bombardeios, no ano passado - e agora deixou o país num caos econômico feito de barões das drogas, senhores de guerra, medo e anarquia. Anteontem ele se gabou de que a população do Afeganistão foi “liberada” - e isso depois de não ter conseguido capturar Bin Laden nem o Mulá Omar e enquanto suas tropas no país sofrem ataques diários. Devemos esquecer, quando ouvimos falar da necessidade de reenviar os inspetores de armas ao Iraque, que a CIA já usou os inspetores de armas da ONU para espionar o Iraque.

E, é claro, precisamos esquecer o petróleo. Na realidade, o petróleo é o único produto básico que nunca é mencionado - e é uma das poucas coisas sobre as quais George Bush, filho, sabe alguma coisa, ao lado de seus antigos colegas do setor petrolífero Cheney, Rice e inúmeras outras figuras da administração.

Nos 30 minutos de discurso sobre guerra anti-Iraque feito por Bush anteontem - aliviado, agradavelmente, por apenas dois minutos de “espero que isto não exija uma ação militar” -, não foi feita uma única referência ao fato de que o Iraque pode possuir reservas petrolíferas maiores do que as da Arábia Saudita, que as empresas petrolíferas americanas podem lucrar bilhões de dólares no caso de uma invasão americana e que, uma vez que tiver deixado o poder, Bush e seus amigos poderão tornar-se multibilionários com o butim da guerra. Precisamos fingir que não sabemos de nada disso ante de irmos à guerra. Precisamos esquecer.

Ora, Srs. Senadores, Srª Senadora, estudantes que hoje comparecem ao Senado Federal para acompanhar as nossas palavras, é importante chamar a atenção do presidente dos Estados Unidos para a necessidade de se envidarem todos os esforços antes que ele faça com que os seus mísseis e as suas bombas tão poderosas destruam Bagdá e outras cidades do Iraque, antes que venham a falecer não apenas pessoas no palácio de Saddam Hussein, mas crianças e pessoas de todas as idades em escolas e hospitais, pois é difícil fazer com que bombas matem apenas uma pessoa qualificada como ditador pelo presidente dos Estados Unidos. Este é o pensamento de muitos chefes de Estado, inclusive de Gerhard Schröeder, da República Federal da Alemanha: todo esforço deve ser realizado para persuadir Saddam Hussein a permitir que os inspetores da ONU verifiquem se realmente há a produção de armas químicas, de armas de destruição em massa em qualquer lugar do Iraque. Que não precipite o presidente George Bush a destruição de seres humanos, muitos dos quais totalmente inocentes, para fazer prevalecer o seu ponto de vista.

Quantas pessoas mais, Senadora Heloísa Helena, inclusive crianças e jovens, terão que morrer para que cheguemos à conclusão de que esse número já é demasiado?

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Ouço V. Exª.

A Srª Heloísa Helena (Bloco/PT - AL) - Senador Eduardo Suplicy, mais uma vez, saúdo V. Exª pelo pronunciamento que faz. Sei que V. Exª tem sido um destemido representante do Partido dos Trabalhadores e de todas as forças e movimentos sociais que discutem e buscam alternativas para a solução dos problemas da humanidade. Nesta Casa, V. Exª tem sido um verdadeiro guerreiro da paz, inclusive diante de uma guerra silenciosa e cruel, que mata, também no Brasil, pobres, mulheres e crianças. Com seu coração generoso e valente, V. Exª é uma das pessoas com mais legitimidade para debater a paz internacional. O que me causa indignação é essa postura arrogante e truculenta da nação americana - não de todos os americanos, tenho absoluta convicção disso - diante do mundo. Analisando a história do país depois de 11 de setembro, será que o que aconteceu com o Afeganistão não ensinou alguma coisa à humanidade? O governo americano devastou o país, matou crianças, mulheres, alegando combate ao terrorismo e ao narcotráfico. Essa é a maior mentira já contada perante o planeta Terra estarrecido. O Golden Crescent, o Crescente Dourado, é uma verdadeira montanha que produz 40% do narcótico do mundo e, portanto, faz parte dos US$800 bilhões do narcotráfico internacional. E não se fez absolutamente nada contra ele. Nem uma bomba foi lançada pelos Estados Unidos para derrubar um único pé de papoula da produção do Crescente Dourado. Infelizmente, mais uma vez, o governo americano monta essa farsa política, perante o mundo, para, em função dos seus medíocres interesses econômicos, pôr em risco a paz no planeta Terra. Portanto, quero novamente saudar V. Exª pelo pronunciamento.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senadora Heloísa Helena. Espero que a voz do Senado brasileiro possa contribuir para que os Senadores norte-americanos e os membros da Câmara de Representantes dos Estados Unidos percebam que há essa preocupação - colocada por V. Exª, por mim e tantos outros - com a paz no mundo. É preciso que venhamos a construir instituições que permitam o melhor entendimento entre os povos, e que os países, as nações, os governos precisem, cada vez menos, recorrer aos instrumentos de destruição humana.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/2002 - Página 18319