Discurso durante a 134ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Transcurso, hoje, do Dia Internacional de Combate à Violência à Mulher.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. FEMINISMO.:
  • Transcurso, hoje, do Dia Internacional de Combate à Violência à Mulher.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/2002 - Página 22643
Assunto
Outros > HOMENAGEM. FEMINISMO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, VIOLENCIA, MULHER.
  • REGISTRO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, MEMBROS, PARTICIPANTE, CONCURSO DE BELEZA, AMBITO INTERNACIONAL, PROTESTO, CONDENAÇÃO, MORTE, MULHER, PAIS ESTRANGEIRO, NIGERIA.
  • REGISTRO, DADOS, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), AUMENTO, VIOLENCIA, DOMICILIO, MULHER, EXPLORAÇÃO SEXUAL, CRIANÇA, AUTORIA, CONJUGE.
  • REGISTRO, DADOS, BANCO MUNDIAL, VIOLENCIA, DOMICILIO, MULHER, PREJUIZO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), MOTIVO, REDUÇÃO, PRODUTIVIDADE, TRABALHO.
  • HOMENAGEM, NAZARE GADELHA, COORDENADOR, ENTIDADE, DIREITOS HUMANOS, ESTADO DO ACRE (AC), INDICAÇÃO, RECEBIMENTO, DIPLOMA, FEMINISMO, SENADO, DEFESA, DIREITOS, MULHER, PAIS.

            O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, celebra-se, hoje, o Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher. A data, simbólica, conflagra-nos a refletir e, principalmente, a agir contra um flagelo que atinge milhares de mulheres em todo o mundo: a violência - a violência da força, a violência da injustiça, a violência da fome, a violência da discriminação social, a violência da ignorância e do analfabetismo, a violência sexual.

            A violência de gênero, lamentavelmente, é um fenômeno que se verifica, em maior ou menor grau, em muitas culturas e em diferentes períodos ao longo da história. Embora suas manifestações variem de cultura para cultura, são muitos os casos em que as mulheres foram ou são vítimas da intolerância e da fúria dos homens, que se acirram contra as perigosas diferenças.

O episódio mais recente envolveu o concurso de Miss Universo, que seria realizado na Nigéria, e acabou provocando uma guerra santa entre cristãos e muçulmanos, que resultou, até o momento, em quase 200 mortos e em mais de 600 feridos.

O conflito começou com a disposição de algumas candidatas de boicotar o concurso, em protesto contra a condenação de nigerianas à morte por apedrejamento por tribunais islâmicos do norte do país e acirrou-se ainda mais com a publicação de um artigo, em um jornal local, sugerindo que até o Profeta Maomé, fundador do Islã, se casaria com uma das participantes, diante de tanta beleza.

A dificuldade de lidar com as diferenças, com o outro, é um dos grandes desafios que ainda hoje se colocam para a humanidade. A tendência a resolver o conflito da alteridade com a supressão ou a assimilação de uma das partes pela outra, tem gerado violência não apenas no que toca ao gênero, mas também no que se refere à cultura e à religião, como demonstram, claramente, os conflitos entre Israel e Palestina, Estados Unidos e Iraque e, mais recentemente, entre cristãos e muçulmanos, na Nigéria.

Embora muitos desses conflitos envolvam disputas econômicas, todos eles refletem a dificuldade de lidar com a dialética das diferenças.

No caso específico da violência contra a mulher, os dados são alarmantes. A Organização Mundial da Saúde reconhece a violência doméstica como um problema de saúde pública, pois, além de afetar a integridade física e a saúde mental das mulheres, tem graves conseqüências econômicas, como a diminuição do Produto Interno Bruto, devido ao absenteísmo ao trabalho, à diminuição da produtividade e ao período em que as vítimas ficam na dependência da seguridade social.

            O Banco Mundial estima que a violência intrafamiliar seja responsável por 20% de cada cinco dias de trabalho perdidos pelas mulheres.

De acordo com pesquisa realizada pela Sociedade Mundial de Vitimologia, sediada na Holanda, a violência doméstica na América Latina atinge 25% a 50% das mulheres, sendo seus custos da ordem de 14,2% do PIB, o que representa algo em torno de 168 bilhões de dólares. Segundo dados da ONU, do Índice de Desenvolvimento Humano, o Brasil deixa de aumentar em 10% o PIB em decorrência da violência contra a mulher.

Segundo a Sociedade Mundial de Vitimologia, 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas à violência doméstica. A cada quatro minutos uma mulher é agredida em seu próprio lar por alguém com quem mantém relações de afeto.

O Relatório Nacional Brasileiro, um levantamento sobre a situação das mulheres na sociedade brasileira desde 1985, realizado por meio de um consórcio de organizações não-governamentais, lançado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso recentemente, revela que a cada 15 segundos uma mulher brasileira é espancada.

O Relatório faz parte da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, ratificada pelo Congresso Nacional em 1984 e assinada por 170 países, que tem como principal objetivo a promoção da igualdade de gênero.

Segundo o Relatório, as estatísticas disponíveis e os registros nas delegacias especializadas de crime contra a mulher demonstram que 70% dos incidentes ocorrem dentro de casa, e que o agressor é o próprio marido ou companheiro. Mais de 40% das agressões resultam em lesões corporais graves.

A pesquisadora Heleieth Saffioti revela que 80% dos casos de abuso sexual, incesto e estupro familiar têm a menina na faixa de sete a dez anos, como objeto, sendo o abusador, quase sempre, o pai consangüíneo.

Pesquisa realizada em 2001 pela Fundação Perseu Abramo indica que no Brasil uma em cada cinco mulheres (19%) declara ter sofrido algum tipo de violência por parte de algum homem. Dentre as mulheres que sofrem violência do gênero, 33% afirmaram ter sido vítimas de violência física, sendo: ameaça ou cerceamento (24%), agressão (22%) e estupro ou abuso sexual (13%). Dentre as possíveis causas apontadas pelas vítimas para a agressão, destacam-se o ciúme (21%), o álcool ou a agressividade (32%) e o machismo (14%).

O problema torna-se ainda mais grave se considerarmos que a maioria dos crimes de violência doméstica é considerada crime de menor potencial ofensivo, graças à Lei nº 9.099, de 1995. De forma que, em geral, os casos de violência em que há lesões leves são julgados pelos juizados especiais criminais, e, muitas vezes, o réu paga uma irrisória pena de multa como punição ao seu delito, como, por exemplo, uma cesta básica ou um bouquet de flores, ficando livre de antecedentes criminais.

Também os dados da violência urbana e do comércio sexual são alarmantes. Somente na cidade de São Paulo ocorrem 42 mil violações anuais, segundo o IPAS, uma organização internacional especializada em saúde reprodutiva e direito das mulheres.

De acordo com a Unicef, a cada ano um milhão de crianças e adolescentes, a maioria delas meninas, caem nas redes do comércio sexual em todo o mundo. Infelizmente, o silêncio é o maior cúmplice desse flagelo.

Na obstante, há no Brasil e no mundo centenas de organizações e milhares de pessoas que se dedicam a romper o círculo vicioso do silêncio e do medo. Nazaré Gadelha é uma delas. Coordenadora, desde 1990, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Diocese (CDDHD), no Acre, essa corajosa advogada e historiadora, nascida no seringal Albraça, situado na pequena cidade de Xapurí, no Estado do Acre, tem dedicado sua vida a lutar contra a discriminação, a intolerância, a corrupção e a injustiça.

Seu trabalho em defesa dos direitos humanos vem angariando o merecido respeito e admiração no Brasil e no exterior, rendendo-lhe o prêmio Centro-Sul de Lisboa, na Assembléia da República Portuguesa, concedido pelo Centro Europeu para independência e solidariedade, em 2001, e, mais recentemente, o prêmio Cláudia 2002 de Mulher do Ano.

Ao longo desses anos, a Drª Nazaré Gadelha sofreu inúmeras ameaças de morte devido à sua atuação em processos de abuso de autoridade; maus tratos a crianças, adolescentes e mulheres, abuso sexual e violência doméstica. Não raro, precisou ausentar-se do Estado por correr perigo de vida, tendo, para isso, contado com o apoio do movimento nacional de defesa dos direitos humanos, e com a proteção, 24 horas por dia, de policiais militares, como na ocasião em que prestou depoimento na CPI do Narcotráfico.

É pois, com o objetivo de homenagear, na pessoa da Drª Nazaré Gadelha, a todas as mulheres que, incansavelmente, dedicam-se à causa dos direitos humanos e ao combate à violência contra a mulher, que lanço aqui seu nome para concorrer ao Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz, conferido por esta Casa e destinado a agraciar as mulheres que, como ela, destacam-se no país por sua contribuição à defesa dos direitos da mulher e às questões de gênero.

Acredito que a candidatura da Drª Nazaré Gadelha será não apenas justa como oportuna, pois representará o justo reconhecimento de brasileiros e brasileiras, por intermédio de seus legítimos representantes no Senado Federal, à luta destemida empreendida em defesa da justiça, da dignidade e da cidadania em nosso País.

Apresentei ofício defendendo a indicação da Drª Nazaré Gadelha, Sr. Presidente.

A violência contra a mulher é uma agressão contra a consciência da humanidade. Quando observo, por exemplo, o progressivo consumo de bebidas alcoólicas por jovens e adolescentes, fico mais preocupado, pois acredito que o grande indutor da violência seja o consumo sem controle dessas drogas. Por isso, presto, no dia de hoje, uma justa homenagem às mulheres do Brasil e do mundo.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/2002 - Página 22643