Discurso durante a 134ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Aspectos éticos envolvidos no processo de clonagem humana para desenvolvimento de embriões e fins terapêuticos.

Autor
Carlos Patrocínio (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/TO)
Nome completo: Carlos do Patrocinio Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Aspectos éticos envolvidos no processo de clonagem humana para desenvolvimento de embriões e fins terapêuticos.
Aparteantes
Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/2002 - Página 22637
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, EXPERIENCIA, CLONE, REPRODUÇÃO HUMANA, MUNDO, MANIFESTAÇÃO, APREENSÃO, AUSENCIA, ETICA, DESRESPEITO, VIDA, EMBRIÃO.
  • CRITICA, AUSENCIA, LEGISLAÇÃO, IMPOSIÇÃO, LIMITAÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA, ANUNCIO, TRAMITAÇÃO, SENADO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, SEBASTIÃO ROCHA, SENADOR, PROIBIÇÃO, PESQUISA, CLONE.

           O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o tema da clonagem, longe de ser objeto discursivo de preferência unicamente fictícia, torna-se, na atualidade, matéria política da mais urgente relevância. Não casualmente, a televisão brasileira tem-lhe dedicado espaço nobre dentro da sua grade folhetinesca. Contudo, se, do ponto de vista das novelas, a clonagem pode ser considerada algo de valor estético e contraditório, do ponto de vista da realidade social, merece ser tratada como algo imensamente perigoso.

           Nesse contexto, pretendo tecer algumas considerações a respeito do tema, demonstrando profunda insatisfação com o encaminhamento pouco crítico que se lhe tem destinado no Brasil.

           Em primeiro lugar, cabe ressaltar que, no Senado, tramita atualmente projeto de lei que proíbe a prática de clonagem humana em território brasileiro, prevendo pena que varia de 6 a 20 anos de reclusão, tanto para pesquisadores quanto para patrocinadores. Destinado a modificar a denominada Lei de Biossegurança, de 1995, tal projeto tem autoria do nobre Senador Sebastião Rocha e já recebeu parecer favorável do Relator na CCJ, Senador Leomar Quintanilha. É oportuno, outrossim, recordar que a lei de 1995 já carecia de um aprofundamento mais consistente no que tange à clonagem.

           Para preencher esse vazio normativo, o projeto em apreciação no Senado proíbe não somente a clonagem de embriões, mas também a denominada “clonagem terapêutica”. Trata-se, neste último caso, de uma técnica que cria tecidos específicos para reparar órgãos danificados, usando as células-tronco embrionárias, retiradas de embriões humanos. Evidentemente, tal técnica pressupõe a destruição sumária de embriões e, contra esse procedimento, travam-se diversas lutas de caráter ético e religioso, seja no Brasil ou no exterior.

Em que pesem as inovações mais recentes na área de transplantes, é preciso haver muita cautela quando o que se tem em pauta é a reprodução humana inteiramente depositada nas mãos e nos cálculos humanos. Opera-se como se o conceito de plano divino e transcendental fosse integralmente suprimido das explicações sobre nossa existência e nosso destino. Ainda que na melhor das hipóteses, a clonagem sirva para solucionar problemas crônicos de rejeição orgânica em pacientes em processo de transplante de órgãos vitais, nada justifica o pressuposto necessário da eliminação de centenas de embriões humanos, o que, por si só, representaria um paradoxo: de um lado, salva-se uma vida, para, de outro, liquidar várias.

A dúvida que existe é o que fazer com esses embriões. Não se justifica usar parte de um embrião para salvar a vida de um transplantado, por exemplo, e se eliminar vários embriões.

Talvez a alternativa, recentemente aventada, de substituir o uso de embriões pela extração de células-tronco do próprio organismo dos pacientes em transplante possa, em grande medida, evitar a difusão da falsa crença no poder inquestionável da clonagem como exclusiva fonte de salvação dos males físicos do homem. Na verdade, tal descoberta revelou-se uma solução para os pesquisadores que almejam escapar do impasse ético a que estão permanentemente sujeitos pelas células-tronco embrionárias. De quebra, evitam o problema da rejeição, pois o paciente, mesmo doente, produz incessantemente células-tronco, podendo receber as suas próprias, num transplante.

Em suma, diante de tantas incertezas e impasses, exige-se do Estado brasileiro uma posição menos evasiva, portanto, mais realista, clara e concreta sobre a clonagem. Não gratuitamente, estudiosos, ativistas, cientistas, médicos, defensores da saúde pública, ambientalistas e feministas denunciam, sem cessar, os perigos a que tal tecnologia está incondicionalmente associada. À luz desse movimento, mais de trinta países vetam a criação de clones humanos, bem como impõem severas restrições à criação de embriões humanos. Em abril último, o Parlamento da Rússia decidiu, por exemplo, pela moratória de cinco anos à clonagem e proibiu a produção de embriões humanos clonados naquele território.

Todavia, nos Estados Unidos, prevalece uma visão no mínimo ambígua, pois, se de um lado defendem-se os direitos do embrião a qualquer custo, de outro, proliferam centenas de clínicas a armazenar, negociar e experienciar embriões excedentes para fertilização in vitro. Em todo caso, a posição norte-americana, apoiada pelo Vaticano, Itália e Espanha, expressa-se pela condenação do processo de clonagem, no entendimento de que o clone humano deva ser internacionalmente banido, mesmo sob o risco de impedir o desenvolvimento de uma área promissora da medicina regenerativa. Enquanto isso, Israel, China e Inglaterra permitem seu uso para fins terapêuticos, sem que seus dirigentes se debrucem mais incisivamente sobre os aspectos terrivelmente perigosos advindos de tais práticas.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO) - Ouço, com prazer, o eminente Senador Tião Viana, que é um dos defensores dessa minha posição.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senador Carlos Patrocínio, quero cumprimentar V. Exª pelo pronunciamento que traz ao Senado Federal. Trata-se de um tema que impõe uma reflexão mais ampla e profunda por parte da sociedade brasileira. Não é um tema simples. Sem dúvida, é um tema difícil, sobre o qual deve refletir o Congresso brasileiro. Vale ressaltar que, no que diz respeito apenas à reprodução assistida ou à fertilização in vitro, o Senado americano passou de seis a oito anos para legislar. Imagine V. Exª quando se impõe um tema delicado como o da clonagem humana para fins terapêuticos ou reprodutivos! É um assunto que sempre traz grandes dificuldades, grandes apreensões e, ao mesmo tempo, conceitos novos como, por exemplo, a redução embrionária, o consumo embrionário, a transposição do código genético, a interferência direta no genoma. Se apenas a reprodução assistida pode, em alguns casos de transposição de estruturas celulares, causar modificações genéticas, imagine V. Exª quando há a clonagem propriamente dita! É um campo obscuro da ciência. Temos o dever e a responsabilidade, como parlamentares, de ter prudência, moderação e sobriedade no tratamento da matéria, que não deve ser analisada apenas sob a ótica moral ou apenas sob a ótica religiosa ou estritamente no campo científico. Ela impõe ampla reflexão da sociedade em todos os aspectos. Hoje, em todos os países, o que se vê é o cuidado, a dúvida e o receio de um impacto desfavorável quando se aborda o tema da clonagem humana. Pessoalmente, acredito que o melhor caminho que os dirigentes internacionais e os presidentes dos países poderiam adotar é o de investir mais em ciência e tecnologia, porque estamos entrando na era da genética. Se isso está acontecendo, a genética deve ser prioridade, para que achemos alternativas que não impliquem a destruição de embriões, que, do ponto de vista ético, bioético (em alguns aspectos) ou religioso é o início da vida. Se o limite moral da ciência deve ser a dignidade humana, é preciso muita prudência e cuidado. País algum deveria abrir mão de fazer investimentos à altura das necessidades das futuras gerações, para evitar o drama que a clonagem tem imposto a todas as gerações. Parabenizo V. Exª e agradeço pela oportunidade do aparte. Entendo que, no Brasil, deve ser mantida a proibição da clonagem na presente fase.

            O SR. CARLOS PATROCÍNIO (PTB - TO) - Agradeço o aparte, sempre lúcido, do eminente Senador Tião Viana, que demonstrou ser também um estudioso da matéria e que concorda plenamente com o que eu disse aqui e com o que, no decorrer do meu discurso, ainda apresentarei ao Plenário.

            Concordo inteiramente com V. Exª quando diz que devemos fazer investimentos maciços, sobretudo no campo da genética, porque a cada dia aparece uma novidade. O que não podemos, de maneira nenhuma, é sacrificar vidas humanas. No Brasil e também nos outros países há aquela velha dúvida: a partir de quando existe vida? Desde a fecundação? Com certeza o embrião é um ser vivo; portanto, não podemos ceifar a vida dos embriões para salvar essa ou aquela pessoa.

É por isso que concordo com a idéia de que este assunto deva ser exaustivamente debatido. O fórum principal para a discussão são as duas Casas do Congresso Nacional, onde o tema deve ser abordado com os cientistas brasileiros e sobretudo com a população brasileira, pois o Brasil ainda é o maior País católico do mundo, além de abrigar outras religiões que também, evidentemente, condenam a postura de alguns países que permitem a clonagem com fins terapêuticos. No Brasil, ainda não há essa permissão. E o projeto do eminente Senador Sebastião Rocha certamente deverá ser muito estudado no âmbito desta Casa.

Sr. Presidente, nessa linha, um elemento essencial no debate sobre os aspectos morais e éticos da clonagem consiste na vulnerabilidade dos futuros indivíduos geneticamente idênticos. Ainda que sendo repetição de outro ser, não haverá como excluir o clone da aquisição de direitos e da imposição de obrigações. Desse modo, a legislação futura terá de criar métodos de identificação, aptos a superar as semelhanças entre clonados e clones, o ser original e o ser derivado. Em outras palavras, é o temível e, simultaneamente, almejado mito da imortalidade que entra no jogo da política da clonagem.

Curiosamente, na mitologia cristã, Adão e seus descendentes já eram descritos como aqueles que perseguiam o sonho da imortalidade, tentando em vão contornar a precariedade da existência humana. Na seqüência, no mito científico, o filósofo francês René Descartes inaugurou a saga moderna da Medicina infalível, impregnando seus anseios imortais em inúmeros princípios da constituição da Ciência no mundo ocidental. Para os antropólogos, no imaginário da cultura do Ocidente, parece haver um sentimento ligeiramente ambivalente em relação ao tema, resvalando aqui em certo desconforto, mas incidindo acolá em certa atração mórbida. Por isso mesmo, a ideologia pragmática dos dias atuais parece instaurar uma confusão proposital no debate, relegando ao fator moral e ético papel secundário nas discussões.

Ora, não há como nos furtar à realidade histórica. É absolutamente escandaloso e irresponsável buscar a salvação dos males da carne na clonagem humana, quando se sabe que há uma alta probabilidade de acarretar anomalias severas, mesmo que o bebê sobreviva ao nascimento, o que já é extremamente duvidoso.

Embora seja correto afirmar que sementes transgênicas, alimentos e seres vivos geneticamente modificados, embriões, componentes do corpo humano, tudo tenha sido incorporado à lógica do mercado globalizado, à nova ordem econômica internacional, disso não podemos extrair uma leitura passiva de aceitação. Mesmo porque, salvo melhor compreensão dos estudos do genoma publicados até o momento, não há indicações seguras sobre a viabilidade da clonagem humana sem que se produzam daí efeitos catastróficos.

Por outro lado, no domínio das religiões, guardadas as devidas diferenças entre as vertentes hegemônicas do monoteísmo (cristianismo, islamismo e judaísmo), as críticas à clonagem ocupam lugar no debate interno das igrejas. O questionamento das relações de parentesco, bem como o questionamento da identidade do indivíduo clonado, abalando o ideal de família, integram a lista de incômodos morais com a qual chefes religiosos se deparam para justificar seu repúdio às experiências de clonagem.

Para a Igreja Católica, por exemplo, o mandamento bíblico “não matarás postula uma sacralidade cuja extensão abrangeria a vida humana desde a fecundação até a morte natural. Nessa interpretação, não seria permitido destruir um embrião para obter células-tronco, tampouco abreviar a vida de um ser humano para extrair algum órgão para transplante, com o propósito de salvar outra vida.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para concluir, o próprio Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, manifestou-se recentemente contrário à clonagem de embriões humanos, externando a máxima consagrada de que a ética impõe por princípio, limites à pesquisa científica. Tal juízo, de alguma maneira, vem balizando a discussão da clonagem no Brasil, mas não impedindo, no entanto, o crescimento de certa simpatia popular e científica pela aceitação da tecnologia como algo, em si, inquestionável. Todos nós conhecemos a experiência do Dr. Antinori. Nessa linha, em vez de contribuir, a mídia parece mais vulgarizar a questão, folclorizando sua discussão em folhetins televisivos.

Em suma, o Senado está atento ao debate e espera, no curto prazo, chegar ao bom-senso normativo, atendendo às preocupações morais, existenciais e materiais do problema que envolve fundamentalmente a clonagem humana.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/2002 - Página 22637