Pronunciamento de João Alberto Souza em 07/11/2002
Discurso durante a 123ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
REFLEXÕES SOBRE A NECESSIDADE DE ADOÇÃO DE POLITICAS GOVERNAMENTAIS DESTINADAS AO COMBATE A FOME.
- Autor
- João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
- Nome completo: João Alberto de Souza
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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PROGRAMA DE GOVERNO.:
- REFLEXÕES SOBRE A NECESSIDADE DE ADOÇÃO DE POLITICAS GOVERNAMENTAIS DESTINADAS AO COMBATE A FOME.
- Publicação
- Publicação no DSF de 08/11/2002 - Página 20814
- Assunto
- Outros > PROGRAMA DE GOVERNO.
- Indexação
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- ANALISE, GRAVIDADE, FOME, BRASIL, COMENTARIO, ELOGIO, PROGRAMA DE GOVERNO, CANDIDATO ELEITO, COMPROMISSO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, FALTA, ALIMENTOS, POPULAÇÃO CARENTE.
- COMENTARIO, NECESSIDADE, APROVEITAMENTO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, ALCANCE, OBJETIVO, REDUÇÃO, FOME, REGISTRO, IMPORTANCIA, INCENTIVO, COOPERAÇÃO, INICIATIVA PRIVADA, GOVERNO.
- SUGESTÃO, CANDIDATO ELEITO, PRIORIDADE, PROGRAMA ASSISTENCIAL, COMBATE, FOME, SIMULTANEIDADE, OFERECIMENTO, EDUCAÇÃO, EMPREGO, IMPEDIMENTO, OCIOSIDADE, CRIAÇÃO, OPORTUNIDADE, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO CARENTE.
O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB - MA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em 1952, ao prefaciar a terceira edição de sua obra Geografia da Fome, Josué de Castro afirmou que o assunto desse livro era “bastante delicado e perigoso”. Delicado e perigoso porque, então, falar abertamente de fome era tabu para uma sociedade racionalista, educada para o desprezo dos instintos primários, considerados instintos animais, entre os quais está a necessidade de alimento.
Hoje, falar da fome, analisar em profundidade seus efeitos sobre o organismo humano, comentar suas conseqüências sobre o comportamento social dos famintos ou dos que estão com fome, discutir e criar estruturas e programas para vencer esse problema deixou de ser tabu. Pelo contrário, é tema recorrente; é campo do qual brotam as mais diversas projeções, os mais variados posicionamentos. Sobre o assunto, engendram-se programas, mudam-se denominações, visualizam-se fontes e montantes de recursos, mudam-se metodologias para tentar atingir a concreta realidade numérica dos que efetivamente têm fome ou dos sofrem de desnutrição comprometedora.
Em síntese, a fome deixou de ser tabu, mas continua questão perigosa. Não no sentido de que se trata de instinto menos nobre; também não no horizonte de que é abrir caminho para revelações deprimentes, incentivo à revolta ou a transformações violentas. Torna-se questão perigosa na perspectiva de ser área de desemboco das emoções que nascem em momentos específicos vivenciados pela sociedade, emoções logo esquecidas diante de simples mudança de enfoque, com o resultado de a tragédia nunca ser atacada de forma congruente.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não trato do problema com o intuito simples de crítica. Trago-o à reflexão para salientar a necessidade de intenções e vontade sólidas, para que delas decorram planejamento e execução reais, resultados duradouros e eficientes.
Em primeiro lugar, acredito bizantina a discussão sobre se são 44 ou 22 milhões os famintos do Brasil. Pouco importa se esses números indicam a realidade ou apontam apenas para pessoas “susceptíveis à fome” ou “em risco” de passar fome. Também julgo bizantinismo mudar nomes, assim como não asseguram eficiência programas de abrangência e execução macrocentralizada.
Não nego a importância de dar quantidade à utopia e de sentir o prazer de tê-la na mãos. A previsão quantitativa é condição para projetar, prever e destacar recursos. Não excluo a importância da macrovisão. Ressalto apenas a necessidade da ação sobre o concreto, o concreto tangível, verificável e de resultados controláveis.
Nesse sentido, é de fundamental importância o aproveitamento de experiências que deram certo nos programas congêneres que foram implementados durante os últimos governos. Também os implantados e bem sucedidos das entidades privadas devem ser considerados. Refiro-me em particular ao grandioso serviço feito à população pobre pela Pastoral da Criança, coordenado pela Drª Zilda Arns. Cabe ao Governo envolver instituições públicas e particulares, congregar experiências e metodologias consagradas para que a execução seja constatável e a aplicação dos recursos mantida sob controle.
Considero também, e isso já está comprovado pela experiência, critério fundamental associar às ações de combate à fome projetos de promoção social. É preciso “investir em alfabetização, profissionalização e geração de renda, para que as famílias consigam se sustentar” (Zilda Arns). Saciar a fome e abandonar os atendidos na ociosidade é frustrar a esperança de crescimento; é relegá-los à humilhação do paternalismo. O atendimento não pode restringir-se ao aspecto isolado da satisfação física. É essencial que a pessoa atendida o seja no conjunto global das aspirações do ser humano, destinado ao crescimento, à construção de si como agente positivo da história individual e da coletividade em que vive.
É indiscutível que as crianças deverão ocupar lugar de proeminência no programa de combate à fome. Todos sabemos hoje dos males, muitos irreversíveis, que a fome provoca no organismo das crianças, de modo especial até os três anos de idade, durante os quais, segundo os modernos estudos sobre o cérebro humano, se completa a complexa estrutura dos neurônios. Além disso, segundo recente documento produzido por especialista das Nações Unidas, ligados ao programa do “Direito à Alimentação”, “(...) todos os dias, 280 crianças morrem por doenças causadas pela má nutrição antes de completar um ano no Brasil”.
Preocupam-me esses aspectos porque é hora de imperiosa otimização dos recursos disponíveis; é hora de evitar radicalmente a repetição de erros; é hora de concretizar ações que tenham prazo para terminar, por superação do problema que se vem repetindo ao longo do tempo. É hora de ações que se encaminhem para a solução. De ações que destruam a emergência como fenômeno que se repete, como oásis que surge na hora em que se olha para o povo, mas desaparece porque não há permanência com o povo. Em especial, os programas não podem continuar como iniciativas feitas para que o faminto coma e fique na ociosidade, desfibrando-se na subserviência e na crença do milagre. É preciso que coma, para trabalhar e construir-se.
Fora dessa perspectiva, não tenho dúvida, a fome continuará sendo uma ameaça perigosa.
Muito obrigado!