Discurso durante a 119ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da aprovação do Projeto de Lei do Senado 234, de 2001, que altera a tipificação de prevaricação constante do artigo 319 do Código Penal.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Defesa da aprovação do Projeto de Lei do Senado 234, de 2001, que altera a tipificação de prevaricação constante do artigo 319 do Código Penal.
Publicação
Publicação no DSF de 01/11/2002 - Página 18931
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO, APERFEIÇOAMENTO, DEMOCRACIA, PAIS.
  • IMPORTANCIA, MEDIDAS LEGAIS, CONTRIBUIÇÃO, APERFEIÇOAMENTO, FUNÇÃO, MINISTERIO PUBLICO, FISCALIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO.
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, ARTIGO, CODIGO PENAL, REFERENCIA, TIPICIDADE, PREVARICAÇÃO, FACILITAÇÃO, COMPROVAÇÃO, ATO ILICITO, AUTORIDADE.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB - GO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, difícil é enaltecer, em justa medida, o papel do Ministério Público no aperfeiçoamento e aprofundamento da democracia brasileira. Em sua função, “essencial à justiça”, de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, para nos atermos às definições do caput do art. 128 da Constituição Federal, a sociedade conta com um precioso, um imprescindível aliado.

Ressalte-se que não apenas as atribuições do Ministério Público vêm se ampliando, mas também os resultados efetivos das mesmas. O Ministério Público, tanto o da União quanto os dos Estados, tem aumentado a visibilidade de sua atuação nos últimos anos, ou, se quisermos, desde a promulgação da carta constitucional vigente.

Um aspecto a ser destacado, nessa atuação, é o que diz respeito à vigilância no gasto do dinheiro público e à fiscalização de outros atos dos detentores do poder. Os interesses da sociedade exigem que todos se atenham aos ditames legais - e isso vale muito significativamente para aqueles que foram investidos da responsabilidade de administrar o serviço e o patrimônio públicos, fazendo-os instrumentos do bem geral da população.

Cabe, portanto, ao Ministério Público, entre suas importantíssimas funções, a de fiscalizar o fiel cumprimento da lei pelos governantes. Essa não é, entretanto, tarefa fácil, pois é próprio dos que abusam do poder político dele se valerem para se resguardarem da devida punição.

Pelo ordenamento institucional do Ministério Público, torna-se ainda mais difícil essa tarefa, uma vez que a nomeação de seus dirigentes máximos é feita pelo chefe do respectivo Poder Executivo. Lembremo-nos de que, no caso do Ministério Público da União, o Procurador-Geral da República é indicado pelo Presidente da República e nomeado após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal. A nomeação dos Procuradores-Gerais de Justiça, dirigentes dos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal, é feita pelos governadores, dentre os componentes de uma lista tríplice eleita pelos integrantes de carreira do órgão.

Srªs e Srs. Senadores, é manifesto que a Constituição de 1988 assinalou um grande avanço no processo de escolha dos dirigentes do Ministério Público, exigindo que sejam integrantes das respectivas carreiras, bem como sua aprovação pelo Senado, no caso do Procurador-Geral da República, ou, ainda, a votação prévia de uma lista tríplice, no caso dos Ministérios Públicos dos Estados e do DF.

Permanece passível de questionamento, entretanto, que a autoridade que deve fiscalizar os atos dos dirigentes do Poder Executivo seja nomeada pelo chefe deste mesmo Poder, dele dependendo ademais sua recondução ao cargo e, no caso do Procurador-Geral da República, a iniciativa para a sua destituição. No caso específico da escolha do Procurador-Geral de Justiça, a vontade do Governador sequer é submetida à apreciação do Poder Legislativo.

Sr. Presidente, há inúmeros aspectos em que a atuação do Ministério Público deve ser aperfeiçoada, como ocorre com quaisquer das instituições humanas. Se cabe a este órgão o importantíssimo papel de fiscal da lei, não é de modo algum contestável que a sociedade deva exigir-lhe o melhor desempenho.

Poderíamos citar, entre esses aspectos, o crescimento dos gastos orçamentários, incluindo aqueles relativos à construção de sedes suntuosas, gastos que nem sempre se refletem em aumento da eficiência do órgão. Em que pese a notória competência da maioria dos procuradores e promotores, há que se ter cuidado com a manutenção de um comportamento discreto e profissional, que não resvale para o estrelismo e para a promoção pessoal.

Nenhum desses problemas, no entanto, pode ser equiparado ao da subserviência e vinculação aos chefes do Poder Executivo, ainda mais patente no nível dos governos estaduais. Tal disposição afeta o Ministério Público em um requisito que lhe é essencial, que é o da sua independência.

Questionando o processo de escolha e de destituição do Procurador-Geral de Justiça, o jurista Hugo Nigri Mazzilli assevera que “a experiência tem demonstrado que não raro os procuradores-gerais se integram à administração pública, até buscando e querendo mesmo servir o chefe da administração, de quem recebem orientação política em sua atuação funcional”.

Esse é o comportamento repulsivo que nos cabe alijar, o qual é responsável pelo retardamento ou arquivamento improcedente de tantos processos que encerram graves suspeitas ou acusações.

Inadmissível é que o Ministério Público alcance apenas os infratores da Lei desprovidos de dinheiro e poder, às vezes meros pés-de-chinelo, e deixe ilesos os poderosos de plantão, cujos crimes podem resultar em vultosas perdas ao patrimônio público. Ademais, a corrupção contribui para aumentar a miséria, que por sua vez estimulará o recurso à violência pelos cidadãos depauperados e desesperados, demandando mais ações do Ministério Público e afetando a segurança de toda a sociedade.

Quero referir-me aqui a projeto de lei de minha autoria, que julgo possa contribuir para a diminuição da odiosa prática do engavetamento de processos para acobertar atos ilegais das autoridades. No Projeto de Lei do Senado nº 234, de 2001, propomos que seja alterada a tipificação de prevaricação constante do art. 319 do Código Penal, de modo a suprimir a expressão “para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”, resumindo-se assim o caput do artigo em “Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa da lei”. Entendemos que ao retirar do elemento subjetivo da prevaricação o dolo específico, de difícil configuração, torna-se muito mais exeqüível “a comprovação da materialidade do delito e, por conseguinte, a responsabilização penal dos infratores”.

Embora medidas legais possam contribuir para o aperfeiçoamento do Ministério Público, é evidente que muito depende do seu amadurecimento como instituição, de uma mudança de postura do conjunto de seus membros e de seus dirigentes, de uma maior transparência de suas ações perante a sociedade, para que a almejada independência torne-se efetiva, inabalável, eficaz.

São os votos que faço, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/11/2002 - Página 18931