Discurso durante a 140ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Problemática da fome entre as populações indígenas.

Autor
João Alberto Souza (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MA)
Nome completo: João Alberto de Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Problemática da fome entre as populações indígenas.
Publicação
Publicação no DSF de 04/12/2002 - Página 23380
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, INDIO, BRASIL, QUESTIONAMENTO, INTEGRAÇÃO, SOCIEDADE, RESPEITO, TRADIÇÃO, CULTURA, SUBSISTENCIA, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, DEFESA, POLITICA INDIGENISTA, ACOMPANHAMENTO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, INCLUSÃO, PROGRAMA NACIONAL, COMBATE, FOME, MORTALIDADE INFANTIL.

O SR. JOÃO ALBERTO SOUZA (PMDB - MA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para Josué de Castro, em 1950, falar de fome no Brasil era tabu. Nesta fala, quero associar ao tabu-fome de Josué de Castro o tabu-índio da história do Brasil. Falar de índio no Brasil é tabu desde à época do descobrimento. Em 1537, o Papa Paulo III precisou intervir em defesa dos indígenas contra as cruéis barbaridades praticadas pelos invasores europeus. A bula assinada por Paulo III afirmava que os índios tinham alma, eram, portanto, seres humanos como os outros. Necessitavam apenas ser recuperados, pois encontravam-se abandonados ao diabo, entregues à magia e à antropofagia. Os invasores queriam as terras, o ouro e os metais preciosos nela guardados. Os índios eram empecilho a remover.

Ainda hoje, essa questão permanece, materializada nos diferentes aspectos levantados quando se trata da população indígena. Se o problema diz respeito às terras demarcadas, há os que se insurgem porque tais demarcações atravancam o desenvolvimento da região e há os que as defendem até maiores, uma vez que os índios precisam perambular pela floresta, precisam caçar e sobreviver. Do ponto de vista social e do progresso, é preciso que se integrem à sociedade moderna e urbana, defendem uns. É preciso respeitar sua cultura, afirmam outros, respeitar sua história e forma de viver. São donos de uma cultura que não pode ser violentada. Índios aculturados "a palos" (a pauladas) como se dizia antigamente, ou brancos inculturados, conforme algumas correntes antropológicas mais recentes, fazendo-se índios e fugindo da "civilização"?

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a visão popular traduz muito bem a necessidade de abrir mão de certos posicionamentos pouco concretos no sentido da coletividade, assumidos por interesse ou por platonismo: é preciso "cair na real".

Não há duvida de que os índios precisam de espaços específicos, seja para que os velhos possam vivenciar sua cultura, seja para que a mudança de hábitos e costumes se faça dentro de uma gradualidade conveniente. Mas é irreal a afirmação de que a caça e a pesca devam continuar sendo feitas sem preocupação com a preservação dos recursos naturais. Compreende-se o imperativo de respeito à cultura, mas é platônico o confinamento em nome da proteção da identidade. É impossível evitar o contato do índio com o denominado homem branco ou com a cidade. Aliás, nenhum índio, por opção consciente, prefere o desconforto das privações da vida no mato às benesses descobertas no progresso e ao consumo favorecido pela vida urbana!

Viver a realidade é contextualizar os povos indígenas no tempo, no espaço e na sociedade em que vivem, propiciando-lhes os instrumentos para o próprio crescimento. Nesse âmbito, é fundamental abandonar a prática do assistencialismo estéril, descompromissado e descontínuo e assumir políticas de auxílio e acompanhamento que lhes assegurem desdobramentos positivos no sentido do desenvolvimento e da auto-sustentação.

Entristeceram-me as notícias publicadas pela imprensa durante o mês de novembro. Segundo essas informações, os programas contra a fome não chegam à população indígena. A taxa de desnutrição entre as crianças índias de até seis anos de idade é 126,3 % maior do que entre as não índias da mesma idade. O cruzamento de informações da Fundação Nacional de Saúde e da Pastoral da Criança aponta também que a mortalidade infantil entre os índios é 115,5 % maior do que entre os não índios. Entre a população não constituída de índios, há 29 óbitos por mil crianças nascidas vivas; entre os índios, 62,5 por mil morrem de diarréia e de outras doenças decorrentes da miséria.

Em 1994, a Ação de Cidadania contra a Fome e a Miséria, juntamente com outras organizações não governamentais, elaborou o Mapa da Fome entre Povos Indígenas no Brasil. Resultado de pesquisa feita em 51,5 % das 577 terras indígenas do País, o mapa revelou que 106.764 índios - 34,7 % do total pesquisado - passavam fome. Em novembro de 2002, os "Índios pedem socorro a Lula" (C. B. de 17 de novembro, Cad. 10, p. 12), porque não têm o que comer.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quem conhece o interior do País sabe das dificuldades de chegar aos grupamentos mais longínquos. As distâncias, o isolamento, a dificuldade de transporte e a falta de recursos são alguns dos elementos que castigam essas povoações. No caso dos índios, a situação é ainda mais grave. Além de pobres, são índios. Vivem em comunidades separadas. Não têm instrumentos para a produção. Não são encaminhados, são "assistidos". Não constituem a sociedade brasileira, são grupos, normalmente desagregados pela influência agressiva dos mais diversos interesses.

Faço votos e colaborarei com minha atuação parlamentar para que o atual momento de alegria cívica e política vivido pelo povo brasileiro ultrapasse o preconceito cultural e comportamental do País em relação aos seus índios. Eles merecem, pois não são cidadãos "menos iguais". Precisam ter a fome saciada, mas com ruptura do assistencialismo. Saciada a fome, encaminhados os problemas de saúde, precisam ter condições para crescer, a partir da realidade existencial de cada grupo. Alfred Métraux, estudioso francês dos métodos missionários da Companhia de Jesus na América do Sul, em 1537, analisando a contribuição dos jesuítas para o desenvolvimento dos índios guaranis do Sul, pôde dizer que eles suscitaram uma verdadeira revolução social e econômica quando introduziram nas aldeias utensílios de ferro, gado e ovelhas.

É preciso recuperar essa decisão política de projetar esse povo para o futuro. É parte constitutiva da sociedade nacional. Fora desse contexto, o País continuará atualizando a afirmação do P. Antônio Vieira: "Então eles são os que comem gente? - perguntava Vieira. Ele mesmo respondeu: "Nós, nós somos os que os imos comer a eles".

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/12/2002 - Página 23380