Discurso durante a 122ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Proposta de audiência pública, dirigida à Comissão de Assuntos Sociais, para a discussão do Projeto de Lei do Senado 134, de 2001, que trata da modificação do artigo 618 da CLT.

Autor
Moreira Mendes (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Rubens Moreira Mendes Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Proposta de audiência pública, dirigida à Comissão de Assuntos Sociais, para a discussão do Projeto de Lei do Senado 134, de 2001, que trata da modificação do artigo 618 da CLT.
Publicação
Publicação no DSF de 07/11/2002 - Página 19853
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • PROPOSTA, ORADOR, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, DEBATE, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT), ESPECIFICAÇÃO, REDUÇÃO, FORMALIDADES, MERCADO DE TRABALHO, CRIAÇÃO, EMPREGO, MELHORIA, QUALIDADE, AUXILIO, PROTEÇÃO, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, LEGISLAÇÃO PREVIDENCIARIA.
  • APRESENTAÇÃO, RESUMO, QUESTIONAMENTO, POPULAÇÃO, REFERENCIA, ALTERAÇÃO, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT).

SR. MOREIRA MENDES (PFL - RO) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Parlamento brasileiro tem sido, por vezes, acusado de negligente ou de açodado, quando se debruça sobre temas delicados e considerados urgentes pela sociedade. Se as acusações procedem ou não, isso é assunto para um próximo discurso, mas o que é certo é que o Senado tem que cumprir o seu trabalho. Encontra-se na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o PLS de nº 134 de 2001 (origem PL 5.48312001) para ser relatado pelo Senador Francelino Pereira, após será encaminhado à Comissão de Assuntos Sociais, na qual foi designado relator. O projeto trata da modificação do art. 618 da CLT. Vejo, com satisfação, que o Presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, colocou entre as prioridades de seu governo, a realização de uma reforma trabalhista que não revogue nenhum direito dos trabalhadores brasileiros.

Esse é exatamente o propósito do projeto. Na Câmara dos Deputados muitas dúvidas foram suscitadas e aconteceram acaloradas discussões. No âmbito do Senado Federal, eminentes Senadores pleitearam a retirada do regime de urgência, para que houvesse a possibilidade de aprofundar o debate sobre a matéria. A urgência foi retirada.

Dez meses se passaram. Cessaram os debates. Debrucei-me sobre estudos e pareceres de vários especialistas na matéria. Verifiquei que a imprensa e a opinião pública foram mal informadas a respeito do projeto.

Tive a oportunidade de observar que durante a campanha eleitoral recém-terminada, muitos candidatos passaram para os eleitores informações falsas e que nada têm a ver com o espírito e os mecanismos do PLS 134, de 2001. Parlamentares candidatos relataram ter sofrido um verdadeiro patrulhamento ideológico por terem votado a favor do referido projeto na Câmara dos Deputados, sendo acusados de querer acabar com os direitos dos trabalhadores, quando nada disso tem sustentação na peça que ora examinamos na Comissão de Assuntos Sociais. Durante esses dez meses, tive a oportunidade de juntar as principais dúvidas e objeções levantadas contra o projeto de lei, algumas por falta de informação e outras por pura maldade.

É muito importante que essa matéria continue a ser discutida. Estou requerendo a realização de Audiência Pública na Comissão de Assuntos Sociais, oportunizando a participação dos representantes das partes interessadas e de membros da equipe de transição do novo Governo, para, nesta Legislatura, esclarecermos a Nação e os Parlamentares, e cumprirmos o nosso dever.

A Audiência Pública deverá nos dar a dimensão e o alcance da proposta, fora do calor das disputas eleitorais. A verdadeira importância do PLS 134 repousa na redução da informalidade no mercado de trabalho e, num médio prazo, aumentará a geração de empregos de melhor qualidade, todos eles protegidos pelas leis trabalhista e previdenciária.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, precisamos ser claros. Temos de ler e entender o que está escrito no PLS 134. O projeto não retira um só direito dos trabalhadores.  Além disso, é de caráter facultativo. Conta com a participação e fiscalização dos sindicatos e das centrais sindicais nas negociações coletivas. E é de caráter experimental, ou seja, vigência de apenas dois anos, após o que será reavaliado.

Nesse sentido, a introdução da nova mecânica de negociação coletiva, repito, de forma voluntária, constitui um grande avanço no processo de modernização das leis trabalhistas que o Presidente eleito deseja levar avante, com a rigorosa observância dos direitos atuais dos trabalhadores brasileiros. É isso que pretendo da audiência pública: uma oportunidade para um exame desapaixonado de uma lei que é boa para os trabalhadores, para as empresas e para os cofres da Previdência Social.

Sr. Presidente, aproveito esta oportunidade, entretanto, para apresentar a esta Casa, de forma resumida, as grandes dúvidas e principais desentendimentos em torno do projeto. Pretendo encaminhar isso aos que forem convidados para a audiência pública para que partamos de algo objetivo e concreto, e não de slogans e convulsões emocionais. Estas são as perguntas mais freqüentes.

1º - Quais são os direitos revogados pelo projeto aprovado pela Câmara dos Deputados?

Nenhum. Todos os direitos serão mantidos. O PLS 134 apenas abre uma porta para empregados e empregadores negociarem, voluntariamente, e com a ajuda dos sindicatos e das centrais sindicais, o que acharem mais vantajoso para aquele momento.

2º - Foi amplamente divulgado que esse projeto, se aprovado, retiraria dos empregados o 13º salário, as férias, o FGTS, a aposentadoria, a licença à gestante. Isso procede?

Isso não procede. Todos esses direitos continuam assegurados. O professor Amauri Mascaro, especialista no assunto, diz que o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados excluiu da negociação direitos muito fortes, a saber:

(1) os dispositivos constitucionais; (2) as leis complementares; (3) os direitos previdenciários; (4) as normas tributárias; (5) o FGTS; (6) o vale transporte; (7) o programa de alimentação; (8) as normas de segurança e saúde no trabalho.

São exclusões de grosso calibre. Só no campo constitucional, são inegociáveis os seguintes direitos:

(1) FGTS; (2) férias; (3) abono de férias; (4) licenças maternidade paternidade; (5) aposentadoria; (6) indenização por dispensa imotivada; (7) jornada semanal de 44 horas (a não ser o previsto na Lei 9.601198 - Banco de Horas); (8) jornada diária de 6 horas para sistemas de revezamento (a menos o previsto na própria Constituição); (9) adicional de 50% nas horas extras; (10) acréscimo de 113 da remuneração das férias; (11) licença-paternidade de 5 dias; (12) idade mínima de 16 anos para trabalho; (13) isonomia salarial entre avulsos e empregados; (14) estabilidade da gestante; (15) estabilidade de dirigente sindical e membro da CIPA; (16) participação nos lucros, ou resultados e gestão da empresa; (17) direito de greve.

Segundo Mascaro, estão fora da negociação também:

(1) as normas de direito público do trabalho (registro em carteira, fiscalização do trabalho, homologação de rescisões; etc.);

(2) o direito penal do trabalho (retenção dolosa do salário, omissão de documentos da Previdência Social, etc.); (3) a organização sindical; (4) e as sentenças da Justiça do Trabalho e outros. ("Limites da Negociação Coletiva na Perspectiva do Projeto de Flexibilização da CLT", Revista LTr, vol. 65, dezembro de 2001).

3º - Por que a imprensa divulgou tanto que o PLS 134 seria destruidor de direitos?

Quem citou esses direitos seriam negociáveis estava mal informado ou agiu de má-fé. Isso não pode acontecer quando se está examinando uma mudança que objetiva melhorar as condições dos trabalhadores, das empresas e do Brasil - e não piorar.

4º - Os empregadores podem coagir seus empregados a aceitarem o que não querem?

Não. Nada pode ser negociado na base individual. Tudo tem de passar pelos sindicatos ou centrais sindicais. Para se decidir qualquer coisa, o sindicato terá de fazer uma reunião com os empregados, explicar os prós e contra da proposta do empregador e, livremente, por meio de voto democrático, a assembléia decidirá. Se os trabalhadores acharem que a proposta do empregador não é boa, não devem aprová-la e tudo continuará como está, com todas as proteções da CLT e da Constituição Federal.

5º- Mas não pode haver sindicalistas de má-fé que acabam fazendo acordos lesivos aos empregados?

Esse tipo de traição é impossível. Repetindo, as decisões serão tomadas em assembléias especialmente marcadas para isso. O que for ali deliberado os sindicalistas terão de cumprir. Se não cumprirem deixarão de ser sindicalistas, pois jamais serão reeleitos na próxima eleição.

6º - Mas, afinal, o que pode ser negociado?

São poucas coisas. Esse é o espírito do projeto de lei. Fazer uma reforma gradual e cautelosa. Dar às partes a segurança de que não percam. No fundo, são negociáveis apenas as "condições de trabalho" que se referem ao contrato individual de trabalho (art. 468 da CLT):

(1) a compensação de horários dentro dos limites constitucionais; (2) a redução da jornada de trabalho; (3) a exclusão ou inclusão do tempo in itinere na jornada; (4) a jornada de tempo parcial; (5) o número de horas extras compensáveis; (6) a condição de gerentes e executores de cargos de confiança; (7) a duração dos intervalos; (8) os dias de concessão nos quais recairá o repouso semanal; (9) o período que se caracteriza como noturno; (10) o percentual do adicional noturno; (11) a forma de marcação de ponto; (12) o contrato por prazo determinado.

7º - O que pode acontecer com o 13º salário?

O valor de um mês de salário está assegurado na Constituição Federal e é inegociável. A CLT, porém, manda pagar o 13º salário em duas parcelas no mês de dezembro. Digamos que uma empresa que esteja em dificuldade financeira para fazer esses pagamentos tão próximos um do outro recorra a um banco para tomar um empréstimo a ser pago em seis meses. Ela vai ter de pagar juros de 25% a 30% nesse período. Isso agravará ainda mais as suas dificuldades, levando-a a dispensar empregados. Mas, se empregados e empresa, com a assistência do sindicato ou da central sindical, concordarem que esse pagamento seja feito em 3 vezes, a empresa evitará os juros, manterá o seu quadro de pessoal e a solução terá o amparo da lei. Essa é a vantagem do projeto. Evitar desastres sociais. Mesmo assim, se os empregados não quiserem ou o sindicato não aceitar, nada poderá ser feito. Tudo permanece como está. Ninguém é obrigado a negociar.

8º - Quais os outros exemplos desse tipo?

O mesmo pode ser aplicado às férias e ao abono de férias. Se empregados e empregadores, assistidos pelos sindicatos ou centrais sindicais, concordarem em dividir as férias em três vezes, para ajudar a empresa a enfrentar seus problemas e evitar demissões de trabalhadores, a nova lei permitirá isso. Ou seja, não há nenhuma revolução por trás desse projeto de lei. Trata-se de uma reforma branda e, mesmo assim, sujeita à vontade das partes.

9º - Ao permitir negociar abaixo dos mínimos da CLT, isso não é perda?

Como diz um outro especialista em relações do trabalho, "muitas vezes, negociar para baixo é a única maneira de ganhar”. E ele dá um exemplo concreto. “Os 3.000 trabalhadores da Volkswagen, que iam perder o emprego em 2001, resolveram ceder no salário em troca do emprego. Foi um ganho que hoje só pode ser obtido cedendo salário. Com a nova lei, poder-se-á manter o salário, e negociar outros itens" (José Pastore, "Reforma da CLT: as Dez Grandes Dúvidas", in O Estado de S. Paulo, 04/12/2001).

10 º - Não é melhor fazer uma reforma sindical primeiro, para que todos os sindicatos fiquem fortes?

Neste ponto, Pastore diz que teoricamente sim. Mas isso envolve mudar o art. 80 da Constituição Federal: quatro votações com maioria qualificada sobre um assunto tecnicamente complexo e em torno do qual há uma grande divisão de opinião dentro dos sindicatos - uma mudança muito mais difícil do que aprovar uma lei ordinária.

11º - Quem vai se beneficiar dessa nova lei?

Em primeiro lugar, quem trabalha na informalidade sem nenhuma proteção social - cerca de 42 milhões de pessoas! Quando adoecem, eles não têm licença remunerada; quando perdem o emprego, não contam com FGTS ou seguro-desemprego; quando envelhecem não tem aposentadoria; e quando morrem, nada deixam para sua companheira ou companheiro.

Em segundo lugar, quem está desempregado. Reduzindo o déficit da Previdência Social - via formalização - reduz o déficit do Tesouro Nacional. Em conseqüência, diminui a pressão do Governo por empréstimos no mercado e os juros caem. Com juros mais baixos, as empresas (e o próprio Governo) investem mais, e geram empregos.

12º - Quais os riscos para quem já está empregado com base na CLT atual?

Os 28 milhões, que gozam da proteção atual, continuarão usufruindo dela, a menos que decidam buscar coisa melhor. E tudo será gradual.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores o próprio Prefeito Antônio Palocci, coordenador da equipe de transição do Presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, já anunciou grande interesse do Governo petista em reacender a discussão sobre a flexibilização da CLT. Nesse contexto, não cabe outra decisão à CAS senão abrir o debate num raio, o mais amplo possível, convocando as centrais sindicais, as associações patronais, órgãos da Justiça e outros interessados para uma participação responsável no processo de modificação da CLT.

Na verdade, o projeto de lei em apreço, de iniciativa do Presidente Fernando Henrique, destina-se a alterar as regras das convenções ou acordos coletivos firmados por manifestação expressa das partes envolvidas. Pelo projeto, tais acordos e convenções, livremente acertados, se sobreporiam ao texto da lei. Evidentemente que tamanhas modificações suscitam desconfianças e inquietações de toda ordem. Se, de um lado, a flexibilização da CLT poderá ajudar o mercado de trabalho, fortalecendo o poder de negociação dos sindicatos, de outro, poderá ensejar a eliminação dos direitos assegurados aos trabalhadores com menor tradição de barganha.

Desse modo, nada mais oportuno do que patrocinar um debate que possa esclarecer todas as dúvidas em questão, que possa assegurar aos trabalhadores menos assistidos certa tranqüilidade sobre as mudanças em vista. Para mim, a verdadeira importância do PLC 134, de 2001, repousa na redução da informalidade no mercado de trabalho, proporcionando a geração de empregos de melhor qualidade, sem que se abra mão da rede de proteção das leis trabalhistas e previdenciárias.

Nessa lógica, Sr. Presidente, a proposta de uma grande audiência pública no âmbito da CAS adquire, enfim, maior legitimidade, na medida em que propiciará a participação dos representantes das partes interessadas e de membros da equipe de transição do novo Governo, para que, ainda nesta Legislatura, esclareçamos à Nação e aos Parlamentares todos os detalhes do PLC 134, de 2001.

Como bem observam V. Exªs, esse projeto de lei foi cercado de desinformação e má-fé. Trata-se de uma medida que preserva todos os direitos dos trabalhadores. Trata-se de uma medida absolutamente democrática, pois só negocia quem quer. Trata-se de uma medida cautelosa, pois os direitos negociáveis são poucos de modo a dar às partes a possibilidade de avaliar o novo mecanismo.

Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, penso ser de nosso dever patriótico voltar a examinar esse projeto com isenção e dizer sim ou não com base em argumentos sólidos e não em falsidades.

Muito obrigado.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/11/2002 - Página 19853