Discurso durante a 135ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

ASPECTOS DO PROGRAMA DE GOVERNO DO PRESIDENTE ELEITO LUIS INACIO LULA DA SILVA, COM DESTAQUE A OCUPAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA AMAZONIA.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PFL - Partido da Frente Liberal/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • ASPECTOS DO PROGRAMA DE GOVERNO DO PRESIDENTE ELEITO LUIS INACIO LULA DA SILVA, COM DESTAQUE A OCUPAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA AMAZONIA.
Aparteantes
Lindberg Cury.
Publicação
Publicação no DSF de 27/11/2002 - Página 22670
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PROGRAMA DE GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO AMAZONICA, APROVEITAMENTO, RECURSOS NATURAIS, REGIÃO, FAVORECIMENTO, OCUPAÇÃO, IMPEDIMENTO, ROUBO, CIENTISTA, PAIS ESTRANGEIRO, RECURSOS AMBIENTAIS.
  • REGISTRO, NECESSIDADE, CONCILIAÇÃO, INTERESSE, DEFENSOR, MEIO AMBIENTE, GOVERNO FEDERAL, FACILITAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, CRIAÇÃO, EMPREGO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como tenho feito tantas vezes, volto a esta tribuna para lembrar o tema da nossa Amazônia, a necessidade de nela consolidar a soberania brasileira e de fomentar seu crescimento e desenvolvimento socioeconômico.

Faço isso, desta vez, tomando como fio da meada um fato muito auspicioso: a presença, no programa de governo que orientou a campanha eleitoral do Presidente eleito Lula da Silva, de um capítulo específico sobre a Amazônia, com o título “O lugar da Amazônia no desenvolvimento do Brasil”.

Portanto, o governo que está prestes a assumir o comando da União, o faz possuidor de subsídios programáticos para pensar a Amazônia e nela agir. Isso é muito positivo.

A Amazônia brasileira está diante de pressões internacionais de tal monta e natureza, que nossa ocupação tradicional daquele espaço geográfico imenso já não basta, significa uma semi-ocupação, uma espécie de hesitação num ponto em que o caminho da história se bifurca. É preciso pôr fim a essa hesitação e ocupar e desenvolver a Amazônia com políticas claras e decisivas. Na ausência dessas políticas, vão-se agravando, naquela região, as misérias sociais e as incertezas sobre seu futuro.

O capítulo sobre a Amazônia no programa do governo que vai iniciar-se em janeiro contém algumas características positivas. A palavra desenvolvimento aparece com freqüência, se bem que, às vezes, timidamente adjetivada, como se ainda houvesse uma certa culpa e vergonha em o Brasil tomar posse efetiva do que é seu, apesar da ventania ideológica internacional que nega a Amazônia ao Brasil.

É claro que não é admissível hoje se pensar em projetos que provoquem devastação ambiental irresponsável. Ou em crescimento econômico que não seja acompanhado de esforços de superação da pobreza. Ou em expansão de ocupação que não cuide de proteção dos interesses dos povos indígenas. Mas não deve haver hesitação, culpa ou timidez no indispensável reforço da ocupação e desenvolvimento brasileiros na nossa Amazônia.

O documento sobre a Amazônia no programa da chamada coligação Lula Presidente tem muitas passagens felizes, como a que postula uma política industrial para a região a partir de suas potencialidades, com a promoção de encadeamentos produtivos de máxima agregação de valor na própria região e a ampliação da produção local de partes e componentes. Ou quando fala da adoção e desenvolvimento de tecnologias modernas para aproveitamento das vantagens comparativas e competitivas singulares da região. O documento defende uma Amazônia sustentável que represente oportunidades de crescimento compartilhado para o Brasil e para a população local. E também alerta, muito corretamente, para os perigos da biopirataria.

Por outro lado, percebe-se, no documento, uma tentativa de costurar e conciliar correntes divergentes entre os seus redatores, com disparidade de experiências em que diferem representantes eleitos, administradores do Poder Público e ONGs. O programa, por sinal, é muito influenciado por essas últimas.

Percebe-se, no texto, o dedo das ONGs no tipo de proteção proposta para segmentos sociais específicos, como o dos ribeirinhos de economia de subsistência, o dos extrativistas ou de índios em diversos estágios de aproximação com a sociedade brasileira. Uma proteção que pretende traduzir solidariedade, mas que assume ares de congelamento de modos de vida e de negação de acesso à modernidade a esses segmentos. Nesse momento, como é tão típico da ideologia dessas ONGs, a pretensa solidariedade transforma-se em arrogante condescendência.

Sabemos que a ideologia das ONGs tem origem no pós-industrial e no pós-moderno dos países mais ricos, bem como no imenso vácuo ideológico que se criou com a derrocada do socialismo real. Na ideologia pós-industrial das ONGs, freqüentemente o mal está associado ao desenvolvimento, à tecnologia e a qualquer modificação da natureza, e o bem está sempre associado ao que é primitivo, arcaico e à natureza intocada.

O ambientalismo deve ser, fundamentalmente, uma forma de solidariedade com a natureza e com as gerações futuras, para as quais não queremos passar uma herança de devastação. Mas, no Brasil e na Amazônia, modalidades fanáticas de ambientalismo vêm-se traduzindo no perfeito oposto à solidariedade. Assim, a concentração de renda e a pobreza vêm sendo promovidas, quando se postula, na verdade, que alguns países têm direito ao desenvolvimento e outros não; e que, no Brasil, algumas regiões têm direito ao desenvolvimento e outras não.

Nunca esquecendo, Sr. Presidente, que o art. 3º da nossa Constituição afirma solenemente que o desenvolvimento nacional é um objetivo fundamental da República. Se nossa Amazônia tem 25 milhões de habitantes, não vejo por que não possa ter o dobro. Se tem um PIB de “x”, não vejo por que ele não possa ser quatro vezes “x”. E isso não se consegue limitando-se a catar na floresta o fruto das árvores.

O desenvolvimento social das comunidades carentes é necessário, sim. Assim também o é a extração de gás de Urucu e a hidrelétrica de Belo Monte, aquela que menos inunda terras entre as dezenas de hidrelétricas construídas pelos brasileiros. Hidrelétricas e energia renovável que sustentam o que já alcançamos em termos de modernidade de nossa economia.

Pois bem, infelizmente, nota-se, no programa amazônico do novo Governo, um preconceito contra o gás de Urucu e contra a hidrelétrica de Belo Monte. E também contra projetos de mineração, alavancadores do crescimento, que hoje, já se sabe, é possível realizá-los com os devidos cuidados ambientais. Com tais preconceitos não se criarão empregos, Sr. Presidente, os milhões de empregos de que necessitamos - e espero que boa parte deles sejam criados na Amazônia.

As ONGs não são democraticamente eleitas e não podem, na formulação de políticas públicas, substituir representantes da população democraticamente eleitos e, muito importante, testados na condução efetiva dos interesses coletivos.

Na Amazônia, necessitamos da presença mais intensa do Estado Brasileiro para assegurar nossos interesses de soberania e de progresso social e econômico. O Estado não é uma novidade ideológica, é uma antiga e insubstituível invenção, a mais importante feita pela humanidade. É via Estado que se consolidam as visões abrangentes dos interesses da sociedade, superando e ultrapassando as visões particularistas.

Para a Amazônia, Sr. Presidente, precisamos somar bom senso, e não preconceitos. Somar o social, o estratégico, o econômico, o cuidado ambiental. Uma certa e saudável dose de desconfiança em relação aos que querem travar seu desenvolvimento também é bem-vinda. Sobretudo, precisamos despertar a consciência de todos os brasileiros, de todas as regiões, para a importância de ocupar de maneira variada e efetiva o nosso espaço amazônico.

Ao encerrar, espero que esse documento apresentado em Belém, ainda na campanha eleitoral, pelo então candidato e hoje Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, possa ser debatido mais amplamente. Que ele não seja, portanto, imposto à Nação de maneira antidemocrática. Como disse, existem muitos pontos positivos nele, mas existem também muitos outros pontos que precisam ser discutidos pelos brasileiros de todas as regiões, principalmente por aqueles que habitam na Amazônia, que a conhecem não apenas por ouvir dizer ou por uma notícia transmitida pela televisão ou pelos jornais.

O Sr. Lindberg Cury (PFL - DF) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Concedo, com muito prazer, o aparte ao nobre Senador Lindberg Cury.

O Sr. Lindberg Cury (PFL - DF) - Senador Mozarildo, acompanho sempre os pronunciamentos de V. Exª e o seu interesse primordial pela defesa da Amazônia. Quando V. Exª faz referência ao gás natural, que existe na divisa com a Bolívia se não me falha a memória, lembro-me de uma proposta apresentada nesta Casa, logo no início de meu mandato, no sentido de estender o gasoduto que passava por Ribeirão Preto, Uberaba e Uberlândia até o Centro-Oeste. Evidentemente, ficariam mais próximas a exploração e a produção desse gás a que V. Exª se refere. Trata-se de uma riqueza natural, que precisa ser muito bem explorada, principalmente quando sabemos que, com o correr dos anos, essa energia que vem do petróleo poderá acabar. Portanto, temos que criar alternativas. Graças a Deus, o Brasil é um país rico em energias alternativas, como é o caso do gás, e acredito que devemos ter outras fontes em outros Estados. Em relação ao gás da Amazônia, gostaria que V. Exª nos esclarecesse sobre se é possível, no atual momento, que ele seja explorado comercialmente, e, em caso positivo, se ele seria direcionado simplesmente para aquela região ou se há possibilidade de abastecer outros Estados da União.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PFL - RR) - Senador Lindberg Cury, agradeço o aparte de V. Exª, que vem enriquecer o meu pronunciamento. V. Exª é da Região Centro-Oeste, que tem similitudes, no que tange ao desenvolvimento, com a nossa Amazônia.

Especificamente quanto ao gás de Urucu, o que temos lá é realmente este embate entre a construção do gasoduto e o transporte do gás em barcaças. Esse ambientalismo xiita atravanca o desenvolvimento de regiões, sob o pretexto da manutenção do meio ambiente. Realisticamente falando, não se mexeu ainda em sequer 12% da mata da Amazônia.

Hoje, estamos produzindo gás em Urucu e reinjetando-o de volta para o solo, porque não há como aproveitá-lo, exatamente pela falta de poder transportá-lo adequadamente, através de um gasoduto.

Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como falei, considero importante o fato de o Governo que assume já ter um documento, uma peça sobre a qual podemos discutir e, a partir daí, elaborar um projeto, um plano do Governo Federal para a Amazônia, que, espero, não seja só pensado e executado pelas inteligências dos técnicos paulistas, sem nenhum demérito ou xenofobismo, mas que tenha uma visão amazônica adequada para o nosso desenvolvimento.

Portanto, conquanto tenha pontos muito importantes, só para ilustrar, Senador Nabor Júnior, que preside a sessão neste momento e é um profundo conhecedor da Amazônia, existem outros temas igualmente importantes, como os que vou enumerar: vazio demográfico, madeira, pecuária e grãos, indicadores, energia, financiamento do desenvolvimento, “florestania”, que é um neologismo que foi introduzido na nossa língua, a contribuição da Amazônia para o Brasil, recursos energéticos e hídricos, pacto federativo do desenvolvimento regional, gestão do território, propostas de redivisão territorial, novo gerenciamento sócio-ambiental para a Amazônia, diversificação da base produtiva, o Banco da Amazônia, a Agência de Desenvolvimento da Amazônia, o Pró-ambiente, a Zona Franca de Manaus, a tributação, os incentivos e os gastos públicos, geração de emprego e renda, oportunidades econômicas, biodiversidade amazônica, patrimônio da humanidade com soberania nacional, recursos aquáticos, florestais, investimentos em sistema de produção sustentável, investimentos em desenvolvimento humano, igualdade de direitos da população negra e respeito às culturas indígenas, culturas amazônicas fortalecidas, transportes e comunicações e até o centro de lançamento da base de Alcântara.

Como V. Exª vê, Sr. Presidente, é um verdadeiro tratado. Existem temas de toda ordem, que devem realmente ser abordados e discutidos. Repito, a Amazônia, que representa 60% do território nacional, não pode continuar sendo tratada com o descaso com que vem sendo tratada há séculos.

Precisamos efetivamente cobrar, a partir desse documento, a elaboração de um projeto realista, factível, e que fale em favor da Amazônia e do Brasil.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/11/2002 - Página 22670