Discurso durante a 117ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Esperança do povo brasileiro com a vitória do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Satisfação pela priorização da área social e do combate à fome, conforme anunciado pelo novo Governo.

Autor
Emília Fernandes (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. POLITICA SOCIAL.:
  • Esperança do povo brasileiro com a vitória do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Satisfação pela priorização da área social e do combate à fome, conforme anunciado pelo novo Governo.
Publicação
Publicação no DSF de 30/10/2002 - Página 18690
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • EXPECTATIVA, POPULAÇÃO, BRASIL, VITORIA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, ELEIÇÕES, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRIORIDADE, COMBATE, MISERIA, FOME, GARANTIA, JUSTIÇA SOCIAL, PAIS.
  • IMPORTANCIA, DECLARAÇÃO, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, CRIAÇÃO, SECRETARIA ESPECIAL, AMBITO NACIONAL, ATENDIMENTO, ASSISTENCIA, POPULAÇÃO CARENTE, IMPLEMENTAÇÃO, PROGRAMA, COMBATE, FOME, DESNUTRIÇÃO, AMPLIAÇÃO, POLITICA, REFORMA AGRARIA, EMPREGO, INCENTIVO, AGRICULTURA, ECONOMIA FAMILIAR, HABITAÇÃO, PRODUÇÃO, ALIMENTOS.
  • SAUDAÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, JOSE ALENCAR, VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA.

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil acompanha com vibração os resultados da última eleição e passa a viver uma nova era, que denominamos de era da esperança, do diálogo, da construção de um país para todos, que se agiganta pela unidade de seu povo e elege para Presidente, pela primeira vez em seus 500 anos de história, um trabalhador que pretende dialogar com a sociedade e construir, com as forças políticas, sociais, civis, militares, empresariais e com os trabalhadores, um país onde as pessoas continuem acreditando que vale a pena ter esperança.

O dia 27 de outubro de 2002 ficará na história política brasileira como o dia em que a esperança venceu o medo. O dia em que o Brasil viveu o momento máximo de sua consolidação democrática. O povo brasileiro rompeu, de forma pacífica, cidadã e corajosa, com o modelo de governo atual, excludente não só na área socioeconômica como política, implantado neste País praticamente há 502 anos. O Brasil votou para mudar.

Pela primeira vez em nossa história, um ex-operário, pobre, nordestino, legítimo representante do povo mais humilde que compõe a nossa sociedade, foi eleito Presidente da República. Luiz Inácio Lula da Silva foi consagrado por mais de 52 milhões de eleitores. Até mesmo os leitores que vivem no exterior votaram em Lula. Torna-se, assim, Lula o Presidente mais votado de nossa história e o segundo mais votado na história política mundial.

O povo brasileiro percebeu que a mudança que todos nós almejamos só pode ser concretizada por alguém desligado dos velhos hábitos de nossa política. Farto dos erros e abusos cometidos pelas elites dominantes na política brasileira, nosso povo confiou seu destino a um representante da classe trabalhadora, a um metalúrgico. Essa vitória é fruto de um movimento amplo, reconhecido por toda a sociedade brasileira, que sentiu ser chegada a hora de consolidarmos uma cooperação entre os seus grupos e os seus interesses, a fim de preservar nossa autonomia política e promover um bom desenvolvimento econômico e social, objetivando a superação das profundas desigualdades sociais, pessoais e regionais de nosso País.

Sabemos da responsabilidade que o resultado das urnas nos impõe. Como bem definiu a Socióloga e Cientista Política, Maria Vitória Benevides, que participou da elaboração do Programa de Governo da Coligação Lula Presidente, uma liderança popular e de esquerda que chega ao poder de maneira rigorosamente democrática e com o apoio que recebeu, contrariando uma tradição populista e caudilhista na América do Sul, causará grande impacto mundial. Os olhos do mundo estão voltados para o nosso País. O Brasil inicia dessa forma uma verdadeira e legítima revolução democrática, com apoio de todos e de setores expressivos da nossa sociedade.

Sr. Presidente, o povo brasileiro optou por um governo que terá como eixo estrutural o social, com propostas objetivas e claras de atendimento aos gravíssimos e urgentes problemas que levam a essa brutal desigualdade social que existe no Brasil hoje. Para tanto, é compromisso do nosso Presidente eleito investir, desde o primeiro dia do seu governo, com criatividade e determinação na área social, notadamente, no combate à fome. Luiz Inácio Lula da Silva anunciou, nesta segunda-feira, a criação da Secretaria de Emergência Social, com recursos e autonomia para começar, já em janeiro, a combater a fome em nosso País, com base em programas voltados para o problema da desnutrição e de políticas mais amplas, como a reforma agrária, a geração de empregos, o incentivo à agricultura familiar e incentivo a políticas de habitação e de estímulo à produção de alimentos.

Queremos e estamos vendo que realmente esse projeto nasce com espírito de solidariedade e de humanidade. Um País com dimensão geográfica gigante como o nosso, com terras, águas, mão-de-obra, com a classe empresarial - que tem setores profundamente comprometidos com o nosso desenvolvimento - com a classe trabalhadora capaz de ir às urnas e dizer que quer um trabalhador como presidente, não pode admitir que milhões de pessoas passem fome. Crianças morrendo de desnutrição, mulheres perdendo seus filhos por não terem condições de os alimentarem dignamente.

Assim, essa Secretaria, que será criada por Lula, inicia sua grande discussão com o atual Governo, para se fazer um período de transição civilizado, democrático, colocando o Brasil acima de qualquer outro interesse. A presença aqui de Lula, nosso Presidente, praticamente 48 horas após ter sido eleito Presidente do Brasil, já marca um novo tempo de diálogo com o Congresso, não à base de negociatas, de interesses, de troca de cargos ou de manipulação de orçamento, mas mostrando uma postura clara, transparente e respeitosa que ele manterá com toda a classe política, independentemente dos partidos políticos.

Essa Secretaria coordenará e executará a questão orçamentária, de rubricas ligadas a vários Ministérios. Tudo o que puder ser reunido, dentro da idéia de combate à fome, estará ali. Recursos virão de diferentes Ministérios, da Educação o Programa Bolsa-Escola, da Saúde algumas rubricas da área de saneamento, do Trabalho recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, coordenados pelo Projeto Fome Zero, poderíamos dizer que aí estaria o embrião da Secretaria de Emergência Social.

Os coordenadores deste projeto, o Programa Fome Zero, que já foi apresentado antes da eleição, durante a campanha, estimam que o programa de erradicação da fome no Brasil custaria entre R$5 bilhões a R$6 bilhões/ano. O público a ser contemplado por essa proposta é grande: em torno de 10 milhões de famílias que não garantem a alimentação de seus membros, ou seja, que não são capazes de garantir a quantidade de calorias e proteínas de que as crianças e os adultos precisam para se desenvolver na sua plenitude e com saúde. Pessoas muito pobres, que ganham cerca de R$80,00 por mês e não conseguem dispor, por dia, de não mais do que R$2,00 ou R$3,00. É impossível admitirmos tal situação em um País com as potencialidades do Brasil. A pobreza não é ocasional, mas resultante de um modelo perverso, assentado em salários miseráveis e que tem produzido crescente concentração de renda e excluído milhões de pessoas do processo produtivo, da geração de renda.

Esse quadro assustador vem piorando nos últimos anos com o crescimento do desemprego e o aumento de outras despesas não relacionadas à alimentação das famílias mais pobres, como moradia, transporte, saúde, educação. Quanto mais as pessoas precisam pagar por esses itens, estratégicos e vitais para a sobrevivência, menos recursos sobram para a alimentação.

Pesquisas da Embrapa indicam que nossos agricultores têm potencial para produzir toda a comida de que a população necessita. Existe fome não porque faltam alimentos, mas porque falta dinheiro no bolso do trabalhador para comprá-los. Falta, também, estímulo para que nossa agricultura produza mais e cada vez melhor.

A tarefa de erradicar a fome e assegurar o direito à alimentação de qualidade não pode ser apenas uma proposta de governo, mesmo que sejam articulados com eficiência todos os órgãos federais, estaduais e municipais. É vital engajar nessa luta a sociedade civil organizada: sindicatos, associações populares, organizações não-governamentais, universidades, escolas, igrejas dos mais distintos credos, entidades empresariais. Todos são convocados a participar.

O presidente eleito pretende recriar o Conselho de Segurança Alimentar, que funcionou durante o Governo Itamar Franco e teve como presidentes Betinho e Dom Mauro Morelli. O Conselho teria a missão de convocar a sociedade civil a participar desse esforço contra a forme. O programa de Combate à Fome tem que ser não um projeto de governo, mas um projeto de Nação, porque o País não pode mais aceitar que dez milhões de famílias passem fome.

Sr. Presidente, garantir a segurança alimentar é promover uma verdadeira revolução, que envolve, além dos aspectos econômicos e sociais, mudanças profundas na estrutura de dominação política. Em muitas regiões do Brasil, as condições de pobreza são mantidas porque facilitam a perpetuação no poder de elites conservadoras, que há séculos mandam neste País.

Dessa forma, Srªs e Srs. Senadores, o eixo central do Projeto Fome Zero e, conseqüentemente, da Secretaria de Emergência Social anunciada por Lula está na conjugação adequada entre as chamadas políticas estruturais - voltadas à redistribuição de renda, crescimento da produção, geração de empregos, reforma agrária, dentre outros - e as intervenções de ordem emergencial, chamadas de políticas compensatórias. Limitar-se a essas últimas, quando as políticas estruturais seguem gerando desemprego, concentrando a renda e ampliando a pobreza, conforme ocorre hoje no País, significa desperdiçar recursos, iludir a sociedade e perpetuar o problema. O combate à fome integra-se, assim, à concepção de um novo tipo de desenvolvimento.

O Programa Fome Zero inclui, além de medidas estruturais, uma política de apoio efetivo à agricultura; o direito à Previdência Social para todos os trabalhadores familiares, da economia rural ou da economia informal, garantindo a universalidade prevista na Constituição; o direito à complementação de renda, para que todas as famílias pobres possam ter formação educacional adequada; a ampliação da merenda escolar, atingindo crianças que freqüentam escolas públicas, inclusive creches (Não podemos continuar excluindo a pré-escola dos recursos públicos que chegam para o ensino fundamental nem um ensino médio que garanta a qualificação dos nossos jovens.); e, finalmente, o apoio aos inúmeros programas populares, bancos de alimentos, modernização do abastecimento, incentivo à agricultura urbana, apoio ao autoconsumo alimentar e à agricultura familiar.

A falta de políticas de geração de emprego, de saúde e de educação tem um custo elevado para o País. Há também o custo da falta de consumo e da produção de bens e o custo para o empregador, entre outros. Por isso, combater a fome não deve ser considerado apenas um “custo”, mas também um investimento no Brasil.

Uma cesta básica que garanta alimentação adequada para 10 milhões de famílias vulneráveis à fome pode gerar cerca de R$2,5 bilhões a mais em arrecadação de impostos. Além disso, pode dar ocupação permanente a mais de 350 mil pessoas na agricultura familiar de arroz e feijão. Temos que também incluir - por que não? - a produção de aves e a carne suína na cesta básica, como estímulo aos produtores e ao consumo desses tipos de carne. Assim, combatendo a fome, o pior efeito da miséria, estaremos combatendo a própria miséria.

O Brasil tem as duas condições necessárias para reduzir a fome para números mínimos num curto espaço de tempo. Uma é a nossa agricultura, capaz de produzir todos os alimentos necessários e ainda exportar amplamente. A outra são os recursos necessários para garantir o direito a uma alimentação adequada aos milhões que não têm renda. Por isso, podemos afirmar que é possível eliminar a fome, assim como acabar com o analfabetismo e com as outras mazelas sociais próprias da ausência de políticas públicas adequadas.

Sr. Presidente, ao discorrermos sobre incentivo à nossa agricultura, industrial e familiar, com o intuito de aumentarmos nossas exportações e especialmente produzirmos os alimentos necessários para aplacar a fome de milhões de brasileiros, não podemos deixar de tecer alguns comentários sobre o setor antes de nos encaminharmos para o encerramento da nossa fala.

Primeiramente, gostaríamos de comemorar a revogação do art. 12 da Medida Provisória nº 66, de 2002, pela qual foi proposta a minirreforma tributária. Esse artigo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, permitiria ao Governo Federal, a partir do próximo ano, cobrar Imposto de Renda na fonte nas transações feitas pelos agricultores, como já ocorre com as pessoas físicas em geral. Isso traria inúmeros prejuízos para os agricultores brasileiros.

Hoje, os produtores recolhem Imposto de Renda uma vez por ano, e a alíquota é de 20% sobre o valor bruto. Com a Medida Provisória da forma como estava, o agricultor passaria a recolher esse imposto sempre que fizesse alguma venda e não mais uma vez por ano. Além disso, a alíquota aplicada sobre essa venda seguiria a mesma tabela existente hoje para o Imposto de Renda das pessoas físicas. Ou seja, poderia chegar a 27,5% sobre o valor de tudo que o produtor comercializasse, o que significaria um “confisco” de R$12 bilhões anuais dos produtores brasileiros.

Na prática, a nova medida provisória, que torna sem efeito o controverso art. 12 da MP nº 66, acaba com o recolhimento antecipado sobre a receita bruta dos produtores e restabelece o atual regime de tributação para o setor agropecuário, baseado na declaração de ajuste anual do IRPF sobre a renda do produtor. Fez-se, por fim, justiça ao setor.

Mas para que a agropecuária brasileira tenha o devido reconhecimento e incentivo necessário à produção de alimentos que este País necessita, o Congresso Nacional precisa agir também com muita responsabilidade. Devemos rever a proposta orçamentária para 2003, encaminhada pelo atual Governo Federal ao Poder Legislativo. Pela proposta, os investimentos para o setor agropecuário foram drasticamente reduzidos, comprometendo seriamente a produção nacional.

Há cortes que atingem o Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar, o Pronaf, na ordem de 44,3%. Há cortes no Projeto de Assistência Financeira e em projetos de infra-estrutura na ordem de 56,9% a menos do que no ano passado. O Programa de Produção e Abastecimento Alimentar perde R$280 milhões, se comparado com 2002. Enfim, precisamos realmente verificar que esse corte de R$5 bilhões nos investimentos sociais deve ser recuperado e discutido.

Sr. Presidente, eu gostaria de fazer este alerta. Parece-me que estamos em um momento decisivo. O Congresso Nacional inicia a sua discussão, mais profundamente, em relação ao orçamento e devemos buscar realmente que ele seja uma peça que ajude o Brasil a construir esse novo patamar de políticas sociais, de integração e de participação da sociedade, com apoio de todos os segmentos.

Concluo, Sr. Presidente, dizendo que estaremos altamente empenhados na construção desse grande pacto social que a Nação brasileira começa a construir da forma mais democrática e séria possível, revendo o orçamento, buscando alternativas viáveis, chamando essa grande parceria da sociedade para que possamos fazer esse crescimento econômico, com inclusão, democracia, igualdade, cidadania e justiça social.

E, por fim, as minhas palavras são para parabenizar o nosso Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como o seu Vice-Presidente, o ilustre colega Senador José Alencar, e desejar que juntos possam liderar a grande transformação deste País em uma verdadeira Nação solidária, em que o povo brasileiro tenha a sua grande construção participativa, e que o Congresso Nacional, a classe política, a classe trabalhadora e empresarial sejam aqueles que, atentos, ajudem a construir esse novo Brasil.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada, Sr. Presidente.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/10/2002 - Página 18690