Discurso durante a 138ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Alerta para a perda de pesquisadores brasileiros para outros países, em função da falta de investimentos oficiais na manutenção de pós-graduados em território nacional.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Alerta para a perda de pesquisadores brasileiros para outros países, em função da falta de investimentos oficiais na manutenção de pós-graduados em território nacional.
Aparteantes
Lúdio Coelho.
Publicação
Publicação no DSF de 30/11/2002 - Página 23156
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, IMIGRAÇÃO, CIENTISTA, BRASIL, REGISTRO, PERDA, GOVERNO FEDERAL, INVESTIMENTO, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, FAVORECIMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, OFERECIMENTO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, SALARIO.
  • REGISTRO, MOTIVO, SAIDA, CIENTISTA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, FALTA, OPORTUNIDADE, CRESCIMENTO, CARREIRA, INSUFICIENCIA, SALARIO, REDUÇÃO, VERBA, PESQUISA CIENTIFICA, DESEMPREGO.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, CIENCIAS, DESENVOLVIMENTO, BRASIL, SOLICITAÇÃO, ELABORAÇÃO, POLITICA, MELHORIA, REMUNERAÇÃO, IMPEDIMENTO, SAIDA, CIENTISTA.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, num passado recente, as nações mais desenvolvidas importavam mão-de-obra simples, rústica, tosca para o seu desenvolvimento nas indústrias. Hoje essa importação se faz de inteligências.

As informações sobre a perda de talentos brasileiros que continuam deixando o País à procura de melhores oportunidades continuam preocupantes. Cientistas altamente capazes, pesquisadores competentes, reconhecidos por seus trabalhos nas mais variadas instâncias acadêmicas, sentem-se compelidos a abandonar o Brasil por carência de perspectivas profissionais.

Como se sabe, são estudiosos que custaram vultosos investimentos ao Estado brasileiro, durante anos, em todas as fases de desenvolvimento intelectual e que, no seu amadurecimento, estão praticamente impedidos de dar o devido retorno em benefício da nossa sociedade.

Em pesquisa divulgada pelo médico Reinaldo Guimarães, do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, sabe-se que, entre 1993 e 1999, 966 cientistas foram trabalhar definitivamente no exterior, 60% dos quais nos Estados Unidos ou no Canadá. É o primeiro levantamento feito desde os anos 70, quando o problema já se mostrava grave. Isso significa que, a cada ano do período, 138 pesquisadores - em média, 11,5% por mês - resolveram deixar o Brasil. Essa transferência causou um prejuízo de, no mínimo, US$100 milhões ao nosso País, sem contar as óbvias perdas para o desenvolvimento brasileiro como um todo. De acordo com os cálculos do professor, a formação de um doutor custa, em gastos diretos - como bolsas, por exemplo -, US$20 mil. Somando-se os custos indiretos estimados, como salários de professores, custeio e infra-estrutura de pesquisa, o investimento total, por pessoa, deve chegar a US$100 mil. Guimarães realizou o seu levantamento, publicado na edição de outubro da revista Ciência Hoje, por meio de questionários enviados a 2.769 líderes de grupos de pesquisa de todas as áreas do conhecimento.

Na verdade, o Brasil já é hoje o maior exportador de Q.I.s (coeficiente de inteligência) da América Latina e o segundo no ranking mundial, de acordo com o professor Antônio Carlos Pereira Jr., também da Universidade Federal do Rio de Janeiro e vinculado à famosa escola francesa denominada Sourbonne. Segundo ele, como exportadores de cérebros privilegiados, só perdemos para a Índia. Cientistas brasileiros são encontrados na França, na Inglaterra, na Itália, na Alemanha, nos Estados Unidos, todos voltados para trabalhos relevantes em laboratórios de alta envergadura de pesquisa. Há pesquisadores brasileiros na Nasa e em instituições européias, japonesas, nas mais variadas e importantes áreas. Até os países árabes procuram recrutar brasileiros.

Recentemente, fui aos Estados Unidos e verifiquei, em uma grande universidade daquele país, um cientista brasileiro de Pernambuco que chefia um departamento inteiro de pesquisa de medicamentos de nova geração. Ali estava ele, ganhando em dólar, satisfeito e gerando riqueza e conhecimentos para exportação posterior pelos Estados Unidos. Confesso que, se, de um lado, regozijei-me com aquele brasileiro, por outro, lastimei que o Brasil tenha perdido uma inteligência de tão grande profundidade.

Sr. Presidente, o Presidente de Honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Crodowaldo Pavan, culpa a política do Governo Federal pela debandada de “cérebros” e afirma que o cientista, sem estímulo no Brasil, encontra em outros países o apoio que lhe é aqui negado. Ele lembra que nossas instituições públicas de pesquisa, como as universidades, sempre tiveram papel relevante no desenvolvimento do País. O Instituto Biológico de São Paulo e o Instituto Agronômico de Campinas, por exemplo, proporcionaram ao Brasil o aumento das exportações de café e soja. Do mesmo modo, foram relevantes as importantes conquistas brasileiras na área de energia alternativa, à época do Pró-Álcool.

Sr. Presidente, os últimos levantamentos demonstram que cerca de 10% dos pesquisadores brasileiros, que fazem doutorado no exterior, não voltam ao Brasil. A permanência desse contingente em outros países, conhecida como brain drain (fuga de cérebros), foi apontada pelo relatório do Índice de Avanço Tecnológico da ONU como uma das causas da baixa colocação do Brasil no ranking de países produtores de conhecimentos científicos, onde ficou em 72º lugar no mundo inteiro.

A estimativa do percentual de doutores que não voltam ao Brasil é balizada ainda pela Capes - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -, uma das maiores agências de fomento à pesquisa do País. O órgão envia, anualmente, dois mil pesquisadores para o exterior, em nível de doutorado, mas vem tendo um retorno decepcionante.

A falta de emprego é a maior alegação para não se voltar ao Brasil, segundo os pesquisadores. A queda na contratação de professores nas universidades públicas, decorrente da tendência atual de contenção de despesas orçamentárias, diminuiu o mercado de trabalho no setor. São muitos os fatores que desencorajam a permanência no Brasil dos nossos cientistas: os parcos recursos destinados ao custeio da educação e da pesquisa; as limitadas perspectivas de progresso na carreira científica e as estruturas acadêmicas ainda obsoletas e desvinculadas das demandas da sociedade e das empresas.

Nos Estados Unidos, os salários de cientistas chegam a ser cinco vezes maiores do que os salários pagos no Brasil, com ascensões mais rápidas e criteriosas. As condições técnico-materiais são consideravelmente superiores e as perspectivas de trabalho, obviamente, mais amplas. Isso ocorre simplesmente porque, segundo estudos apresentados no VI Encontro Nacional de Ciência e Tecnologia, realizado em maio passado, numa comparação entre os investimentos por PIB, Brasil e Estados Unidos gastam 0,6% e 0,74% respectivamente. Porém, não podemos esquecer que estamos falando do PIB norte-americano, muito maior que o brasileiro. Assim, os US$60 mil per capita que o Brasil investiu no ano passado são equivalentes ao investimento feito pela China em 1985.

O Sr. Lúdio Coelho (Bloco/PSDB - MS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Lúdio Coelho (Bloco/PSDB - MS) - Senador Lobão, as afirmações que V. Exª está fazendo neste momento são motivo de muita preocupação. Tenho a impressão de que, com a globalização, cada vez mais a busca de talentos será acentuada. Avalio que essa fuga de pessoas altamente preparadas do nosso País esteja dentro do contexto da administração pública brasileira. A permanência dessas pessoas qualificadas aqui está estreitamente ligada ao nível do nosso desenvolvimento. Se o nosso País não passar por uma transformação completa no setor administrativo, se não promover um aprimoramento administrativo em todos os setores, tão necessário para viabilizarmos o crescimento econômico, continuaremos a perder talentos. Todos nós vemos acontecer, na livre empresa, a busca de pessoas altamente qualificadas. Hoje, as grandes empresas estão com a área de administração superior quase toda preenchida por pessoas de idade inferior a 40 anos. Esse discurso de V. Exª nos alerta para a necessidade de a família brasileira se empenhar no aprimoramento da administração pública do nosso País, para que tenhamos condições de proporcionar um mercado de trabalho adequado a essas pessoas altamente qualificadas. Felicito V. Exª por esse importante discurso, esse importante alerta que V. Exª está fazendo à Nação.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Lúdio Coelho.

Temos que acordar para essa realidade moderna. Não podemos prosseguir em estado letárgico pelo resto da vida. Hoje, a ciência é fundamental ao bem-estar da sociedade, porque ela gera desenvolvimento, gera conhecimentos que conduzem ao crescimento econômico e, portanto, à produção de empregos. Se não nos dermos conta disso a tempo, iremos nos atrasar cada vez mais em relação aos países desenvolvidos.

Senador Lúdio Coelho, em Pernambuco, formam-se técnicos em informática de grande projeção. Os americanos descobriram isso e convidam todos para trabalhar nos Estados Unidos. Os nossos irmãos pernambucanos, técnicos em informática, já não estão mais servindo ao Brasil: vão cuidar dos seus interesses pessoais já que aqui não lhes damos a atenção devida, a atenção que eles merecem.

Para os Estados Unidos, para o Japão e para a Alemanha, é muito mais barato importar técnicos e cientistas de outros países do que formarem, eles próprios, os seus filhos e os empregarem no desenvolvimento da ciência. É tão simples perceber isso! Como é que nós não percebemos? Como é que permitimos e continuamos a permitir - até a estimular - a evasão de valores, de cérebros que daqui saem todos os dias em verdadeiras romarias para outros países?

Temos que nos dar conta de que esses cientistas têm que ser mais bem remunerados. Vejo, no centro de lançamento de Alcântara, no meu estado, cientistas que cuidam do lançamento de satélites recebendo salários verdadeiramente ridículos, salários que estão aquém, muito aquém dos pagos no mercado internacional. Esses técnicos de Alcântara trabalham apenas por espírito público, por patriotismo, pois eles não chegam a ganhar 5% do que o mercado internacional paga a profissionais em posição semelhante. Ainda assim, muitos deles permanecem no Brasil, muitos deles. Outros, até por enfrentarem dificuldades na manutenção de suas famílias, deixam o Brasil, aceitam os inúmeros convites que recebem e vão para outros países.

O apelo que faço da tribuna do Senado da República é para que o governo se dê conta disso e estabeleça uma nova política que seja capaz de manter no Brasil os cérebros brasileiros, que são tão ou mais desenvolvidos do que os dos grandes países do mundo. E preciso que eles sejam mantidos aqui e que recebam atenção que eles verdadeiramente merecem.

Sr. Presidente, peço que seja considerado como lido o restante do meu discurso.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO

DO SR. SENADOR EDISON LOBÃO.

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O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as informações sobre a perda de talentos brasileiros, que continuam deixando o país à procura de melhores oportunidades, continuam preocupantes.

Cientistas altamente capazes, pesquisadores competentes, reconhecidos por seus trabalhos nas mais variadas instâncias acadêmicas, sentem-se compelidos a abandonar o Brasil por carência de perspectivas profissionais.

Como se sabe, são estudiosos que custaram vultosos investimentos ao Estado brasileiro, durante anos, em todas as fases de desenvolvimento intelectual, e que, no seu amadurecimento, estão praticamente impedidos de dar o devido retorno em benefício da nossa sociedade.

Em pesquisa divulgada pelo médico Reinaldo Guimarães, do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, sabe-se que, entre 1993 e 1999, 966 cientistas foram trabalhar definitivamente no exterior, 60% dos quais nos Estados Unidos ou no Canadá. É o primeiro levantamento feito desde os anos 70, quando o problema já se mostrava grave. Isso significa que, a cada ano do período, 138 pesquisadores - em média, 11,5 por mês - resolveram deixar o País. Essa transferência causou um prejuízo de, no mínimo, U$$ 100 milhões ao Brasil, sem contar as óbvias perdas para o desenvolvimento brasileiro como um todo. De acordo com os cálculos do professor, a formação de um doutor custa, em gastos diretos - como bolsas, por exemplo -, US$ 20 mil. Somando-se os custos indiretos estimados, como salários de professores, custeio e infra-estrutura de pesquisa, o investimento total deve chegar a US$ 100 mil. Guimarães realizou seu levantamento, publicado na edição de outubro da revista Ciência Hoje, por meio de questionários enviados a 2.769 líderes de grupos de pesquisa de todas as áreas do conhecimento.

Na verdade, o Brasil já é hoje o maior exportador de Q.I.s (coeficiente de inteligência) da América Latina e o segundo no ranking mundial, de acordo com o professor Antônio Carlos Pereira Jr., também da Universidade Federal do Rio de Janeiro e vinculado à Sorbonne. Segundo ele, como exportadores de cérebros privilegiados só perdemos para a Índia. Cientistas brasileiros são encontrados na França, na Inglaterra, na Itália, na Alemanha e nos Estados Unidos, todos voltados para trabalhos relevantes em laboratórios. Há pesquisadores brasileiros na NASA e em instituições européias, japonesas, nas mais variadas e importantes áreas. Até os países árabes procuram recrutar brasileiros.

O presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Crodowaldo Pavan, culpa a política do governo federal pela debandada de “cérebros” e afirma que o cientista, sem estímulo no Brasil, encontra em outros países o apoio que lhe é aqui negado. Ele lembra que nossas instituições públicas de pesquisa, como as universidades, sempre tiveram papel relevante no desenvolvimento do País. O Instituto Biológico de São Paulo e o Instituto Agronômico de Campinas, por exemplo, proporcionaram ao Brasil o aumento das exportações de café e soja. Do mesmo modo, foram relevantes as importantes conquistas brasileiras na área de energia alternativa à época do Pró-Álcool.

Sr. Presidente, os últimos levantamentos demonstram que cerca de 10% dos pesquisadores brasileiros, que fazem doutorado no exterior, não voltam ao Brasil. A permanência desse contingente em outros países, conhecida como brain drain (fuga de cérebros), foi apontada pelo relatório do Índice de Avanço Tecnológico da ONU como uma das causas da baixa colocação do Brasil no ranking de países produtores de conhecimentos científicos, onde ficou em 72º (septuagésimo segundo) lugar.

A estimativa do percentual de doutores que não voltam ao Brasil é balizada ainda pela Capes - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -, uma das maiores agências de fomento à pesquisa do país. O órgão envia anualmente dois mil pesquisadores para o exterior, em nível de doutorado, mas vem tendo um retorno decepcionante.

A falta de emprego é a maior alegação para não se voltar ao Brasil, segundo os pesquisadores. A queda na contratação de professores nas universidades públicas, decorrente da tendência atual de contenção de despesas orçamentarias, diminuiu o mercado de trabalho no setor. São muitos os fatores que desencorajam a permanência no Brasil dos nossos cientistas: os parcos recursos destinados ao custeio da educação e da pesquisa; as limitadas perspectivas de progresso na carreira cientifica; e as estruturas acadêmicas ainda obsoletas e desvinculadas das demandas da sociedade e das empresas.

Nos EUA, os salários de cientistas chegam a cinco vezes ou mais dos pagos no Brasil, com ascensões mais rápidas e criteriosas. As condições técnico-materiais são consideravelmente superiores e as perspectivas de trabalho, obviamente, mais amplas. Isso ocorre simplesmente porque, segundo estudos apresentados no VI Encontro Nacional de Ciência e Tecnologia - realizado em maio passado -, numa comparação entre os investimentos por PIB, Brasil e Estados Unidos gastam 0,6% e 0,74%, respectivamente. Porém, não podemos esquecer que estamos falando do PIB norte-americano, muito maior que o brasileiro. Assim, 60 mil dólares per capita que o Brasil investiu no ano passado são equivalentes ao investimento feito pela China em 1985.

Isso acontece simplesmente porque a produção acadêmica - e dos órgãos de fomento tecnológico do Estado - está intimamente associada às demandas e aos interesses das empresas naqueles países. Neles, há uma substancial integração entre a produção científica e o desenvolvimento dos setores produtivos. Nos EUA, as empresas do segmento dinâmico da economia são as de alta densidade tecnológica, que comprometem maciças receitas em planos de desenvolvimento nacional. Aplicar no setor representa mandamento de sobrevivência. A razão é obvia: uma das características da globalização é a obsolescência rápida de qualquer tecnologia.

No Brasil, hoje, um estudante de física recém-formado consegue facilmente uma bolsa de estudos no exterior, ganhando aproximadamente mil dólares mensais. Quando resolve voltar, já graduado, vai ganhar a metade em reais, com pouca perspectiva de progredir. O quadro se agrava porque falta ao setor privado a tradição de investir em desenvolvimento tecnológico. Isto ocorre, em parte, porque muitas das nossas grandes empresas são as multinacionais, aqui estabelecidas. Não têm especial interesse em viabilizar inovações tecnológicas no Brasil. Preferem adotar os pacotes tecnológicos provindos de suas matrizes e de seus respectivos países.

No caso brasileiro, quando se decide importar pacotes tecnológicos em detrimento de uma política de incentivo à pesquisa, estamos perdendo três vezes. Primeiro, porque não há uma efetiva transferencia de tecnologia; em segundo, porque temos de comprar o pacote à custa das nossas sofridas reservas monetárias; em terceiro lugar, por perdermos pesquisadores e tecnologia, já que os nossos jovens cientistas acabarão indo para o exterior. Portanto, a compra de pacotes tecnológicos não deve ser priorizada.

A verdade, Sr. Presidente, é que somente o apoio do Estado brasileiro, em todos os níveis e nas mais variadas áreas, pode nos trazer o desenvolvimento necessário. Recente editorial do “Correio Braziliense” destaca que o Brasil tem obtido alguns resultados importantes na área científica apenas quando a presença do Estado é marcante, não obstante a escassez de recursos e das limitações impostas pelos “pacotes tecnológicos”. Possuímos centros de excelência de reputação internacional, notadamente nos setores agrotécnico (Emater), aeronáutico, de lavra e extração de petróleo e biotecnologia. Contudo, tais conquistas são pequenas se comparadas com as de países com grau de desenvolvimento semelhante, como a Índia e a Coréia do Sul.

O círculo vicioso só será rompido com esforço deliberado semelhante ao desenvolvido recentemente pela Índia. Naquele país, verificou-se há muito que as nações exportadoras de talentos não têm um retorno efetivo do investimento realizada na educação. Com efeito, de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU sobre o assunto, estima-se que o número de técnicos de informática indianos, que emigram para os Estados Unidos anualmente, seja de 100.000, o que representa para a Índia uma perda anual de recursos de cerca de 2 milhões de dólares.

Por isso, Nova Délhi se empenhou na formação de recursos humanos altamente qualificados, na alocação de verbas para os centros de pesquisas e na motivação do setor privado para reinvestimento de lucros na geração de tecnologias mais avançadas. Ou seja, está fazendo agora o que o Japão sempre fez: não só deu condiçoes para manter seus cientistas, como procurou importar talentos de outras nações para que trabalhassem para o crescimento e o aperfeiçoamento de seu parque industrial. Algo que também foi realizado pelos EUA, depois da Segunda Guerra Mundial, quando procuraram aproveitar todos os cientistas da derrotada Alemanha em suas universidades.

A permanecer o cenário atual -- timidez do incentivo público aliado à indiferença empresarial --, o Brasil estará condenado ao atraso. Continuará exportando seus poucos cientistas que, não retribuindo o investimento neles feito, irão dar os frutos no estrangeiro. Mais: nosso País ficará na dependência do Primeiro Mundo, que, certamente, não contempla os interesses brasileiros na lista de suas prioridades.

O sociólogo Jean-Baptiste Meyer, pesquisador da fuga de cérebros do “Terceiro Mundo” para os países ricos, não exclui a possibilidade de o Brasil vir a ser um dos territórios mais visados pelos caçadores de talentos nas próximas décadas. Diz esse sociólogo:

Qualquer que seja a taxa de crescimento de suas economias, os países industrializados, sobretudo os da União Européia, em face das aposentadorias e de suas baixas taxas de natalidade, terão de recorrer cada vez mais aos países do Hemisfério Sul e do Leste europeu para suprir suas carências profissionais de alto nível.

Nesse sentido, a Alemanha alterou sua legislação sobre imigrantes para recrutar na Índia, nos últimos 8 meses e em regime de urgência, 5.533 dos 10 mil engenheiros e profissionais de informática de que necessita. O salário inicial desses profissionais varia entre US$ 4 mil a US$ 5 mil. Mesmo a França, conhecida pelo protecionismo rígido de seu mercado de trabalho, reformou suas leis e entrou na "caça" de talentos estrangeiros. No ano passado, contratou 1.619 profissionais de informática nos países do Hemisfério Sul. Dentro desse mesmo espírito de caça, a Grã-Bretanha reduziu de 3 meses para uma semana o tempo de burocracia para o ingresso de cérebros no País e prolongou de 3 para 5 anos a vigência da carteira de residente.

Diante dessa verdadeira caça por cérebros, por parte das nações mais adiantadas, comenta o citado sociólogo:

É um fenômeno generalizado no mundo de hoje, por isso a comunidade científica brasileira terá de buscar alternativas. A mais promissora das alternativas é a associação de universidades e de cientistas com empresas ou com investidores interessados em criar negócios no Brasil. O sucesso do Vale do Silício, nos EUA, deveu-se à simbiose dos poderes empresarial e intelectual. Em torno de São Paulo, poderíamos imaginar um 'Vale do Silício da América Latina', porque ali o Brasil já possui uma capacidade científica e tecnológica de ponta.

Sr. Presidente, a riqueza maior de uma nação hoje - numa sociedade global de informações, rápida em transformações, cada da vez mais competitiva e necessitada de novas tecnologias - não seria somente os capitais, as matérias-primas, os equipamentos, os instrumentos do desenvolvimento, porém a capacidade de inventar, isto é, a pesquisa; e a capacidade de inserir as invenções nos produtos ou, melhor, na tecnologia. As principais fontes da riqueza residem hoje na aptidão dos homens para refletir e criar. A formação, o desenvolvimento e a exploração da inteligência são o recurso ambicionado pelas nações que querem crescer. O progresso perseguido pelos brasileiros não depende apenas da eloquência patriótica, das riquezas minerais ou de ajustes monetários e financeiros, mas da agudez de análise, do rigor do pensamento, da criatividade e da precisão.

            Os números divulgados pelo Banco Mundial informam que o Brasil tem apenas 0,6 pesquisador por milhar da força de trabalho, o que está abaixo de muitos países da América Latina. No entanto, o planejamento estratégico na área de Ciência e Tecnologia não tem a formação de recursos humanos como prioridade máxima. Muitos pensam que o investimento em talentos seria a melhor maneira de se conduzir nosso planejamento.

A professora de bioquímica e dirigente do SBPC, Glaci Zancan, em palestra realizada no VI Encontro Nacional de Ciência e Tecnologia, é de opinião que as políticas públicas para as áreas de educação e ciência têm sido inexplicavelmente dissociadas nos últimos anos, e, no entanto, são instrumentos de ação a longo prazo, superando os limites temporais de governos. Contrariando tal orientação, segundo a professora Zancan, põe-se em jogo o futuro do País.

Nos instantes em que o Brasil parece iniciar uma nova etapa histórica, Sr. Presidente, é preciso que estejamos alertas para os muitos equívocos que vêm comprometendo o nosso desenvolvimento, entre os quais se sobreleva a verdadeira sangria de talentos que vem sofrendo o nosso País. Torna-se inadiável o encontro de soluções que estimulem a permanência em nosso território daqueles que se destacaram pelo seu saber e sua criatividade.

Era o que tinha a dizer.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/11/2002 - Página 23156