Discurso durante a 122ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da limitação da criação de reservas indígenas, ambientais e extrativistas no território nacional.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA INDIGENISTA.:
  • Defesa da limitação da criação de reservas indígenas, ambientais e extrativistas no território nacional.
Publicação
Publicação no DSF de 07/11/2002 - Página 19829
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • CRITICA, DOCUMENTO, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, AUSENCIA, DIRETRIZ, PLANO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO AMAZONICA, QUESTIONAMENTO, ORADOR, EXCESSO, PROIBIÇÃO.
  • REGISTRO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, VALORIZAÇÃO, HABITANTE, INDIO, REGIÃO AMAZONICA, ESPECIFICAÇÃO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REGULAMENTAÇÃO, CRITERIOS, DESTINAÇÃO, TERRAS, UNIÃO FEDERAL, LIMITAÇÃO, PERCENTAGEM, RESERVA INDIGENA, RESERVA ECOLOGICA, PARQUE NACIONAL, NECESSIDADE, AUTORIZAÇÃO, SENADO.
  • LEITURA, ANEXAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE BOA VISTA, ESTADO DE RORAIMA (RR), DOCUMENTO, LIDERANÇA, INDIO, ASSUNTO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.
  • QUESTIONAMENTO, POSIÇÃO, EDUARDO SUPLICY, SENADOR, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), REFERENCIA, POLITICA DO MEIO AMBIENTE, POLITICA INDIGENISTA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, tive oportunidade, desta tribuna, de fazer referência ao documento apresentado pelo Presidente da República eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, sobre a Amazônia.

Chamou-me a atenção, na conclusão do referido documento, o fato de que se fala muito sobre o que não se pode nem se deve fazer na Amazônia, mas não há realmente um plano, uma diretriz, sobre o que se deve e o que se pode fazer naquela e por aquela região e, conseqüentemente, pelo Brasil. Na verdade, nas últimas décadas proibiu-se extração de madeira, a exploração de mineral, a caça do jacaré, a construção de estradas e hidrelétricas. Enfim, tudo se tem feito no sentido de proibir, na Amazônia. Mas não existe plano no Governo Federal para a promoção do desenvolvimento sustentável, racional e inteligente da Amazônia e não há consideração para com os brasileiros que vivem naquela região, no sentido de dar-lhes um mínimo de segurança, justamente a eles que pagam um alto preço para viverem naquela região, defendendo aquela imensidão que representa sessenta por cento do nosso território nacional.

Pois bem, Sr. Presidente, como amazônida, como homem que nasceu, viveu a sua infância, teve que sair para estudar e voltou para lá a fim de trabalhar em benefício dos seus coirmãos - represento aquela região nesta Casa, depois de ter sido Deputado Federal Constituinte -, tenho lutado muito pelas teses de valorização do homem da Amazônia, seja ele índio ou não. No entanto, o que tenho visto nessas décadas - desde 1982, quando me elegi Deputado Federal pela primeira vez - é exatamente isto: leis e mais leis, portarias, decretos, sempre no sentido de se proibir na Amazônia. E tenho procurado adotar ações em favor da Amazônia, como autor, por exemplo, da proposta de emenda à Constituição a ser votada, em primeiro turno, na semana que vem neste Plenário, que destina 0,5% da arrecadação do Imposto de Renda e o IPI que é repassado pela União às instituições de ensino superior da Amazônia Legal.

Já que se fala tanto nos índios, que representam menos de 0,5% da população brasileira e que já detêm, como terras indígenas, 12% do território nacional, apresentei propostas em favor do índio e não da terra que se diz que é para o índio. Propus, por exemplo, que se estabelecesse uma quota para acesso às universidades federais, assim como se defende uma quota para os negros. Propus também uma quota para que os índios pudessem ter acesso ao serviço público, dando exatamente, repito, uma ação afirmativa em favor do índio. Apresentei, ainda, Sr. Presidente, uma proposta de emenda à Constituição, que esteve aqui já no quinto dia de discussão em primeiro turno, que visa estabelecer uma ordem na bagunça da demarcação de terras indígenas, da criação de reservas ecológicas, ambientais e de parques nacionais. Este País é realmente folclórico.

Com certeza, temos - somadas as áreas com diversos rótulos de preservação ambiental, reserva extrativista e reservas indígenas -, mais de 60% da área do Brasil sob o domínio da União. Portanto, os Estados têm constantemente suas terras seqüestradas pela União e não recebem nada como compensação, não tendo sequer o direito de chiar, porque o artigo da Constituição que trata da questão das reservas indígenas, ecológicas, ambientais não estabelece critérios.

Na proposta que apresentei e que estava no quinto dia de discussão quando foi retirada a pedido do Partido dos Trabalhadores, sugeri o seguinte: que o Senado seja ouvido no que tange à criação de reservas ecológicas, indígenas e outras, porque representamos os Estados, a Federação, e não há sentido no fato de que o Governo Federal, por meio de um decreto - como fez o Presidente Fernando Henrique Cardoso, há pouco tempo, ao seqüestrar no Amapá uma área enorme para formar o Parque Nacional do Tumucumaque -, possa agir sem que ninguém seja ouvido. Num ato imperial, para fazer pose em Johannesburgo, Sua Excelência fez isso. E aquela área, hoje, é federal. Ali a população do Amapá não pode ter nenhuma atividade que promova seu desenvolvimento. Estou propondo que esses atos sejam examinados pelo Senado Federal e passem pelo crivo dos Srs. Senadores que representam todos os Estados da Federação.

Propus isso de maneira muito equilibrada, sem viés ideológico e sem favorecer esta ou daquela categoria. O Senado, afinal, é composto por pessoas de todos os Partidos e de todos os vieses ideológicos. Propus, também, que essas áreas dos Estados destinados às reservas indígenas, ecológicas, ambientais, etc., atingissem, no máximo, o limite de 30% da área de cada Estado da Federação, o que, no final, representaria 30% da área do Brasil para esses fins.

Ora, se como reserva indígena já são menos de 0,5% da população brasileira em 12% do território nacional, um limite de 30% seria uma margem bem folgada. Mas o Relator da Proposta foi mais além: S. Exª estendeu esse limite para 50%. Portanto, a metade de cada Unidade da Federação poderia estar destinada a essas reservas ecológicas, ambientais, indígenas. Portanto, se todos os Estados atingissem esse máximo, significaria que metade do Brasil estaria destinada a esse fim.

Entendo que estão sendo estabelecidos limites e critérios lógicos, plausíveis, que precisamos realmente discutir. O adiamento da discussão para o dia 12 de dezembro pode ter realmente o objetivo de aprofundarmos esse debate, não obstante o fato de que essa matéria está em discussão na CCJ desde 1999. Portanto, houve tempo para discutir e aprofundar o problema. Estamos no final de 2002, e a proposta estava no seu quinto dia de discussão quando foi adiada para o dia 12 de dezembro, a pedido, repito, da Liderança do PT, e antecedida por um parecer de uma ONG, o Instituto Sócio-Ambiental, cujo parecer o Senador Eduardo Suplicy leu em plenário.

Então, Sr. Presidente, Srs. Senadores, chamo a atenção para esse problema gravíssimo. No meu Estado, por exemplo, só as áreas indígenas demarcadas, homologadas ou pretendidas já superam em 57% o território do Amapá. E o que é mais interessante: das diversas instituições ou organizações indígenas lá existentes, só uma é ouvida pela Funai, só uma é ouvida pelo Ministério da Justiça, só uma tem, portanto, o direito de dizer o que é certo e o que é errado.

Sr. Presidente, passarei a ler dois documentos. Um deles refere-se a matéria publicada no jornal Folha de Boa Vista. É o seguinte:

“Uma comitiva formada por 23 lideranças indígenas da região do Baixo Cotingo está reunida para apresentar uma reivindicação através do Conselho Indigenista de Roraima...” Essa é justamente a única instituição que a Funai, o Ministério da Justiça e o Ministério Público Federal ouvem. Eles reivindicam que sejam retirados os arrozeiros de uma área que é pretendida - não está demarcada - e que está sub judice, pois há uma decisão do STJ mandando suspender qualquer ação dentro desta área. A Funai, portanto, está avançando nessa área de maneira irresponsável e nomeou uma comissão para avaliar as benfeitorias dos moradores da região, sejam agricultores ou pecuaristas, num processo intimidatório, dando praticamente um ultimato.

Essas lideranças indígenas, comandadas pelo CIR estão justamente pedindo agora a retirada dos arrozeiros. Roraima é um dos maiores produtores de arroz no que se refere à produtividade, e essa região é a mais produtiva. Agora, se de um lado o CIR diz isso, de outro lado, lerei o que dizem as outras entidades indígenas, a Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima e a Aliança de Integração e Desenvolvimento das Comunidades Indígenas de Roraima, cujo documento está assinado por 41 tuxauas e outras lideranças indígenas da região, portanto um número muito mais significativo do que o comandado pelo Conselho Indigenista de Roraima. No entanto, a Funai fica mouca no que tange a esse assunto, assim como o Ministério da Justiça e o Ministério Público Federal.

Lerei o documento para que fique registrado nos Anais do Senado e para que possamos, de maneira responsável, observar o que está sendo feito no meu Estado e na Amazônia: uma espécie de apartheid étnico e, agora, intra-étnico, uma vez que estão dividindo os índios de acordo com a entidade a que estão associados ou a religião que professam, porque o CIR é ligado à Igreja Católica e as outras duas entidades são ligadas à Igreja Evangélica. Vejam como estamos partindo para um apartheid intra-étnico, de índios contra índios. 

Diz o documento assinado pelos índios:

Nós, abaixo-assinados, lideranças indígenas, membros da Sodiur e Alidcir, reunidos na Comunidade Indígena do Contão no dia 18 de setembro de 2002, após debater sobre o relatório concernente à ida de uma comissão de lideranças indígenas, lideradas pelo coordenador do CIR, Jaci José de Souza, decidimos apresentar a nossa posição em relação à homologação da área Raposa/Serra do Sol.

Sr. Presidente, quero aqui esclarecer ao Plenário, aos ouvintes da Rádio Senado, aos telespectadores da TV Senado e à Nação que, segundo velha tática, algo que se repete muitas vezes acaba se tornando uma verdade, embora seja uma mentira.

           Quando se fala na área Raposa/Serra do Sol, parece que se trata de uma área pequena e que uma está perto da outra. Porém, são duas regiões completamente diferentes. A área da Raposa é de lavrado, como se fosse o nosso cerrado, em Brasília, e Serra do Sol, como o nome está dizendo, é uma área montanhosa, muito distante da região da Raposa.

           Continuarei a leitura do documento:

Somos favoráveis a que a área Raposa/Serra do Sol seja homologada de forma descontínua, com área para permanência e desenvolvimento dos Municípios de Normandia, Pacaraima e Uiramutã com suas respectivas áreas urbanas, com as Vilas do Mutum, Socó, Água Fria, Surumu, área de produção agrícola, a permanência do 6º Pelotão Especial de Fronteira no Município de Uiramutã, e a construção da sua pista de pouso na sede do Município.

            

           Neste ponto, quero fazer um outro comentário, Sr. Presidente: a movimentação desse esquema de apartheid é tão grande que essa entidade, o CIR, tentou impedir a construção de um quartel do Exército brasileiro numa fronteira delicada do Brasil com a Venezuela e com a Guiana, sob a alegação de que a presença do Exército ali iria tumultuar a vida dos índios, que são aculturados, que são funcionários públicos, professores e comerciantes. Portanto, em relação aos índios que não pertencem ao CIR, a realidade não é o que se vem apregoando.

Não queremos permanecer no obscurantismo ambientalista, queremos sim usufruir todos os benefícios que o Estado possa oferecer aos seus cidadãos, tais como: estradas, transporte, energia elétrica, comunicação, educação e infra-estrutura em geral, que se constituem fatores decisivos para o desenvolvimento de todos. O Brasil é de todos, índios e não índios!

Sr. Presidente, fiz questão de ler esse documento na íntegra, para que fizesse parte do meu pronunciamento.

Infelizmente, existe um movimento que deseja ter o monopólio da verdade sobre a questão indigenista, sobre a questão ambientalista e que inclusive não divulga e não aceita a fala daqueles que discordam dos rumos, por exemplo, do que pensa o Instituto Socioambiental, cujo documento foi lido pelo Senador Eduardo Suplicy. Lamento que o Senador Eduardo Suplicy não esteja presente no plenário, porque realmente este é um assunto do maior interesse para o Brasil.

Não podemos nos esquecer do exemplo da Colômbia, que se descuidou da sua Amazônia, que tratou a sua Amazônia como se fosse o quintal do país, relegando-a a um abandono absurdo. E qual foi o resultado, o que aconteceu com a Amazônia colombiana? Primeiro, a guerrilha ideológica lutou para derrubar um governo constituído; depois, a associação do narcotráfico com a guerrilha e, recentemente, a intervenção dos Estados Unidos. Intervenção branca, é verdade, consentida, mas uma intervenção da qual não se vai mais sair. Lamentavelmente, gerações de colombianos vão passar antes que eles vejam os Estados Unidos tirarem as botas dos seus militares lá de dentro.

Portanto, não podemos aqui ficar omissos diante da realidade do que acontece com a Amazônia brasileira, sob o manto de um falso ambientalismo, de um falso indigenismo, que não leva em conta o índio, mas, sim, interesses que querem esterilizar imensas áreas da Amazônia.

Quero aqui fazer um apelo ao Presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, para que realmente se apegue àquele ponto do documento que fez sobre a Amazônia: precisamos acabar com essa história de dizer só o que não se pode fazer na Amazônia; não podemos permitir também que ela continue dominada por interesses que não são nacionais -- com certeza, não são nacionais.

Toda vez que eu tiver conhecimento de fatos como esse, quero trazê-los ao conhecimento da Nação e do Senado, para que possamos dizer amanhã: se as autoridades competentes não tomaram providência, a culpa não foi dos representantes da região, que ficaram calados ou omissos. Cabe a nós, inclusive, com a aprovação dessa proposta de emenda à Constituição, colocar uma ordem nessa bagunça que é a questão ambientalista e indigenista no País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/11/2002 - Página 19829