Discurso durante a 128ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre as declarações do Presidente Fernando Henrique Cardoso feitas em Oxford, na Inglaterra, sobre o programa Fome Zero. (como Líder)

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. POLITICA SOCIAL.:
  • Comentários sobre as declarações do Presidente Fernando Henrique Cardoso feitas em Oxford, na Inglaterra, sobre o programa Fome Zero. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2002 - Página 21705
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DISCURSO, GERALDO MELO, SENADOR, RESPOSTA, GARANTIA, RESPEITO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VIAGEM, PAIS ESTRANGEIRO, GRÃ-BRETANHA, REFERENCIA, AUSENCIA, FOME, BRASIL, DEMONSTRAÇÃO, DESCONHECIMENTO, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, PROBLEMA, SECA, INVALIDAÇÃO, PROGRAMA DE GOVERNO, SUCESSÃO.
  • DEFESA, PROGRAMA, COMBATE, FOME, GOVERNO, SUCESSÃO, INCLUSÃO, PLANO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • CRITICA, INFERIORIDADE, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, GOVERNO FEDERAL, SETOR, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, COMBATE, SECA.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, eu até voltaria à tribuna para tratar das questões que foram discutidas pelo Senador Geraldo Melo. Tenho a obrigação de dizer que S. Exª não precisa se preocupar com as discussões sobre o pacto. Na próxima semana, falarei especificamente do pacto, porque tenho uma compreensão diferenciada dele. Mas se fosse eu Presidente da República - o que nunca ocorrerá -, S. Exª teria motivos para preocupações. Com o nosso companheiro Lula, com certeza, S. Exª não precisa ter preocupações. O Lula não será perigoso para concepções específicas da democracia.

Trago algumas considerações rápidas, Sr. Presidente, não poderia deixar de fazê-lo, sobre as declarações dadas pelo atual Presidente da República na Universidade de Oxford, na Inglaterra. Diz o Presidente da República, em declarações, na minha concepção, absolutamente infelizes, que no Brasil não existe fome, fazendo uma crítica ao Projeto Fome Zero apresentado pelo Governo Lula. Sinceramente, não vi isso com indignação. É claro que, sempre que faço uma análise da execução orçamentária do atual Governo, vejo 62% do PIB, de toda a riqueza nacional, comprometido com o pagamento dos serviços e juros da dívida; vejo - com indignação - a subserviência do Governo Fernando Henrique ao Fundo Monetário Internacional.

Ouvi as últimas declarações do Presidente, na Inglaterra, sobre a fome no Brasil com absoluta tristeza, pela profunda insensibilidade e desconhecimento do Presidente da República sobre o que acontece em seu País. Talvez a caracterização mais precisa disso seja a de que ele é um poliglota que não entende a língua do povo; ou um profundo conhecedor do mundo que não conhece o seu País. Até porque o que Sua Excelência disse ontem sobre o Projeto Fome Zero demonstra, primeiramente, um profundo desconhecimento sobre o que foi apresentado pelo José Graziano, entre outras personalidades que têm trabalhado insistentemente no Projeto Fome Zero. Sua Excelência não conhece o programa, daí as suas declarações inconseqüentes.

O Projeto Fome Zero não se restringe a ações emergenciais relacionadas à fome. O programa de segurança alimentar, de fato, é um eixo estratégico de desenvolvimento. São políticas que vão desde a geração de emprego, a recuperação de salários, a expansão da produção agrícola, com eixos de atuação extremamente importantes nas políticas de incentivo à produção alimentar, reforma agrária, política agrícola, política agroindustrial, política de comercialização agrícola, preços mínimos, estoques reguladores, gestão de entrepostos, até a distribuição de alimentos de forma descentralizada pelo setor varejista, controle de preços e margens, ampliação dos programas de distribuição de alimentos básicos, em uma ação conjunta com a sociedade de combate à fome.

É um projeto muito maior, que contém, de fato, um eixo estratégico de desenvolvimento do País. Mas, infelizmente, o Presidente da República, nas suas declarações, talvez não tenha conhecimento disso.

Eu sei que coeficientes, taxas, alternativas as mais diversas, estudos e metodologias para quantificar pobres, famintos e indigentes, no Brasil - eu sou da área de Estatística -, têm nomes muito especiais: coeficiente de mortalidade disso e daquilo; índice de massa corporal; prevalência de déficit energético leve, moderado ou muito alto; disponibilidade calórica média.

O Presidente disse que não há fome, porque ela só ocorre quando há seca. Essas declarações são absolutamente despropositadas, até porque todos sabem o que existe no Brasil. O Projeto Fome Zero não exclui algumas outras alternativas, como a renda mínima, a bolsa-escola. Todos sabem que os erros que pode haver, pela ausência de mecanismos de controle do aparelho de Estado, também podem existir inclusive em programas de renda mínima ou bolsa-escola, extremamente importantes, implementados pelo Governo.

O próprio Senador Eduardo Suplicy, desde o seu primeiro mandato, é um entusiasta desses programas de redistribuição de renda, mas eles podem virar programas de vigarice política, de banditismo eleitoral, tal como aconteceu em muitos Estados. A população chegava às seis horas para receber o seu cartão eletrônico de renda mínima ou do programa de enfrentamento do trabalho infantil, aglomerava-se diante de um palanque, para esperar que os políticos de pança cheia chegassem para patrocinar a vigarice eleitoral e o banditismo político, embora, não necessariamente, isso estivesse carimbado no programa viabilizado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Então, todos os mecanismos de controle do aparelho do Estado, do aparato público, para impedir que interesses diversos sejam incluídos em programas de redistribuição de renda, devem ser criados. É de fundamental importância, inclusive, nosso acesso, e o de toda a sociedade, aos relatórios de execução orçamentária do Governo.

Vários relatórios de execução orçamentária demonstram claramente que não foram feitos investimentos no combate à fome. Basta ver a execução orçamentária da assistência social no País: de 0,4% na área de investimentos, e de menos de 40% na área de custeio. Uma execução insignificante!

Nem estou falando daquelas outras políticas que também podem ajudar a dinamizar a economia local, gerar emprego, renda, como a habitação e o saneamento básico, que podem ser destinados às populações pobres e que tiveram execução zero até a semana passada. Execução zero!

Efetivamente, Sr. Presidente, é salutar deixar extremamente claro que é um programa importante. Não é uma panacéia para resolver todos os males, não é uma fórmula mágica para resolver todos os males. Entretanto, tem de ser deixado claro que as considerações feitas pelo Presidente da República são imprecisas e desqualificadas do ponto de vista técnico, porque Sua Excelência não conhece o Projeto de Segurança Alimentar apresentado pelo Partido dos Trabalhadores. Essa demonstração de desconhecimento da realidade do nosso País nos causa indignação e tristeza.

Quem acompanha a situação do Nordeste sabe que estamos com problemas gravíssimos relacionados à seca. Se observarmos a execução orçamentária dos projetos que se destinam a recursos hídricos, ao abastecimento de energia, ao abastecimento de água, veremos que ela é uma vergonha!

O Nordeste é a região onde a fome está mais presente. Há desnutrição, subdesenvolvimento, mas não em razão das condições climáticas. Sabemos qual foi exatamente o papel político da oligarquia nordestina, que sempre teve todo o incentivo eleitoral da elite paulista para continuar usando a seca como mecanismo para se apropriar e continuar se apropriando do poder.

Deixo apenas o registro de que é um programa extremamente importante. Ele mereceria críticas, como qualquer outra política social, se não viesse com mudanças estruturais profundas, se fosse simplesmente um mecanismo para atenuar a tensão social. Mas é um programa que trata da segurança alimentar como um eixo de desenvolvimento estratégico do nosso País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2002 - Página 21705