Discurso durante a 130ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise sobre a situação da criança e do adolescente no Brasil. Solicita ao presidente eleito maior dedicação aos problemas da criança e do adolescente no País.

Autor
Carlos Patrocínio (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Análise sobre a situação da criança e do adolescente no Brasil. Solicita ao presidente eleito maior dedicação aos problemas da criança e do adolescente no País.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/2002 - Página 22197
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, POBREZA, CRIANÇA, ADOLESCENTE, BRASIL, REGISTRO, DADOS, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), DEMONSTRAÇÃO, PRECARIEDADE, ENSINO PUBLICO, INSUFICIENCIA, PRODUTO ALIMENTAR BASICO, POPULAÇÃO CARENTE, PREJUIZO, APRENDIZAGEM, DESENVOLVIMENTO CULTURAL, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, BAIXA RENDA, DIFICULDADE, EMPREGO.
  • CRITICA, INEFICACIA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, CRIANÇA, ADOLESCENTE, BRASIL, EXPECTATIVA, PROPOSTA, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, MELHORAMENTO, SITUAÇÃO.

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero falar hoje da situação da criança e do adolescente no Brasil. Antes, no entanto, quero apresentar os meus votos de esperança no Governo que se iniciará, creio, no próximo dia 1º de janeiro e, por conseguinte, chamar a atenção para o tratamento que ainda é dispensado às crianças e aos adolescentes em nosso País, cujas conseqüências são de conhecimento de todos, haja vista o número de jovens encarcerados nos presídios do Brasil.

Será que nos poderemos considerar satisfeitos com os avanços obtidos nos últimos anos? As crianças e os adolescentes brasileiros gozam de um padrão de vida comparável aos exibidos por nações desenvolvidas? Podemos dizer que as últimas décadas elevaram a qualidade de vida da infância e da adolescência brasileira aos patamares desejáveis? São perguntas que muitos não gostariam de responder. Elas desgostam, incomodam e angustiam muita gente, mas temos de formulá-las para conhecer o Brasil, para tomar ciência da realidade que nos cerca.

Não há melhor modo de iniciar uma caminhada em direção ao ponto onde queremos chegar senão sabendo onde estamos no momento de partir. Preciso primeiro saber onde estou para me voltar à direção correta, que me conduzirá onde quero chegar.

Por conseguinte, Srªs e Srs. Senadores, se estamos empenhados em melhorar a qualidade de vida de nossas crianças e adolescentes, se nos sentimos obrigados a assegurar seu crescimento e desenvolvimento, se temos compromisso com o seu futuro, não podemos deixar de buscar as respostas mais confiáveis e fidedignas das perguntas anteriormente formuladas, não podemos deixar de conhecer a realidade em que vive nossa infância e nossa adolescência.

Pois bem; vamos começar a abrir, digamos, essa “caixa-preta”. Metade das crianças brasileiras de até três anos de idade vive em famílias pobres. Esse dado foi divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA. Ora, sabe-se que os primeiros seis anos de vida são cruciais para a formação das estruturas cognitivas e da capacidade de aprendizagem. Sabe-se mais: que o desenvolvimento de habilidades lógicas, musicais e afetivas depende, grandemente, de quanto a criança foi solicitada para exercitar tais habilidades. Se metade das nossas crianças, com até três anos de idade, vivem em famílias pobres, é de se supor que dificilmente terão nos lares suas capacidades intelectuais e afetivas desenvolvidas convenientemente!

O IBGE divulgou outro dado preocupante: aumentou o número absoluto de crianças brasileiras, de zero a seis anos, vivendo em casas chefiadas por mulheres pobres - com renda mensal de até dois salários mínimos. Eram 1,7 milhão em 1991. Hoje, são cerca de 2,3 milhões. Vamos fazer uma conta simples, Sr. Presidente: renda de dois salários mínimos, numa família de quatro pessoas, dá meio salário mínimo mensal per capita. Como se pode sobreviver com uma quantia tão miserável de dinheiro? Não esqueçamos, além do mais, que a mulher responde por um em cada quatro domicílios no Brasil. A principal dificuldade que as chefes de família enfrentam é, sem dúvida, o rendimento (aliás, sempre menor do que recebem os homens): metade delas ganha, em média, R$276 por mês. São 5,5 milhões de mulheres a sustentarem a família com valor tão ínfimo e deplorável! Se essas mulheres tiverem três filhos que ainda não ganhem nada, a cada pessoa caberá viver com R$79. Setenta e nove reais por mês, Sr. Presidente, é muito pouco! Deve-se lembrar que, nos domicílios chefiados por mulheres, o rendimento do chefe de família representa, em média, 90% do orçamento familiar. Como não vivem com o cônjuge masculino, as mulheres são as principais ou as únicas provedoras da casa.

Srªs e Srs. Senadores, podemos até imaginar o cenário: com os pais trabalhando fora o dia todo (alguns só voltam para casa nos finais de semana), essas crianças pequenas ficam em casa, cuidadas, em geral, pelos irmãos maiores, sem atividades que estimulem o exercício e o funcionamento cerebral. A maior parte delas deve ter como maior distração a televisão, com seus horríveis programas de baixa ou nenhuma qualidade educativa. Não freqüentam creches, porque não há creches em número suficiente. Segundo dados do IBGE e do Ministério da Educação, apenas 10% das crianças, entre zero e três anos, estão matriculadas em creches. Não são cuidadas por adultos experientes, como as mães crecheiras, por exemplo, porque as famílias, sendo pobres, não têm como pagar. Sequer têm brinquedos para ajudar a desenvolver suas habilidades! Ficam em casa, muito certamente sem receberem a educação necessária, sem terem alimentação adequada, sem contarem com os cuidados de saúde indispensáveis.

Quanto aos adolescentes e jovens, a maior tragédia que os atinge está no desemprego juvenil. De 1991 a 2001, a taxa de desemprego ampliou-se de 11,7% para 13,4% na faixa etária de 15 a 17 anos. Na faixa de 18 a 24 anos, o aumento cresceu de 9,2% para 12,5%. Não quero fazer entender, com tal comentário, que os jovens devem parar seus estudos para trabalhar assim que conseguirem uma vaga. Trabalhar sempre é louvável, mas não se pode admitir que crianças, adolescentes e jovens deixem de estudar porque têm de ajudar a família a sobreviver, seja com o ganho que for.

Por isso é que políticas de inclusão social visando a educação para o trabalho trazem um viés extremamente injusto, pois condenam os filhos dos pobres a entrarem precocemente no mercado de trabalho, enquanto os filhos das classes média e alta geralmente começam a trabalhar apenas depois de terem completado os ensinos médio e superior, por volta dos 20 anos de idade.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no começo de maio, os meios de comunicação deram notícia do relatório brasileiro sobre a qualidade de vida de crianças e adolescentes, a ser apresentado na conferência mundial da Organização das Nações Unidas. Ocorre que, há 12 anos, na primeira Cúpula Mundial da Criança, patrocinada pela ONU, o Brasil comprometeu-se a melhorar a qualidade de vida dos menores, mediante um programa que fixava 27 metas a serem cumpridas. Segundo o jornal Correio Braziliense, o Governo superestimou dados, mascarou a realidade, fez crer que realizou a lição de casa. Realizou-a parcialmente, como foi amplamente noticiado.

Das 27 metas traçadas, apenas nove foram cumpridas. Entre elas, a erradicação de verminoses e a redução da anemia por falta de ferro em mulheres gestantes. Em outros pontos, o Governo superestima os próprios resultados, acusa o referido jornal. Segundo o relatório, o País quase atingiu a meta de reduzir em 50% a mortalidade materna. A queda, porém, foi bem inferior: 20% nos últimos quatro anos. Com uma agravante: os números a serem apresentados são rejeitados por especialistas na área de saúde da mulher.

No relatório, consta que morrem 24,3 mulheres a cada 100 mil partos. O número é pelo menos cinco vezes maior, segundo dados da Rede Nacional Feminista de Saúde, uma organização não-governamental. O estudo eleva esse número para 127 mortes a cada 100 mil nascimentos. Em países desenvolvidos, o número de mortes maternas é de apenas uma a cada 10 mil partos. Essas são ocorrências perfeitamente evitáveis em 90% dos casos. Basta investir em exames do período pré-natal e na qualidade do atendimento hospitalar.

Em duas outras metas para a melhoria da qualidade de vida das crianças, o Brasil também deixou muito a desejar: acesso universal à água potável e tratamento sanitário. Houve melhora, evidentemente, nos dois aspectos. Hoje, 80% da população têm acesso à água e 64%, à rede de esgotamento ou a fossas sépticas. A falta de um bom sistema de saneamento é responsável por doenças, como diarréia, hepatite A e cólera. Há uma porcentagem, Sr. Presidente, que mostra, em termos econômicos, o tamanho do prejuízo: cerca de 60% das internações hospitalares na rede pública são conseqüências de males provocados pela falta de esgotos.

Não deixamos de reconhecer, Sr. Presidente, que metas importantes foram plenamente alcançadas, como a universalização do acesso à escola básica e, na área da saúde, a erradicação da poliomielite, do sarampo e da varíola. E posso afirmar, com conhecimento de causa, que um dos maiores programas já empreendidos nos últimos vinte anos na área da saúde foi a imunização em massa das nossas crianças, o que tem diminuído - e muito! - as doenças infantis.

Mas não nos podemos permitir estar atrasados, decorridos 500 anos de história, num aspecto que é um dos mais importantes para o futuro de qualquer nação, qual seja, a forma de tratar as crianças e adolescentes.

Descuidar da educação e da saúde - para ficarmos em duas áreas que interferem grandemente em seu desenvolvimento - é como abandonar o controle de uma embarcação em alto mar, deixando-a entregue ao humor das ondas e aos desígnios da sorte. Ao contrário, o país que cuida de suas crianças e de seus jovens, consciente de que a eles caberá conduzir o barco no futuro, toma o leme nas mãos e enfrenta as tarefas, os compromissos, as obrigações, para fazer chegar a embarcação a porto seguro.

Espero, Sr. Presidente, que o novo Presidente do Brasil tenha propostas consistentes e eficazes para melhorar a qualidade de vida da infância e da adolescência brasileiras e as apresente ao povo com honestidade e sinceridade. Tenho certeza de que o povo saberá distinguir entre o bom e o mau timoneiro. E apoiará quem se comprometer de coração e mente com o futuro de nossas crianças e jovens.

Conforme disse no início deste pronunciamento, Sr. Presidente, há no Brasil, hoje, uma onda de otimismo, de esperança em modificações radicais na maneira de conduzir este País. Espero que o Presidente Lula, eleito pela esmagadora maioria do povo brasileiro, saiba cuidar de maneira especial das nossas crianças e dos nossos jovens, sem jamais descuidar da terceira idade.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/2002 - Página 22197