Discurso durante a 118ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre o transcurso, em outubro, do "Dia Mundial da Saúde Mental", instituído pela Organização Mundial da Saúde.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Reflexões sobre o transcurso, em outubro, do "Dia Mundial da Saúde Mental", instituído pela Organização Mundial da Saúde.
Publicação
Publicação no DSF de 31/10/2002 - Página 18749
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, SAUDE MENTAL, ANALISE, SITUAÇÃO, SAUDE, MUNDO.
  • REGISTRO, DADOS, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), AUMENTO, DOENÇA MENTAL, MUNDO, INSUFICIENCIA, TRATAMENTO MEDICO, ATENDIMENTO, POPULAÇÃO, REDUÇÃO, EXPECTATIVA, VIDA.
  • REGISTRO, EXPECTATIVA, DEPARTAMENTO, PSIQUIATRIA, FACULDADE, MEDICINA, UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO 1960 (UFSP), AUMENTO, FUTURO, DOENÇA MENTAL, POPULAÇÃO.
  • COMENTARIO, LEGISLAÇÃO, UTILIZAÇÃO, PROGRAMA, SAUDE MENTAL, COLABORAÇÃO, JOSE SERRA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), REFORMULAÇÃO, ASSISTENCIA PSIQUIATRICA, CRIAÇÃO, DIVERSIDADE, SERVIÇO, SAUDE PUBLICA, AUXILIO, NECESSIDADE, USUARIO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, outubro é consagrado, no calendário da Organização Mundial de Saúde (OMS), como o mês no qual se comemora o “Dia Mundial da Saúde Mental”. E isto nos oferece a oportunidade para reflexão sobre este grave problema de saúde pública que são os transtornos mentais, sobre os avanços que se têm verificado nos últimos anos na abordagem do tema, sobre o que temos conseguido realizar no Brasil em termos de melhoria no atendimento aos portadores dessas moléstias e sobre o caminho que devemos percorrer no futuro imediato.

O problema das desordens neuropsiquiátricas é deveras preocupante. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que cerca de um sexto da população mundial sofra de depressão, esquizofrenia, demência, retardamento mental, estresse pós-traumático ou epilepsia. A cada quatro pessoas que procuram ajuda médica, uma, ao menos, tem problemas dessa ordem, que, quase sempre, são incorretamente diagnosticados. Existem cerca de 340 milhões de deprimidos em todo o mundo, e a Organização Mundial de Saúde calcula que menos de 25% desses têm acesso a tratamentos adequados e eficientes.

Embora não constituam causa direta de óbito, as desordens mentais estão freqüentemente presentes na etiologia de outras moléstias, contribuindo, nessa medida, para a redução da expectativa de vida. Ademais, podem os transtornos mentais conduzir ao suicídio, motivo de perda de 1 milhão de vidas por ano. De outra parte, estatísticas da ONU demonstram que a quantidade de faltas ao trabalho causadas por distúrbios mentais é maior que aquela provocada por outras doenças.

Ainda mais alarmante é o prognóstico para o futuro próximo. Espera-se para a próxima década que o número de casos cresça por causa, principalmente, da degradação do ambiente social. A crescente violência, o abuso do álcool e de outras substâncias psicoativas tem ocasionado o aparecimento dessas moléstias em contingentes populacionais cada vez mais jovens. A metade dos portadores de distúrbios mentais apresenta os primeiros sintomas antes de completar 25 anos de idade. No outro extremo da pirâmide etária, o aumento da expectativa de vida da população também contribui para o incremento no número de casos das doenças neuropsiquiátricas. Esse é o caso, por exemplo, do Mal de Alzheimer, que afeta entre 2% e 5% das pessoas com mais de 65 anos e chega a atingir 20% daquelas com mais de 85.

No Brasil, em particular, a situação não é menos grave. O próprio Presidente da República, em sua Mensagem ao Congresso Nacional no ano 2000, no capítulo relativo à “Saúde”, componente do título III, referente ao “Desenvolvimento Social”, declarou: “Os transtornos mentais alcançaram índices expressivos, que oscilam de 20% a 50% de prevalência em algumas cidades brasileiras”.

Os Professores Miguel Jorge e Jair Mari, do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo, afirmam que as estimativas são de que 1 em cada 4 pessoas deve apresentar um transtorno mental ao longo da vida, e que cerca de 34 milhões de brasileiros estão, neste momento, sofrendo por causa de algum transtorno mental.

O então Ministro José Serra, por seu turno, quando da solenidade de sanção da Lei n° 10.216, de 6 de abril de 2001, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, que “Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”, afirmou que, atualmente, 5 milhões de pessoas necessitam de tratamento psiquiátrico regular no Brasil.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no ano passado, a Organização Mundial de Saúde elegeu a Saúde Mental como tema do Dia Mundial da Saúde, comemorado em 07 de abril, e o lema escolhido foi: “Cuidar, sim. Excluir, não”.

De fato, esse lema resume com grande propriedade a mudança de enfoque que se está processando no tratamento dos transtornos mentais.

Como se sabe, a instituição denominada “hospício” surgiu em fins do séc. XVIII, apoiada no discurso médico que preconizava a “vitória da Ordem sobre o Desvio”. A verdade, contudo, é que essa instituição representava a aniquilação de alguns dos indesejáveis da época, aqueles que tinham um tipo de pensamento ou comportamento que não era compreendido, portanto questionador da Razão, que se queria suprema.

Hoje, à luz de estudos sociológicos e organizacionais, pode-se definir o hospital psiquiátrico como um grande exemplo de centralização/segregação/burocracia. O ambiente dessas instituições é, via de regra, tão desumano que qualquer benefício derivado da terapia é drasticamente reduzido ou mesmo anulado. Os resultados dessa conduta de exclusão dos doentes mentais estão, agora, felizmente, à vista de todos: cronificação das moléstias, sofrimento para internados e funcionários, falta total de resolução dos problemas que a instituição se propõe a tratar, enormes gastos desnecessários.

Em países como o Brasil, o difícil quadro social - marcado pelo desemprego, pela desesperança, pela ausência de perspectivas de vida, pela criminalidade - coloca um grande contingente populacional em permanente risco em relação ao sofrimento psíquico. Nessa situação, a produção de sofrimento mental aumenta e cresce a pressão para a eliminação dos sintomas por diversos meios, como uma forma de desconhecer as fontes de criação ou agravamento do sofrimento. O sistema de atendimento em saúde mental serviu assim, ao longo de muitos anos, de amortecedor da iniqüidade social, isolando e destruindo as pessoas que não podiam adaptar-se ao modelo produtivo excludente.

Mas, já há alguns anos, essa situação está mudando. Os profissionais de saúde estão conseguindo mostrar que é possível organizar uma consolidada rede de assistência. Apoiados pela opinião pública, desenvolveram importantes alterações na forma de atendimento, mudando mesmo as bases de entendimento a respeito do que é sofrer e atender.

O início dessas transformações veio com a criação de ambulatórios e com a mudança das características dos hospitais psiquiátricos. Desenvolve-se, em todo o País, um conjunto, cada vez mais criativo e diverso, de práticas que invertem a lógica da exclusão.

Das oficinas terapêuticas aos Centros e Núcleos de Atenção Psicossocial; das equipes multidisciplinares em emergências às terapias comunitárias; dos grupos e psicoterapias de diversas tendências teóricas à psiquiatria clínica conseqüente e integrada às demais abordagens; da psicologia ao serviço social; da enfermagem psiquiátrica à fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, musicoterapia, arteterapia, agentes comunitários de saúde, coordenadores de diversos tipos de oficinas, todos esses agentes e dispositivos trabalham no sentido de mudar o modelo assistencial em saúde mental. Em vez de excluir sintomas e pessoas, os profissionais de saúde mental têm trabalhado no sentido de integrar o que se apresenta como sofrimento na vida pessoal, familiar e social num movimento que pode produzir significativas mudanças sociais.

Importa ressaltar que a mudança do modelo assistencial, nos últimos anos, tem sido feita de forma segura para familiares, comunidades e pessoas assistidas. Diminuem os leitos psiquiátricos e nem por isso aumentam os distúrbios nas casas e nas ruas. Pelo contrário.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é importante destacar que são aspectos muito importantes de todas as práticas alternativas em saúde mental a autogestão dos serviços e a quebra do poder absoluto do médico e também de todos os profissionais, num questionamento corajoso do papel que os profissionais de saúde mental desempenham frente às pessoas assistidas. Num caminho inverso à centralização e à burocratização, as terapias que dão melhores resultados e a forma de gestão mais produtiva das unidades de saúde mental ocorrem numa situação de aplainamento dos poderes, seja nas relações terapêuticas, seja na gestão institucional.

A partir das iniciativas nessa direção, surgiram práticas que não mais se caracterizam como aplacadoras de uma situação social injusta, mas que, além de realizarem os tratamentos necessários, promovem a cidadania e a dignidade dos portadores de transtornos mentais. Concretiza-se, com isso, um novo papel social e uma acrescida responsabilidade dos profissionais de saúde, que devem, nas suas práticas cotidianas, dar sempre preferência àquelas que promovam a dignidade do ser humano, negando-se a perpetuar aquelas que significam exclusão e falsas soluções. Já existe, hoje, um grande acúmulo de conhecimento e de práticas - com resultados registrados -, que têm como conseqüência melhor atendimento, promoção da cidadania e corte de custos.

Estamos vivendo, Srªs e Srs. Senadores, um momento importante e histórico na área de saúde mental no Brasil. Nesta conjuntura, o Governo Federal tem feito a sua parte.

Mesmo antes da sanção da Lei n° 10.216, o Programa Saúde Mental, conduzido pelo então Ministro José Serra, vinha imprimindo ampla reforma na assistência psiquiátrica, criando rede diversificada de serviços sociossanitários aptos a responder às diferentes necessidades dos usuários.

As ações desse programa estão centradas na disseminação de consciência social e de suporte à cidadania dos portadores de transtornos mentais, vigilância ao respeito dos direitos humanos e de cidadania, apoiando as iniciativas legislativas na matéria e disseminando essas práticas no seu sistema de atendimento. Nesse sentido, o programa vem buscando reduzir, até o próximo ano, a média diária de permanência hospitalar no SUS de 49 para 40 dias e fornecer anualmente incentivo-bônus para assistência, acompanhamento e integração fora da unidade hospitalar de 5 mil e 500 pacientes portadores de agravo mental.

Já no ano 2000, o Ministério da Saúde havia estabelecido uma interessante forma de atendimento plenamente condizente com o espírito da reforma psiquiátrica, o Serviço Residencial Terapêutico. Esse serviço consiste no fornecimento, pelas Prefeituras Municipais, de casas onde, com o apoio de equipes de saúde mental, passam a residir ex-internados em hospitais psiquiátricos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a reforma psiquiátrica vem mudando a face da assistência em saúde mental no Brasil, mesmo contra todas as dificuldades. Esse novo modelo tem como principais méritos o respeito à dignidade humana dos assistidos e a maior eficácia terapêutica. Não é de se desprezar, contudo, seus efeitos positivos no que se refere ao combate ao desperdício e ao desvio de recursos públicos. Como apontou o então Ministro José Serra:

Um dos maiores focos de fraude no Sistema Único de Saúde (SUS) é a área psiquiátrica, exatamente pela dificuldade do controle, pela dificuldade de saber de fato se o paciente realmente precisa do tratamento ou se a sua internação está sendo prorrogada de modo artificial.

É importante, portanto, neste mês de outubro, em que se comemora o Dia Mundial da Saúde Mental, reafirmar as diretrizes da reforma psiquiátrica em andamento, propugnando a generalização em todo o território nacional de todos os modos de tratamento por ela recomendados: Centros e Núcleos de Atenção Psicossocial, oficinas terapêuticas, lares abrigados, emergência psiquiátrica em hospital geral, abordagem à saúde mental na atenção básica, entre outros. A condenação dos hospitais psiquiátricos não é mais novidade, sendo agora sua extinção recomendada também pela OMS. Urge, portanto, desenvolver a rede de atendimento e os trabalhos alternativos e comunitários, lembrando que existem ainda milhares de doentes mentais sem assistência.

No âmbito do Poder Legislativo, cumpre articular a aprovação de leis que promovam os direitos da pessoa assistida em saúde mental, como moradia, passes de ônibus, bolsas de trabalho. Devem-se, também, promover campanhas nos meios de comunicação de massa visando a reverter o preconceito em relação ao que se convencionou chamar de “doença mental”.

Sr. Presidente, Srªs e Srs., assegurar aos portadores de transtornos mentais assistência psicossocial de boa qualidade, promover-lhes os direitos, estimular sua inclusão social é uma questão de respeito à dignidade da pessoa humana. São iniciativas, portanto, que configuram uma política de autêntico conteúdo democrático. E é esse conteúdo que o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso tratou de incluir em todas as suas ações de política social, consciente de que é disso que o Brasil precisa.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/10/2002 - Página 18749