Discurso durante a 142ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

JUSTIFICATIVA A APRESENTAÇÃO, QUE FARA, DE PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO E DE PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR, CRIANDO O FUNDO DE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BASICA E DESTINANDO 20% DOS RECURSOS DO FUNDO DE COMBATE A POBREZA AO ENSINO FUNDAMENTAL, RESPECTIVAMENTE.

Autor
Ricardo Santos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo Ferreira Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • JUSTIFICATIVA A APRESENTAÇÃO, QUE FARA, DE PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO E DE PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR, CRIANDO O FUNDO DE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BASICA E DESTINANDO 20% DOS RECURSOS DO FUNDO DE COMBATE A POBREZA AO ENSINO FUNDAMENTAL, RESPECTIVAMENTE.
Publicação
Publicação no DSF de 06/12/2002 - Página 23649
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, TRABALHO, COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, SENADO, PRESIDENCIA, ORADOR, CONCLUSÃO, URGENCIA, MELHORIA, QUALIDADE, ENSINO, DEFINIÇÃO, FINANCIAMENTO, EDUCAÇÃO, ANALISE, SITUAÇÃO, BRASIL, PRE REQUISITO, DESENVOLVIMENTO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR (PLP), AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, FUNDO ESPECIAL, EDUCAÇÃO BASICA, DEFINIÇÃO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, FUNDOS, COMBATE, POBREZA, EDUCAÇÃO PRE-ESCOLAR.

O SR. RICARDO SANTOS (Bloco/PSDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o término de uma legislatura é apenas o fim de um ciclo e o começo de outro. Todos temos a responsabilidade de olhar para o futuro do País e atuar firmemente no sentido de prover as suas necessidades, para alargar continuamente os seus horizontes.

Essa continuidade, que se situa numa visão de Estado e não de governo, é que assegura a grandeza histórica, por meio da capacidade de construir continuamente, e não de destruir o que tem sido feito, para fazer outra vez. A construção de pontes é, assim, uma condição e uma das conquistas mais importantes dos regimes democráticos.

Na honrosa posição de Presidente da Comissão de Educação, não há momento para descanso. Por isso mesmo, revendo as múltiplas atividades que esse colegiado desenvolveu ao longo destes dois anos, não posso me furtar à responsabilidade de destacar a importância dos nossos trabalhos e apontar soluções para as necessidades do Brasil.

Contemplando as múltiplas discussões, inclusive uma teleconferência nacional realizada este ano, constato a necessidade de estabelecer posições, decorrentes da visão prospectiva e abrangente dos problemas educacionais brasileiros.

Essa visão conduz a duas necessidades urgentes: a de avançar substancialmente na qualidade e, de maneira intrínseca e indispensável à primeira, a criação de mecanismos duradouros de financiamento do ensino.

Por essa razão, estou apresentando, e certamente contarei com o apoio das Srªs e dos Srs. Senadores, uma Proposta de Emenda Constitucional, além de um Projeto de Lei Complementar, que encerram uma síntese dessa visão construtiva dos nossos problemas educacionais.

A primeira trata de reiterar a necessidade de um fundo de financiamento para a educação básica, capaz de realizá-la como tal, conforme a Lei.

A segunda focaliza a questão da criança de zero a seis anos de idade e a urgência de concentrar recursos nas faixas socialmente menos privilegiadas, para combater a pobreza.

A Proposta de Emenda Constitucional tem em vista estabelecer os fundamentos financeiros para uma nova etapa de desenvolvimento da educação brasileira, coerente com o incremento de recursos que o Plano Nacional de Educação havia originalmente previsto. A década de 90 e os primeiros anos do século XXI têm sido marcados pela expansão quantitativa, desde a educação básica até a educação superior.

Na primeira, o ensino fundamental se aproxima da universalização, com declínio das matrículas da primeira à quarta série, obedecendo a fatores demográficos, e incremento acelerado das matrículas de quinta a oitava série, rumo ao cumprimento da escolaridade compulsória de oito anos, no mínimo, e à conseqüente elevação do modesto nível médio de escolaridade da população nacional. Como conseqüência, inclusive, do desrepresamento dos efetivos discentes pelo ensino fundamental, o ensino médio, sobretudo público e estadual, tem alcançado elevadas taxas de expansão, começando a despontar o caminho para que venha a alcançar progressiva universalização.

Ao mesmo tempo, a educação infantil, depois do declínio das suas matrículas imediatamente após a implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, Fundef, tende a ganhar fôlego, rumo à expansão reclamada pela sociedade.

Por sua vez, a educação superior tem sido o desaguadouro de parte significativa dos concluintes do ensino médio, cujo número continua crescendo e demandando continuidade dos estudos. Ao contrário da educação básica, a expansão desse nível educacional - o ensino superior - tem sido predominantemente particular.

Pode-se afirmar que as grandes conquistas educacionais brasileiras do período em tela foram marcadas, antes de tudo, pela expansão quantitativa, embora a qualidade também tenha sido alvo de inúmeras políticas nos diversos níveis e modalidades de ensino e educação. Embora ainda mantendo hiatos, a nossa velha pirâmide educacional ganhou contornos novos e se aproximou do perfil educacional de vários países latino-americanos.

Foi tônica também a prioridade do financiamento à escolaridade obrigatória, materializada pelo Fundef, que tem concretizado a compulsoriedade do ensino fundamental como direito público subjetivo. É possível afirmar que, em especial pelas conquistas do acesso e democratização, esse fundo de natureza contábil é uma experiência proveitosa, cujas limitações devem ser corrigidas e cujas lições devem ser aprendidas.

Olhando para frente, a educação nacional passa a enfrentar mais de perto os desafios da qualidade, que são eminentemente caros e exigentes de políticas rigorosas. Não basta aumentar o número de anos de escolaridade da população, mas ampliar o proveito que se pode extrair do tempo passado na escola, em favor dos indivíduos e da coletividade.

Ao mesmo tempo, cumpre preencher carências importantes no ensino médio e, sobretudo, na educação infantil, ou seja, construir a educação básica como um todo, conforme as diretrizes e bases da educação nacional.

Como educação de qualidade não se faz sem dinheiro, embora se possa fazer educação ruim com muito dinheiro, a elevação dos percentuais de vinculação de recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino visa, realisticamente, a prover os recursos necessários para uma educação que acompanha o cenário internacional. Se possível, assumindo a dianteira, mas, pelo menos, acompanhando as tendências gerais.

Por isso mesmo, a Proposta de Emenda Constitucional que estou apresentando caracteriza-se por atender à visão do século XXI: construir um País onde a sociedade tenha atendida a sua demanda por educação infantil, com prioridade para as crianças socialmente menos privilegiadas; onde o ensino médio possa alcançar a maioridade que o seu contingente de matriculados requer, sem ser um filho dependente e mais ou menos enjeitado do ensino fundamental; onde os mecanismos de financiamento não sejam transitórios, mas que constituam solução sólida para toda a educação básica, e, finalmente, onde o padrão de qualidade da educação não seja letra morta da Carta Magna.

A questão da qualidade está relacionada não só às exigências da competição internacional, da corrida tecnológica e econômica em que a América Latina está ficando para trás, mas, sobretudo, às exigências da cidadania. Por isso, a qualidade avulta cada vez mais nos horizontes da educação brasileira.

Esta proposição situa como alvo o padrão mínimo de qualidade do ensino, nos termos do Plano Nacional de Educação. Este é, aliás, o plano de Estado que convém fortalecer pela sua coerência entre a duração de longo prazo e os frutos que a educação oferece. Os planos de governo devem, consistentemente, seguir as suas metas, dando a continuidade necessária ao setor.

Nesse sentido, a Proposta de Emenda Constitucional abre caminhos para a concretização dos compromissos assumidos pelo Brasil em Jomtien (1990) e em Dacar (2000), rumo à educação para todos, sob a égide da Unesco.

Cabe lembrar que, entre esses compromissos firmados, inclui-se não só a universalização da educação obrigatória, mas também a sua qualificação, bem como o incremento da oferta e o aperfeiçoamento da educação infantil. Aliás, a Declaração Mundial de Educação para Todos, assinada em 1990, foi um divisor de águas em face de documentos anteriores, que fixavam metas de expansão de matrículas e de inclusão de crianças e adultos na escola.

De Jomtien em diante, importa não uma educação qualquer, mas uma educação de qualidade que atenda às necessidades básicas de aprendizagem. Eis por que o País não pode ficar indiferente ante as exigências de qualidade, inclusive porque todos os países presentes se comprometeram a buscá-la. O custo de ficar para trás passa, portanto, a ser muito maior.

No que tange à educação infantil, incluída com a necessária qualidade nos sistemas de ensino e no bloco da educação básica, cabe assinalar que esta Proposta de Emenda Constitucional visa a dar uma resposta coerente à Carta-Compromisso do Simpósio sobre Educação Infantil: Construindo o Presente, realizado no Senado Federal em 23 e 24 de abril passado, promovido pela Comissão de Educação do Senado Federal, pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados, pela Unesco, pelo Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil, pela Universidade de Brasília, pela Confederação Nacional da Indústria e pelo Serviço Social da Indústria, com o apoio, ainda, do Unicef, do Conselho Nacional de Secretários de Educação e da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação.

A teleconferência, que abrangeu todo o Brasil, envolvendo milhares de participantes, frisou que a criança de zero a seis anos “passou a ser reconhecida como sujeito de direitos, destacando-se, em particular, seu direito a ser cuidada e educada em um meio ambiente adequado e saudável, de poder brincar, apropriar-se de sua cultura, construir sua identidade como cidadã e ampliar seu universo de experiências e conhecimentos em creches e pré-escolas, instituições inseridas no sistema educacional”.

Para isso, segundo ainda a Carta-Compromisso firmada, é preciso alocação de recursos e a transparência na sua aplicação. Por outro lado, o estudo das metas do Plano Nacional de Educação, quanto a esse nível da educação básica, revela que, sendo ele de competência municipal, depende intimamente da arrecadação dos Municípios, cujas projeções revelam ser a mesma insuficiente para as necessidades do futuro, segundo trabalho realizado pelos pesquisadores do IPEA Ângela Barreto e Jorge Abraão de Castro, apresentado na teleconferência que citada anteriormente.

Cabe, portanto, na moldura do regime constitucional de colaboração, que a União e os Estados exerçam a sua ação supletiva e redistributiva, para que as demandas possam ser atendidas.

Deve ficar claro que, apesar de a Constituição e a Lei clarificarem as competências por nível de governo, a educação, pela sua natureza, tem previsto um sistema de solidariedade, pelo qual níveis de governo diferentes devem entrosar suas ações em favor do cidadão. Este vem a ser mais um motivo da elevação proposta dos pisos de vinculação constitucional de recursos, em favor da manutenção e desenvolvimento do ensino.

Ao mesmo tempo, porém, deve ser considerada outra fonte de recursos em favor da educação infantil, em particular, cujos custos são elevados especialmente ao nível das creches, sobretudo pela relação alunos/educador e pelo atendimento em tempo integral. Por isso, o Projeto de Lei Complementar, que também estou protocolando nesta Casa, destaca vinte por cento dos recursos do Fundo de Combate à Pobreza para o atendimento em tempo integral na educação infantil. Os meios desse Fundo, estimados para 2003 em cerca de R$4,6 bilhões de reais, são destinados a ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço da renda familiar e outros programas de interesse social voltados para a melhoria da qualidade de vida.

Na área da educação, os recursos desse Fundo vêm sendo aplicados principalmente no Programa Bolsa Escola e, em menor escala, na expansão e melhoria da rede escolar do ensino médio e, ainda, em iniciativas voltadas para a educação de jovens e adultos. Essas ações são relevantes e precisam ser valorizadas. Entretanto, a educação infantil constitui setor que também merece maior atenção no conjunto dos programas sociais desenvolvidos pelo poder público.

Apesar de existirem, atualmente no Brasil, pouco mais de 23 milhões de crianças na faixa etária de zero a seis anos, as estatísticas do Ministério da Educação computam um total de cerca de 6,2 milhões crianças matriculadas em creches e pré-escolas - portanto, aproximadamente, um pouco mais de 25%.

Ainda que se reconheça o caráter incompleto das informações sobre o atendimento em creches e instituições congêneres, fica evidente a deficiência do compromisso do poder público com a oferta de vagas na educação infantil e, portanto, com o disposto no art. 208, inciso IV, da Constituição Federal, segundo o qual o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia do atendimento em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade.

Desse modo, a expansão do atendimento em creches e pré-escolas, particularmente o oferecido em tempo integral às populações de baixa renda, pode trazer uma série de benefícios não apenas para as crianças, mas também para as suas famílias e para a sociedade em geral.

Diversos estudos têm evidenciado que a educação infantil de qualidade exerce influência positiva sobre o desempenho das crianças nas etapas educacionais ulteriores, ou seja, ensino fundamental, médio e superior.

Conforme estudo do IPEA, elaborado por Rosane Mendonça e Ricardo Paes de Barros, cada ano de pré-escola eleva a escolaridade final (a partir do ensino fundamental) em 0,4 ano e aumenta a renda futura em 6%.

Portanto, partindo da base da árvore da educação e equacionando os problemas de financiamento do seu tronco - a educação básica -, o Brasil cria condições para que a sua população possa alcançar uma vida digna. Essas são condições indispensáveis para que a educação continue a crescer na quantidade, já que essa vertente da problemática não está resolvida, mas que possa dar o reclamado salto na qualidade, a fim de ajustar-se ao mundo presente em mudança.

Ninguém nos pergunta se desejamos participar de um mundo globalizado. Essa é uma imposição histórica.

Entretanto, faz parte da nossa liberdade decidir como nos inserimos nele. É preciso, assim, que nos coloquemos como sujeito e não objeto da história, o que não se faz sem boa educação para todos.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/12/2002 - Página 23649