Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem à memória do poeta Carlos Drummond de Andrade pelo transcurso do centenário de seu nascimento.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem à memória do poeta Carlos Drummond de Andrade pelo transcurso do centenário de seu nascimento.
Publicação
Publicação no DSF de 01/11/2002 - Página 18784
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, POETA, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), ELOGIO, OBRA LITERARIA, IMPORTANCIA, LITERATURA, PAIS.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, quero saudar os convidados na pessoa da Srª Vera Brant, que está aqui ao meu lado.

“Espírito de Minas, me visita, / e sobre a confusão desta cidade, / onde voz e buzina se confundem, / lança teu claro raio ordenador” - assim, Carlos Drummond de Andrade começa a sua “Prece do Mineiro no Rio”, um dos mais belos poemas da coletânea A Vida Passada a Limpo. Assim também começo esta homenagem a Drummond, pelo centenário do seu nascimento. Minas se faz presente a este encontro, porque sob a inspiração da sua história e do seu povo é que nos reunimos neste plenário para reverenciar um dos seus filhos mais ilustres, o grande poeta de Sentimento do Mundo e de A Rosa do Povo.

Na terra distante, em meio à década de 40, um jovem franzino sonhava em estudar ciência jurídica, pensando na carreira política e também na literatura. Soubera já de um poeta mineiro chamado Carlos, autor de dois livros que haviam despertado a atenção da crítica e do público leitor: Alguma Poesia e Brejo das Almas. Falava-se do talentoso poeta que trocara a capital de Minas pela capital da República; é que, em 1934, Drummond se mudara para o Rio de Janeiro, como chefe de gabinete do Ministro da Educação e Saúde, seu amigo fraterno Gustavo Capanema.

Eram, Drummond e Capanema, dois dos mais brilhantes valores da primeira geração de mineiros que se mudara para o Rio, à qual também pertenciam Pedro Nava, Cyro dos Anjos e Afonso Arinos de Melo Franco, cujo famoso endereço, na Rua Dona Mariana, tive o privilégio de freqüentar. Depois viria a segunda leva de emigrantes, em que avultam os “Quatro Mineiros do Apocalipse”: Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino. O derradeiro grupo a trocar Belo Horizonte pelo Rio é o de Affonso Romano de Sant’Anna e Fábio Lucas, hoje duas das maiores expressões da crítica literária brasileira.

Em toda a sua vasta e magnífica obra, Drummond se revela essencialmente mineiro, visceralmente mineiro, literalmente - e literariamente - mineiro. Já em Alguma Poesia, o primeiro livro, encontramos “Lanterna Mágica”, em que o poeta evoca Belo Horizonte, Sabará, Caeté, São João Del Rei e, naturalmente, a sua Itabira. Sim, porque, na condição de mineiro, Drummond é fundamentalmente itabirano. “Alguns anos vivi em Itabira. / Principalmente nasci em Itabira” - lemos na “Confidência do Itabirano”, um dos primeiros poemas de Sentimento do Mundo. Falo da Itabira que tenho a honra de conhecer e de que tanto gosto, cujas ladeiras e casarões guardam a memória do menino Carlos.

“Noventa por cento de ferro nas calçadas. / Oitenta por cento de ferro nas almas”. É a Itabira da Vale do Rio Doce - que ainda hoje lhe fura as entranhas - e a Itabira do Pico do Cauê, a montanha do tempo de Drummond menino que hoje desapareceu, milhões de toneladas de minério que se foram nos vagões do “maior trem do mundo”, como chora o poeta em um das suas mais comoventes páginas.

Por isso é Itabira, que hoje festeja orgulhosa os cem anos do nascimento do seu filho mais ilustre, a maior e mais eloqüente expressão da referencialidade na poesia drummondiana. Se houve um tempo em que aos críticos não interessava a relação entre a matéria literária e a realidade concreta - “a obra de arte se basta a si mesma”, diziam -, hoje reconhecemos a importância, no texto literário, das referências ao mundo, das alusões ao real. Nesse aspecto é que se destaca Itabira como a mais intensa e substanciosa tradução da referencialidade na poética de Drummond.

Aos ouvidos do leitor comum, o Pico do Amor, de que fala o poeta em um dos seus cantos, pode soar como apenas metáfora da relação amorosa, do desejo a que se rendem homens e mulheres. Pois o Pico do Amor existe: é um alto de onde se contempla toda a Itabira, bucólico recanto em que se ergue, hoje, o belo Memorial Carlos Drummond de Andrade, presenteado ao Município pelo gênio de Oscar Niemeyer, grande amigo do poeta. E assim há o santeiro Alfredo Duval, artesão de imagens religiosas que povoaram a infância do pequenino Carlito; o casarão em que hoje se encontra o Museu de Itabira, onde, outrora, funcionaram a cadeia pública e a prefeitura municipal; o velho sobrado do Barão de Alfié, em que dramas de amor teriam acontecido.

São esses os pontos que marcam os “Caminhos Drummondianos”, excelente realização com que a Prefeitura Municipal de Itabira dá exemplo, para todo o Brasil, de um dos melhores e mais relevantes projetos de turismo cultural que conhecemos. Crianças e jovens de famílias de baixa renda - os famosos “Drummonzinhos” - acompanham os turistas que percorrem o roteiro, dizendo os poemas que se lêem nas placas, verdadeiras certidões que asseguram à terra Itabirana o honroso privilégio da Capital Brasileira da Poesia.

“Itabira é apenas uma fotografia na parede. / Mas como dói!”. Se algum dia esses versos despertaram ressentimentos e acenderam mágoas, hoje os itabiranos os compreendem como um suspiro de tristeza, lamento do filho que à cidade não voltou porque, verdadeiramente, nunca a abandonara. Drummond carregou Minas na algibeira da saudade pela vida afora, como sinete marcado a ferro e fogo, daqueles elementos que nos forjam o caráter e fortalecem o espírito.

Drummond, brasileiro de Minas; Drummond, mineiro de Itabira, uma das mais altas vozes da poesia mundial do século XX. Passados 100 anos do seu nascimento, Carlos Drummond de Andrade continua presente no coração e na lembrança do seu povo como o poeta que nos deixou para sempre uma sublime lição de talento literário e de grandeza humana. Como escreveu Machado de Assis, ”essa a glória que fica, eleva, honra e consola”.

Sr. Presidente, permita-me V. Exª que manifeste desta tribuna, em nome de 18 milhões de mineiros - Minas não é um Estado, é uma nação -, o nosso louvor a esta Casa pela iniciativa de realizar este evento para comemorar a vida, a literatura, o espetáculo de viver do maior poeta do Brasil; e, ao mesmo tempo, dirigir-me a todos os mineiros de Itabira, cujas ruas conheço, assim como seu povo, seus líderes, seus operários, os minérios que se foram e os minérios que lá ainda estão, poucos, e manifestar a todos a satisfação do Senado da República por participar dos eventos que se realizam no Brasil em homenagem a Carlos Drummond de Andrade.

Quero louvar a Prefeitura Municipal pela divulgação que está realizando no Brasil inteiro e, mais ainda, a todos aqueles que estão freqüentando Itabira, suas ruas, suas ladeiras, seus minérios, sua vida, sua história, exatamente porque é uma cidade acolhedora e amiga, que tanto amo, porque sempre prestigiou este cidadão, desde Vereador à Câmara Municipal de Belo Horizonte, mas também como Deputado Federal, Senador da República, Governador de Minas e dirigente do Banco do Brasil. Minas é minha alma, porque a alma é de Minas.

Muito obrigado. (Palmas.)

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/11/2002 - Página 18784