Discurso durante a 135ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

TRANSCURSO, DIA 25 DE NOVEMBRO, DO DIA DE COMBATE A VIOLENCIA PRATICADA CONTRA A MULHER.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • TRANSCURSO, DIA 25 DE NOVEMBRO, DO DIA DE COMBATE A VIOLENCIA PRATICADA CONTRA A MULHER.
Publicação
Publicação no DSF de 27/11/2002 - Página 22806
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, VIOLENCIA, MULHER.
  • ANALISE, AUMENTO, VIOLENCIA, EXPLORAÇÃO SEXUAL, MULHER, CRIANÇA, REGISTRO, PRECARIEDADE, PROVIDENCIA, COMBATE, SITUAÇÃO.
  • REGISTRO, DADOS, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), BANCO MUNDIAL, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, DOMICILIO, PREJUIZO, QUALIDADE DE VIDA, MULHER, CRIANÇA, ESPECIFICAÇÃO, AUMENTO, ABORTO, DOENÇA TRANSMISSIVEL, PROBLEMA, SAUDE.
  • COMENTARIO, DEMORA, JUDICIARIO, DEFESA, AUXILIO, VITIMA, VIOLENCIA, REGISTRO, IMPORTANCIA, DENUNCIA, AUTOR, AGRESSÃO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ano passado, nesta mesma época, assomei à tribuna para falar sobre um assunto ao qual sempre atribuí grande relevância. Trata-se da violência praticada contra a mulher. Não apenas eu tomei a palavra na ocasião - muitos foram os parlamentares que o fizeram, para trazer à tona a problemática da violência sofrida por mulheres no mundo todo. A voz era unissonante, afinada em um mesmo diapasão, todos reunidos em um coro universal a combater e repudiar os atos de violência contra mulheres.

A data que ensejava as manifestações era a mesma que me motiva hoje a ocupar a tribuna: o transcurso do Dia Mundial contra a Violência à Mulher, em 25 de novembro. Neste ano de 2002, novamente faço de minhas palavras um instrumento para ajudar a combater um comportamento que envergonha a espécie humana, cobrindo-a de vilania e indignidade.

Naquela ocasião, eu ratificava meu compromisso, como representante da porção cearense da sociedade brasileira no Senado da República, de contribuir para o aperfeiçoamento das instituições que lidam de perto com os agressores e as vítimas da violência contra a mulher, estejam tais instituições no campo jurídico, policial, educacional, de saúde, ou em outros.

Hoje renovo o compromisso. Não poderei fazê-lo correr pelos trilhos do Legislativo, posto que desta Casa me afastarei, por força de minha eleição para Governador de meu Estado. Entretanto, estando do lado do Executivo, meu compromisso com a causa das mulheres que sofrem violência não desaparece. É por isso que posso renovar meu empenho em lutar de todas as formas que estiverem ao meu alcance, no Governo do Estado, para combater a violência contra a mulher.

Devo esclarecer, Sr. Presidente, que não é a mudança de cenário político que fará esmorecer o empenho e a obstinação que me orientam a favor da causa das mulheres. Aliás, como minha conduta sempre teve como norte a obtenção da harmonia, da paz e da justiça, aí se encaixa perfeitamente o combate contra a violência - qualquer forma de violência, aliás! - inclusive a praticada contra a mulher, contra a menina, contra a jovem! A violência de gênero talvez seja uma das expressões mais covardes e torpes de o mais forte dominar o mais fraco.

Como se sabe, existem variadas formas de violência. Por isso, costuma-se dizer que a violência é plural. Existe, de igual modo, motivos plurais para a agressão ocorrer. Estudos têm mostrado que o homem agride a mulher, esposa ou companheira por estar bêbado, drogado, ser doente mental, estar desempregado, estar passando por dificuldade financeira, por ciúme etc. Também por motivos absolutamente fúteis, como o fato de o jantar que a mulher preparou não estar ao gosto do marido.

Mas há um motivo que é preciso destacar. É difícil combatê-lo. Por isso, quanto mais falarmos dele e o colocarmos em evidência, mais facilmente tomaremos consciência das causas e dos fatores que desencadeiam a violência de gênero. Trata-se da crença masculina de que o homem tem o direito de bater na mulher, mesmo que por motivos mesquinhos e frívolos. Esse, infelizmente, é um viés da cultura brasileira que contribui como que para “legitimar”, entre aspas, o ato violento. Ele move o agressor-homem contra a vítima-mulher. E muitas pessoas não denunciam o agressor, nem aconselham a vítima a procurar amparo na justiça, por compartilharem dessa infeliz crença de que o homem pode bater na mulher.

Essa, inclusive, é uma das conclusões de um estudo realizado pelos Instituto Noos de Pesquisas Sistêmicas, Instituto de Desenvolvimento de Redes Sociais e Promundo - organizações não-governamentais brasileiras que se dedicam a pesquisas sobre relações intrafamiliares e violência doméstica. Os resultados da pesquisa foram divulgados no dia 25 de novembro do ano passado. A fala do psicólogo Fernando Acosta, do Instituto Noos, é bastante reveladora da realidade de nossa cultura machista:

“O desequilíbrio de poder entre os sexos, aliado a uma cultura machista embasada em valores patriarcais, e o silêncio cúmplice da sociedade, que permite ao homem ‘disciplinar’ a mulher com castigos físicos, são algumas causas dessa violência.”

Outros fatores desencadeantes da violência contra a mulher apontados na pesquisa foram a tradicional divisão de tarefas entre homens e mulheres e o desequilíbrio de poder econômico entre os sexos: 37% das mulheres agredidas dependiam exclusivamente de seus companheiros para se sustentarem. É evidente que o desequilíbrio econômico é desfavorável à mulher, tanto quanto a cultura machista que permite acordos silenciosos do tipo “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Quanto à divisão de tarefas, muitos homens entrevistados argumentaram que tinham todo o direito de agredir as mulheres, se elas não realizassem bem as tarefas domésticas.

É perfeitamente compreensível que muitas mulheres agredidas se recolham ao silêncio, sofram caladas, sem denunciar os maus-tratos sofridos. A humilhação, o constrangimento, a vergonha, o medo que se apossa da vítima só faz contribuir para acobertar a violência cometida pelo homem. São fatores que somam a seu favor. Aos poucos, todavia, temos acompanhado a reversão desse silêncio, graças a iniciativas que têm contribuído para a mulher romper a barreira do medo e denunciar a agressão: a criação de delegacias especiais, o amparo nas casas de abrigo, maior preparo de policiais, campanhas de conscientização, pressão de governos e entidades internacionais.

As mulheres estão aprendendo que o medo de denunciar a violência pode ser vencido. É paradigmático o caso da cearense Maria da Penha Maia Fernandes. Ele apareceu inclusive nas páginas da revista ISTOÉ, em abril de 2002. Em 1983, a farmacêutica Maria da Penha recebeu um tiro do então marido, enquanto dormia. Dias depois, ele tentou eletrocutá-la. Ela ficou paraplégica e com sérias seqüelas físicas. Criou coragem e denunciou-o às ONGs Centro para a Justiça e Direitos Internacionais e Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher. O assunto foi levado à OEA. Em abril do ano passado, o Brasil sofreu uma condenação da OEA, por ter sido constatado que havia, no País, “uma clara discriminação contra as mulheres agredidas, pela ineficácia dos sistemas judiciários brasileiros”.

Esse é outro ponto que tem sido muito criticado e sobre o qual recaem muitas cobranças: a morosidade do Judiciário. Nossa justiça demora tanto em tratar a denúncia de mulheres agredidas, que só faz ressaltar os prejuízos: alimenta a impunidade e desestimula outras mulheres que sofreram violência de levar seus casos à delegacia. Para se ter uma idéia, mesmo com o episódio levado à alçada da OEA, ainda hoje o ex-marido de Maria da Penha continua solto.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o problema da violência contra a mulher assume tal gravidade no mundo, que o Banco Mundial admite que as mulheres, entre 15 e 44 anos, sejam mais vitimadas pela violência de gênero do que por doenças como câncer, malária, acidentes de trânsito ou até mesmo a guerra. Pelo menos uma em cada três mulheres é alvo de algum tipo de violência física, sexual ou alguma outra forma de abuso, geralmente perpetrada por pessoa íntima ou membro da família. Já se considera, dado o grau de importância do problema, que ele pode ser considerado uma questão de saúde pública.

Com um agravante: a violência sexual e doméstica confronta-se com os esforços para promover a saúde sexual e reprodutiva no mundo. Compromete qualquer propósito de planejamento familiar. Isso é muito compreensível, porque as mulheres violentadas, por medo da reação de seus maridos, abandonam os serviços de planejamento familiar, ficando à mercê de uma série de contrariedades: doenças sexualmente transmissíveis, problemas ginecológicos persistentes, complicações de saúde em virtude de gestações freqüentes e de alto risco, gravidezes indesejadas, abortos inseguros. Enfim, abre-se facilmente caminho para danos psicológicos graves.

É deplorável, Sr. Presidente, que a humanidade tenha conquistado, em ritmo de gigante, tantos avanços na área do conhecimento, da tecnologia, da informação, e tenha andado em passos de tartaruga no modo de conceber a relação entre homens e mulheres. Diante desse descompasso, é forçoso reconhecer que mais efetiva, mais afirmativa, mais eficaz tem de ser nossa ação para dar fim à violência contra a mulher. De minha parte, estejam as mulheres brasileiras, e, em particular, as minhas conterrâneas (as mulheres cearenses), certas de que os problemas de gênero merecerão toda a atenção do Governador, para quem todos os dias - não apenas o 25 de novembro - serão dias de combater a violência contra as mulheres.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado a todos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/11/2002 - Página 22806