Discurso durante a 131ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A ETICA E A POSTURA NA POLITICA.

Autor
José Fogaça (PPS - CIDADANIA/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. ELEIÇÕES.:
  • REFLEXÕES SOBRE A ETICA E A POSTURA NA POLITICA.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2002 - Página 22280
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. ELEIÇÕES.
Indexação
  • COMENTARIO, LIVRO, ESCRITOR, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, ANALISE, ETICA, POLITICA, MUNDO.
  • ANALISE, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPORTANCIA, DESENVOLVIMENTO, PROGRAMA, NATUREZA SOCIAL, REDUÇÃO, INVESTIMENTO, CONSTRUÇÃO, ESTRADA, USINA HIDROELETRICA, USINA TERMOELETRICA, EXPANSÃO, PRODUÇÃO, PETROLEO, PAIS, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.
  • QUESTIONAMENTO, ETICA, POLITICA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, INCOERENCIA, CAMPANHA ELEITORAL, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEMONSTRAÇÃO, TOLERANCIA, PROXIMIDADE, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI).
  • DEFESA, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, REFORMA TRIBUTARIA, BENEFICIO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • DEFESA, MANUTENÇÃO, DATA, POSSE, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. JOSÉ FOGAÇA (Bloco/PPS - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um dos assuntos que a sociedade vem debatendo são as novas realidades do País, principalmente a troca de representantes da população nos espaços de poder.

O País terá, a partir de 1º de janeiro, um novo Presidente da República. Uma nova coligação de forças assumirá o Governo do País. Em grande parte dos 27 Estados brasileiros também haverá troca de comando. O que nos leva a grandes expectativas, a elaborar a esperança e a tentar concretizá-la por meio do trabalho, da fé, da expectativa construída em torno da capacidade desses novos homens e mulheres que assumem o poder no Brasil.

Há pouco tempo li um livro de um autor francês muito pouco traduzido no Brasil, chamado Jacques Généreux, cujo título talvez se auto-explique: Horror Político. De certa forma, é uma resposta a um outro livro de uma autora também francesa, Viviane Forrester, aliás um livro de mais sucesso, de maior vendagem e mais conhecido no mundo, intitulado O Horror Econômico.

Podemos, sucintamente, traduzir a intenção de Jacques Généreux, no seu Horror Político, na idéia de que há a necessidade de reconstruir, no mundo inteiro, uma nova ética republicana, uma nova ética de comportamento político, uma nova ética de conduta eleitoral e partidária. E a questão central, diz ele, para o final de século e início de milênio - já que o livro foi escrito ainda na década de 90 -, segundo a sua perspectiva, o principal e mais crucial problema da sociedade moderna em todo o mundo é a verdade na política.

E ele demonstra, de uma maneira exemplar e exemplificativa, citando casos, que se tornou praticamente impossível dizer a verdade em política. Como se trata de um autor francês, que conhece a situação na França, não podemos deixar de reconhecer que o problema tem um caráter de universalidade, tem uma amplitude mundial. Portanto, não é uma questão apenas do Brasil. Mas ao Brasil também se aplica essa questão.

A verdade talvez seja o ponto mais frágil, o elemento mais delicado e vulnerável de todo o arcabouço de elementos que constrói e faz a vida política hoje - a questão da verdade. E não apenas a verdade aberta, visível, indiscutível, clara e evidente. Ele fala, muitas vezes, da verdade sutil, da verdade percebida nos meandros das palavras, da verdade inserida no escaninho da frase, lá dentro, embutida na armação da idéia e da sentença. Ele afirma que o problema da verdade é o mais grave, porque, hoje, os governantes, para se eleger, são obrigados a dizer uma coisa e são obrigados a ter um outro comportamento como governantes.

Segundo o autor, esse é um problema mundial. O cidadão faz um discurso para se eleger e adota outra conduta assim que é eleito. Ele chama isso de o grande horror político do final do século XX, do início do milênio, já que, como eu disse, o livro foi escrito ainda na década final do século passado.

O grande horror político do final do último milênio foi e continua sendo, evidentemente, a questão da verdade. Jacques Généreux faz um estudo da evolução do Estado no mundo ocidental, do papel do Estado, demonstrando que, logo após a Segunda Guerra Mundial, o Estado era o epicentro do processo de investimentos e de recrudescimento da economia, era aquele que provocava uma onda indutora de crescimento econômico; o Estado era o grande agente mobilizador da economia. E foi assim na Inglaterra de Harold Wilson, na Alemanha de Konrad Adenauer e no Brasil de Getúlio Vargas, de Juscelino Kubitscheck e de outros tantos.

Ora, esse Estado, diz ele, não existe mais. O Estado capaz de ter um papel de epicentro, um papel fundamental, de eixo central do desenvolvimento, não existe mais. O Estado esgotou no mundo inteiro a sua capacidade de ser o grande centro mobilizador de recursos para investir e fazer expandir, para abrir frentes de expansão na economia.

E a verdade, de que ninguém se dá conta, é que o Governo que está terminando agora tem grandes investimentos sociais. Os relatórios do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional são generosos, mas como qualquer outro relatório feito por qualquer outra instituição externa. Não internamente. Internamente a questão tem caráter político, eleitoral, partidário; amesquinha-se o interesse, e, portanto, não entro em nenhum relatório interno, nem favorável nem desfavorável. Mas todos os relatórios externos sobre o Governo de Fernando Henrique Cardoso dizem uma coisa muito clara e simples. Dizem que esse governo foi mal não porque diminuiu os investimentos sociais. Aliás, o Governo é enormemente elogiado pelos programas sociais: o Bolsa-Escola, o Comunidade Solidária, a distribuição de cesta básica. Enfim, há programas demandando gastos em volumes enormes, algo não antes praticado na economia e na vida do País.

E esses relatórios são unânimes em dizer que o que está empobrecendo boa parte dos brasileiros não é a ausência de programas sociais. Eles demonstram que o programa social é apenas um programa de manutenção e, portanto, de preservação da vida e da dignidade em certas condições humanas. Da mesma forma, os relatórios são unânimes em constatar que o que esse Governo não teve - e não vejo como o próximo Governo terá - foi recurso para investimento.

Esse Governo não diminuiu os investimentos sociais, mas reduziu drasticamente os investimentos na construção de estradas, de usinas hidrelétricas ou termelétricas, na expansão da frente de produção petrolífera do País.

Enfim, a redução drástica dos investimentos é que empobrece os povos, principalmente quando se dá no âmbito dos capitais públicos, Senador Antonio Carlos Valadares. Assim, não há investimento para expandir a habitação no Brasil. Há muito tempo, o programa de habitação perdeu o caráter expansivo que teve nos anos 60, 70 e 80.

Ora, como há uma redução drástica de investimentos, o Estado perdeu o potencial mobilizador da economia, perdeu sua capacidade de gerar e induzir novas frentes de expansão econômica. Essa é uma realidade que se aplica ao atual Presidente e, infelizmente, ao futuro Presidente da República, que tomará posse dentro de pouco mais de 40 dias.

A lembrança de Jacques Généreux não deixa de ser necessária neste momento: estamos nós preparados para o grande horror político que nos assombra a todos neste final de século, início de milênio?

O Partido que vai ocupar a Presidência da República, com toda a legitimidade, defende outra postura em relação ao Fundo Monetário Internacional. Seus seguidores, espalhados por todo o Brasil - candidatos a Deputado, a Senador, a Governador -, repetiram ad nauseam, incessantemente, o repúdio veemente ao Fundo Monetário Internacional, a confrontação absoluta com o Fundo Monetário Internacional. E não era apenas uma questão de tom da linguagem. Às vezes, pode ser apenas um tom, um verniz da palavra, uma forma, um invólucro da maneira de dizer, mas não nesse caso. Eram, em termos de conteúdo, frontalmente opostos ao acordo com o Fundo Monetário Internacional. Esse foi o discurso dominante do Partido político que ganhou a eleição.

O que se vê é que os dirigentes desse Partido, que estão agora se preparando para assumir o poder - como eu disse, de forma legítima, foram eleitos para isso, por uma ampla e indiscutível maioria nacional -, têm um discurso de tolerância, de proximidade e até de afinidade com o Fundo Monetário Internacional.

Esse, Senador Bernardo Cabral, é o grande horror político deste início de milênio. Jacques Généreux tem razão.

Devemos nos espantar com isso? Creio que não. Nós, não! Senadores, Deputados, homens que atuam no Parlamento e no Congresso Nacional há muitos anos, como nós, que vivemos a realidade do dia-a-dia do Governo Federal, das enormes restrições que tem o Governo hoje para investir, para implantar as reformas que estão por vir e que necessariamente têm que vir, nós, que sabemos disso, não nos surpreendemos quando alguém que está para assumir a Presidência da República tem uma linguagem cordata - cordis, de coração, cordialidade - com o Fundo Monetário Internacional. Isso é de surpreender? A nós não, porque esse é o comportamento de bom senso, é o comportamento que entendemos possível e, porque possível, necessário. Esse é o comportamento que alguns vislumbravam com a visão do fim do mundo, do fim dos tempos, quando essas palavras saíam da boca de outros representantes de outro governo, palavras de bom senso, palavras de acatamento, palavras de congruência, no sentido de não só atender às exigências do Fundo Monetário, mas até de manter com essa instituição boas relações.

O que há de errado, absurdo ou condenável nisso? Eu digo: nada! Não tenho uma palavra para criticar ou para condenar aquilo que vem sendo feito pelos novos representantes do poder no Brasil, principalmente por aqueles que falam hoje em nome do novo Presidente da República. Só tenho palavras de elogio pelo bom senso, pelo equilíbrio, pela demonstração de maturidade, de insuspeitada maturidade de que estão dando agora demonstração. Só tenho palavras de elogio à sobriedade, gestos comedidos, palavras também controladas, atitudes moderadas, linguagem cordata, afinidade com os organismos multilaterais e internacionais de caráter público, como é o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. São órgãos estatais, não são organismos privados, não representam interesses corporativos e sequer representam interesses de empresas privadas; representam tão-somente interesses públicos, porque são órgãos públicos.

No entanto, há uma enorme divergência entre o que é preciso dizer para o eleitor e o que é preciso dizer como candidato eleito. Como eu disse, seria uma injustiça aplicar isso ao Brasil. Isso não se aplica ao Brasil. A melhor análise sobre isso quem fez - como eu já disse - foi um francês, que escreveu um livro sobre o assunto, para mostrar que o grande horror do final do século XX e do início do milênio é a fuga, porque, cada vez mais, corre entre os nossos dedos, escapa entre nossas mãos a verdade na política. O que é verdade? Como coadunar a verdade de uma campanha eleitoral com a verdade de uma realidade plasmada na necessidade de governar?

Recomendo a todos que dêem uma olhada no livro de Jacques Généreux. Ele explica essa coisa terrível que é ter que dizer ao eleitor palavras candentes, rancorosas, odientas contra o Fundo Monetário Internacional e, depois, palavras de afinidade, de congraçamento, de congruência e de bom senso.

Não condeno nem uma atitude nem outra. Só não consigo entender como essa atitude pode ser adotada pela mesma pessoa. É evidente que isso se dá em tempos diferentes, como me diz aqui o Senador Pedro Simon. São momentos bem diferentes. Se é uma questão de tempo, Senador Pedro Simon, eu também estou enquadrado nessa situação, porque, há vinte anos, eu também tinha esse discurso. Mas, ao longo de todos esses anos, gradativamente fui mudando - é evidente -, mas isso não ocorreu na eleição e, depois, na ação de governo.

Creio que este é um momento de análise, de reflexão. É o momento de pensar, de meditar sobre esta nova realidade: como resolver a questão de uma nova ética republicana no mundo? Isso deve ocorrer não só no Brasil! Ninguém pode dizer a verdade para se eleger, porque, se o fizer, está condenado, não se elege. Não se pode ser sincero, não se pode ter bom senso e coerência, não se pode mostrar um tom de bonomia, de cordialidade, não se pode mostrar uma linguagem cordata. É preciso transformar esses organismos em demônios definitivos, porque aparentemente isso faz parte de um jogo associativo que é próprio do processo político eleitoral.

Sr. Presidente, o Estado, principalmente o Estado brasileiro, hoje está demandando uma grande reforma estrutural, uma reforma tributária, uma reforma previdenciária. São duas expressões que se devem observar: reforma previdenciária e reforma tributária. São facílimas de se pronunciar. Eu as digo com uma facilidade estupenda. Não me dói nada! Quando digo que sou a favor, isso também não me dói nada. Não sinto nada. Aliás, até me sinto bem, porque todo mundo afirma que é preciso fazer reforma tributária, concordando com a cabeça.

Porém, deve-se também dizer para as pessoas que isso equivale a atravessar três oceanos; é preciso uma viagem à Marte de ida e volta para se fazer uma reforma previdenciária verdadeira e uma reforma tributária no Brasil. Isso significa atravessar três oceanos a nado! É de uma imensa dificuldade política a realização desse projeto. É de uma espetacular dificuldade política fazer estas duas mudanças no Brasil: reformar a Previdência e reformar o sistema tributário. Isso significa entrar em choque não só com os chamados interesses poderosos de uma minoria. Se fosse só isso, seria uma barbada, porque enfrentar o interesse poderoso de uma minoria é uma barbada. Porém, quero ver alguém enfrentar os interesses das grandes maiorias para fazer as reformas tributária e previdenciária! Caso contrário, faz-se uma enganação, faz-se uma enrolação, faz-se uma enjambração. Não se faz reforma.

Sr. Presidente, registro a preocupação com essa questão, que, parece-me, não é brasileira, não é argentina e não é uruguaia; é uma questão do mundo. O melhor livro que se escreveu sobre esse tema é de um autor francês, como eu disse. Mas esse não deixa de ser o tema mais importante, mais dramático e, possivelmente, o tema mais definitivo e inapelável deste início de novos tempos no Brasil, Sr. Presidente.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - V. Exª me permite um aparte, Senador José Fogaça?

O SR. JOSÉ FOGAÇA (Bloco/PPS - RS) - Com muita honra, concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - Quis ouvi-lo em silêncio. É a melhor forma de homenageá-lo, assim como todo o Plenário está a fazer. Aguardei até o fim do seu discurso, que eu não chamaria apenas de discurso. V. Exª fez uma análise perfeita, inclusive de alguns políticos que temem enfrentar os desafios do futuro, escondendo-se atrás dos biombos do passado. V. Exª fez bem quando disse - num sopro quase sempre genial do nosso Senador Pedro Simon - que o tempo nos traz mudanças. Ao longo desses vinte anos, V. Exª amadureceu. E a maturidade confirma a capacidade de escolha, admite a possibilidade de perdoarmos alguns erros dos adversários, mas, sobretudo, dá autoridade para se fazer a análise que V. Exª faz nesta tarde, enriquecendo o Plenário desta Casa e mostrando-lhe que V. Exª continua o mesmo, apesar de todos esses anos. V. Exª pode transigir com algumas observações, mas jamais transigiu com seus ideais. Quero cumprimentá-lo. Parabéns pelo seu discurso, Senador José Fogaça!

O SR. JOSÉ FOGAÇA (Bloco/PPS - RS) - Obrigado, Senador Bernardo Cabral.

V. Exª, como sempre, é generoso excessivamente, em demasia, em relação a mim, mas deixo isso por conta da enorme amizade e estima que lhe devoto e, sobretudo, em razão da longa convivência que temos desde os primórdios da Assembléia Nacional Constituinte, quando tive a honra de trabalhar como Sub-relator, e V. Exª, como Relator, juntamente com o Deputado Adolfo de Oliveira e, como disse V. Exª, com o Deputado Konder, também nosso companheiro de Santa Catarina, e tendo como companhia nas madrugadas o Dr. Ulysses Guimarães, no Prodasen, para elaborar o texto da Constituição.

Lembrei-me daquelas nossas reuniões há alguns dias, quando aqui se discutia a questão da data da posse do Presidente da República. E é engraçado porque sempre me ocorre a primeira discussão -- e não a última -- que se travou sobre isso.

Alguns pensam que os Constituintes estabeleceram a data de 1º de janeiro gratuitamente, por obra da casualidade. Pensam que foi uma escolha ao sabor do vento! Não. Havia emendas parlamentares para que o dia da posse se desse no dia 6 de janeiro, no dia 15 de janeiro, no dia 30 de janeiro e até no dia 15 de fevereiro, que é a data em que se inicia a atividade do Congresso. E por que essas emendas foram sendo derrubadas, uma a uma, pelo bom senso dos Constituintes? Porque o Presidente da República tem que iniciar o seu mandato juntamente com a entrada em vigor do Orçamento, com o exercício orçamentário, pontualmente. O Presidente da República deve começar o seu mandato no momento em que se inicia o exercício financeiro da República. Foi essa a tese que prevaleceu, porque, se o Presidente da República toma posse no dia 06 janeiro ou no dia 15 de janeiro e se o outro Presidente, mesmo que constitucionalmente estabelecido, adentra no ano fiscal seguinte, este pode, nesses dias ou na semana anterior, assinar uma série de atos, realizar uma série de gastos que venham, inclusive, a comprometer a política a ser desenvolvida pelo novo Presidente.

Por que queremos que Lula tome posse no dia 1º de janeiro? Para que ninguém gaste o dinheiro que só Lula pode gastar, para que ninguém antecipe, no Orçamento de 2003, aquilo que, legitimamente, o povo concedeu a Lula e não ao outro Presidente. Não foi Fernando Henrique que recebeu legitimidade nas urnas para tocar o Orçamento, para autorizar gastos, desde o dia 1º de janeiro.

É claro que, na situação atual, há uma transição cavalheiresca, gentil, cordata, amistosa; há um acordo de cavalheiros. A transição tem caráter político elevado por parte do Presidente que sai e do Presidente que entra. No entanto, e se isso não acontecer? Se, na próxima troca de mandato presidencial, houver dificuldade de relacionamento entre os presidentes a ponto de, por exemplo, um não comparecer à posse do outro, que segurança terá o novo presidente de que o presidente que está saindo não irá desbaratar o orçamento nos primeiros dias de governo, nos primeiros dias do novo exercício financeiro? Portanto, o 1º de janeiro é uma garantia de intangibilidade do poder do Presidente da República. Não é uma data escolhida ao acaso, Sr. Presidente.

Peço que leiam os Anais da Assembléia Nacional Constituinte e a palavra do Relator Bernardo Cabral quando explicava por que derrubamos as outras emendas e por que acolhemos, na Relatoria da Constituinte, a emenda do 1º de janeiro.

É claro que aqueles tempos eram mais intensos, tínhamos saído, muito recentemente, de um governo autoritário, de exceção, militar, e havia ainda um nível de tensão muito grande. Mas não está excluída inteiramente a possibilidade de haver um conflito político insanável, insuperável, entre o presidente que sai e o que entra. Não é o caso do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que está tendo uma atitude de estadista, mas muitas vezes isso ocorrerá, centenas de vezes daqui para o fim dos séculos. O Presidente da República estará, se tiver que estender o seu mandato janeiro adentro, a cavaleiro de usar, desbaratar e manipular os recursos, comprometendo o Orçamento, antes que o novo presidente, que tem legitimidade para isso, assuma o cargo.

Sempre que volto, Senador Bernardo Cabral, àqueles momentos de grave decisão política, e com esse debate aparecendo agora, vejo que, realmente, o caminho, a escolha estava certa. Apesar de toda essa discussão que existe, o dado de realidade maior é que um presidente só pode ter ascendência e poder sobre o orçamento no período para o qual foi eleito. Ninguém pode ter poder de decisão e ascendência sobre os recursos orçamentários fora do tempo e do espaço que lhe é dado legitimamente pelo voto.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2002 - Página 22280