Discurso durante a 142ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O RELATORIO DO PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS DE COMBATE A AIDS, E O PROGRAMA BRASILEIRO DE COMBATE A AIDS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O RELATORIO DO PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS DE COMBATE A AIDS, E O PROGRAMA BRASILEIRO DE COMBATE A AIDS.
Publicação
Publicação no DSF de 06/12/2002 - Página 23699
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, RELATORIO, AUTORIA, ENTIDADE INTERNACIONAL, CONTEUDO, INFORMAÇÕES, EXPANSÃO, EPIDEMIA, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), AMBITO INTERNACIONAL, REFERENCIA, CRIAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, DOENÇA.
  • ANALISE, EFICIENCIA, ATUAÇÃO, CAMPANHA NACIONAL, PREVENÇÃO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), DESENVOLVIMENTO, POLITICA SANITARIA, GOVERNO FEDERAL, REALIZAÇÃO, CAMPANHA, UTILIZAÇÃO, PRESERVATIVO, DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, MEDICAMENTOS, ELOGIO, ESFORÇO, CONTENÇÃO, DOENÇA TRANSMISSIVEL.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (Bloco/PSDB - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há apenas vinte e um anos, em 1981, médicos norte-americanos diagnosticavam os primeiros casos de uma síndrome até então desconhecida, caracterizada por importante redução na capacidade de reação imunológica do indivíduo afetado.

De lá para cá, a doença - que depois se descobriu ser causada por um vírus, então denominado HIV - já matou mais de 20 milhões de pessoas em todo o mundo e deixou ao menos 14 milhões de órfãos, configurando-se, nas palavras de Peter Piot, Diretor-Executivo da Unaids (Programa das Nações Unidas de Combate à AIDS), como “uma epidemia sem precedentes na história humana”.

Trata-se, com efeito, de uma tragédia de dimensões devastadoras. A AIDS é a quarta principal causa de morte no planeta e pode tornar-se a primeira nos países pobres e em desenvolvimento - onde se concentram mais de 90% dos casos - nas duas próximas décadas. Estima-se que mais de 40 milhões de pessoas estejam infectadas com o vírus HIV e a velocidade de propagação da epidemia continua a crescer. No ano passado, surgiram 5 milhões de novos casos, e pelo menos 3 milhões de pessoas morreram de AIDS.

Relatório publicado pela ONU em julho passado afirma que a epidemia ainda não atingiu seu pico, com a doença alcançando índices antes considerados impossíveis nos países mais afetados e se espalhando pelo resto do mundo a uma velocidade alarmante. Segundo esse documento, “a crise supera os panoramas mais pessimistas” projetados pelos epidemiologistas que acompanham o desenvolvimento da mais mortífera doença da história da humanidade.

Em certas partes da África Subsaariana, onde os especialistas esperavam que a doença tivesse atingido um “limite natural” além do qual não poderia crescer, o HIV chega a infectar 39% dos adultos de alguns países, de acordo com a Unaids. Calcula-se que até um quarto da população do continente seja portadora do HIV. A taxa de infecção é de oito novos doentes por minuto. Em virtude da doença, a expectativa de vida média, hoje, é de 47 anos. Sem a AIDS, seria de 62 anos. O caso mais dramático é o de Botsuana, onde a expectativa de vida está abaixo dos 40 anos pela primeira vez desde 1950 e 44% das grávidas estão infectadas. Somente no ano de 1999, 860 mil crianças africanas perderam seu professor para a AIDS.

Se existe um limite para a capacidade de propagação do vírus HIV, os estudiosos dizem não ter certeza de qual ele é. Além disso, o relatório prevê uma mortalidade impressionante nas gerações que estão por vir. O documento afirma que, “se deixarmos que o HIV siga seu curso, ele causará devastação em uma escala sem precedentes”.

De fato, as previsões não podem receber outra qualificação senão a de assustadoras. Afinal, o relatório da Unaids prevê que a epidemia vai matar cerca de 70 milhões de seres humanos nos próximos 20 anos - mais do que o triplo de mortes registradas nos primeiros 20 anos - se o mundo não intensificar seus esforços para combatê-la. Estima-se que ocorram 14 mil casos de contaminação por dia, metade deles entre jovens com menos de 25 anos de idade.

Com sua disseminação avassaladora, a AIDS se transformou, de uma questão puramente médica, em um problema que afeta o desenvolvimento dos países, atingindo fortemente a economia, a estabilidade social e os direitos humanos das nações mais pobres. Em alguns desses países, pessoas que ocupam cargos-chave para o desenvolvimento estão morrendo, incluindo professores, funcionários da área da saúde, agricultores e outros jovens profissionais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em outubro de 1987, a Assembléia Mundial de Saúde, com apoio da Organização das Nações Unidas, decidiu instituir o 1º de dezembro como Dia Mundial de Luta Contra a AIDS. A celebração da data serve para reforçar a solidariedade, a tolerância, a compaixão e a compreensão com as pessoas infectadas pelo HIV. No Brasil, a data passou a ser comemorada a partir de 1988, em virtude de portaria assinada pelo Ministro da Saúde.

Nessa data simbólica de conscientização para todos os povos sobre a pandemia de AIDS, são desenvolvidas atividades voltadas para incentivar novos compromissos de luta e para divulgar mensagens de esperança, solidariedade e prevenção. A comemoração tem o apoio dos governos e organizações da sociedade civil de todos os países e, a cada ano, a Organização Mundial de Saúde elege a população ou o grupo social que registra o maior crescimento da incidência de casos de HIV/AIDS, definindo estratégias para uma campanha com ações de impacto e sensibilização sobre a questão.

Em 1991, um grupo de profissionais de arte de Nova Iorque, intitulado “Visual Aids”, desejando homenagear amigos e colegas que haviam morrido ou estavam morrendo de AIDS, criou o desenho de um laço vermelho como símbolo de solidariedade e de comprometimento na luta contra a AIDS. O grupo “Visual Aids” tem como objetivos conscientizar as pessoas quanto à transmissão do HIV, divulgar as necessidades das pessoas que vivem com HIV e com AIDS e, por fim, angariar fundos para promover a prestação de serviços e as pesquisas.

A escolha do laço vermelho foi motivada por sua ligação ao sangue e à idéia de paixão, segundo um dos membros do Visual Aids, tendo sido inspirada no laço amarelo que honrava os soldados americanos da Guerra do Golfo. Depois de se tornar popular entre as celebridades do mundo do entretenimento, o laço vermelho virou moda, a ponto de alguns ativistas temerem a possibilidade de que ele se tornasse apenas um instrumento de marketing e perdesse sua força, seu significado. Até hoje, contudo, a imagem do laço continua sendo um forte símbolo na luta contra a AIDS, reforçando a necessidade de ações e pesquisas sobre a epidemia.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o recente transcurso de mais um 1º de dezembro impele-nos à renovação desses compromissos de luta e à reflexão sobre a ameaça representada pela AIDS, bem como a uma avaliação do que já temos avançado nessa luta.

Quando do início da epidemia, na década de 80, o Brasil não demorou a ser por ela atingido. Na ocasião, os prognósticos dos organismos internacionais para o avanço da doença em nosso País eram sombrios. O Banco Mundial, por exemplo, previu, naquela oportunidade, que o Brasil chegaria ao ano 2000 com 1 milhão e 200 mil pessoas infectadas. Felizmente, soubemos mostrar muita competência para enfrentar o desafio e fomos capazes de evitar centenas de milhares de contágios e de mortes entre os brasileiros.

O número de portadores do HIV no Brasil, hoje, é de, aproximadamente, 600 mil, ou metade daquele previsto originalmente pelo Banco Mundial. Nesses 600 mil portadores, incluem-se as pessoas que já desenvolveram AIDS e excluem-se os óbitos. Observe-se que, diferentemente da notificação dos casos de AIDS, os dados de infecção pelo HIV são estimados. Em média, a pessoa infectada pelo HIV demora entre 8 e 10 anos para começar a desenvolver os sintomas da AIDS. Só então ela é notificada como caso de AIDS.

O número de casos de AIDS notificados no Brasil é de 222 mil 356, de 1980 a setembro de 2001. A partir de 1996, quando o Governo começou a distribuir gratuitamente o “coquetel” de drogas anti-AIDS, o crescimento da epidemia se estabilizou numa média de 20 mil novos casos por ano, até 1999. Em 2000, houve indício de declínio, com o registro de 15 mil novos casos. O primeiro semestre de 2001 confirmou a queda. É preciso lembrar, contudo, que a redução só pode ser considerada consistente após três anos consecutivos de decréscimo nas notificações. Cerca de metade dessas 222 mil pessoas que desenvolveram os sintomas da AIDS já faleceu.

O sucesso do programa brasileiro de combate à AIDS é notório e internacionalmente reconhecido. O relatório da Unaids de julho passado, antes mencionado, cita o Brasil como exemplo de país que encontrou formas eficazes de lidar com a epidemia da doença. Segundo o documento, “o Brasil permanece sendo um importante exemplo da integração de assistência médica abrangente com um compromisso renovado para com a prevenção”. Também a respeitada revista The Economist elogiou, em julho passado, a experiência brasileira no combate à doença.

Ainda de acordo com a Unaids, o número de mortes por AIDS em 2000 no Brasil foi um terço do observado em 1996. Para esse excelente resultado, concorreram a distribuição gratuita de medicamentos pelo Governo e a redução no número de novas infecções graças às eficazes políticas de prevenção. Ao elogiar a política do Governo brasileiro de dar acesso a medicamentos anti-retrovirais à população, a ONU ressalta que os gastos com esses remédios são compensados pela economia em assistência médica às doenças oportunistas e aos sintomas graves da AIDS. O relatório cita especificamente a produção de genéricos no Brasil como um fator positivo.

Outro aspecto ressaltado pela Unaids é a condição de exceção do Brasil dentro da tendência mundial de os enfermos financiarem seu próprio tratamento contra a doença. No País, apenas 6% dos gastos totais com a AIDS são feitos pelos próprios doentes. Em Ruanda, a proporção é de 93%. No Brasil, os gastos públicos com a doença representam 79% dos gastos totais.

Grande parte do sucesso brasileiro na prevenção da AIDS deve ser creditada às nossas mais de 600 ONGs e organizações comunitárias, que realizaram pressões políticas essenciais quando necessário. Esses grupos foram os responsáveis pela mobilização popular e dos meios de comunicação, que levou o Ministério da Saúde a desistir de cortar seu orçamento para AIDS, tuberculose e outras doenças em 1999.

Uma boa medida do êxito brasileiro na redução da mortalidade por AIDS nos é fornecida pela comparação de nossa situação com o conjunto da América Latina. No final do ano passado, havia 1 milhão e meio de pessoas com AIDS ou infectadas pelo HIV na América Latina. Dessas, cerca de 600 mil, ou 40%, viviam no Brasil. No entanto, as mortes por AIDS no Brasil no ano passado representaram apenas 14% do total verificado na América Latina. Vale sempre ressaltar que a boa assistência médica que garante redução significativa das taxas de mortalidade representa também diminuição no impacto econômico e social da epidemia.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesse campo do combate à AIDS, o caminho das vitórias brasileiras foi percorrido ao longo dos anos, com muito trabalho e articulação. Assim o Brasil conseguiu definir uma política pública eficiente, conseguiu capacitar pessoas, especialmente para o desenvolvimento e a implementação de seu programa de combate à doença.

A tática usada foi atacar simultaneamente em três frentes: fazer um trabalho preventivo junto à população; articular ações, fornecer apoio e financiamento a centenas de organizações da sociedade civil que trabalham na área; e, por fim, oferecer tratamento gratuito aos portadores de HIV.

Hoje, o esforço realizado nos assegura muitos motivos para comemorar. Tomemos o avanço no uso do preservativo. Em 1986, o preservativo era usado por apenas 5% da população, segundo dados da BENFAM (Sociedade Civil de Bem-Estar Familiar no Brasil). Pesquisa realizada em 1999 mostra que, no Brasil, 48% das pessoas usaram o preservativo na sua primeira relação sexual, taxa muito próxima da encontrada em países desenvolvidos como Estados Unidos (51%), Itália (52%) e Alemanha (57%). Na população brasileira com maior escolaridade, a média de uso na primeira relação sobe para 71%, próxima da encontrada na França (77%). O consumo atual de preservativos no Brasil é de cerca de 600 milhões de unidades/ano, sendo 250 milhões distribuídos pelo Governo e 350 milhões comercializados. Foi assim que o Brasil conseguiu evitar 600 mil infecções pelo HIV nos últimos 8 anos.

No que se refere aos medicamentos para combater a moléstia, os gastos efetuados pelo Estado são menores a cada ano, embora o número de pessoas atendidas seja cada vez maior. Este ano, estão sendo gastos 245 milhões de dólares em medicamentos para atender a 125 mil pessoas. Em 2000, foram gastos 303 milhões de dólares para atender 95 mil pessoas e, em 1999, foram gastos 336 milhões de dólares para atender 85 mil pessoas. Atualmente, 100% das pessoas que preenchem os critérios estabelecidos no documento de consenso terapêutico em HIV/AIDS do Ministério da Saúde recebem os medicamentos de combate à AIDS. São 424 unidades de distribuição de medicamentos em todo o País, efetuando, em nome do Ministério da Saúde, a distribuição de 12 medicamentos anti-retrovirais, em 25 apresentações farmacêuticas.

Além da redução de 66% na mortalidade entre 1996 e 2000, devem-se destacar as 358 mil internações que foram evitadas entre 1997 e 1999. A Coordenação Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde estima que a economia com a melhora na qualidade de vida dos soropositivos, representada pela redução da mortalidade e da necessidade de tratamento de doenças oportunistas, chegue à casa do 1 bilhão e 100 milhões de dólares. Com efeito, as principais doenças oportunistas tiveram redução drástica. A ocorrência de tuberculose foi reduzida em 60%, a de citomegalovírus, em 54%, e a de sarcoma de Kaposi, em 38%.

Outra economia significativa é garantida pela produção doméstica dos medicamentos anti-retrovirais. Caso o Governo estivesse importando todas essas drogas, os gastos seriam de 530 milhões de dólares, mais que o dobro do que vem sendo gasto atualmente. A produção de remédios similares ou genéricos garantiu reduções de mais de 70% nos seus preços. Já as negociações conduzidas com laboratórios multinacionais e a ameaça de quebra de patentes representaram reduções entre 40% e 65% nos preços dos medicamentos deles adquiridos. Como resultado de todo esse esforço, o custo de tratamento por doente no Brasil é de três a quatro vezes inferior ao dos Estados Unidos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na passagem de mais um Dia Mundial de Luta Contra a AIDS, devemos estar bem conscientes da enorme ameaça representada por essa terrível epidemia. Muitos milhões de seres humanos ainda virão a perecer, em todo o mundo, se os governos - especialmente os dos países ricos - não assumirem plenamente suas responsabilidades, fazendo os investimentos necessários para frear o avanço do morticínio.

Aqui, no Brasil, temos conseguido, ao longo dos últimos anos, notáveis êxitos no combate a essa moléstia, a ponto de o Programa Brasileiro do DST/AIDS, do Ministério da Saúde, ser reconhecido internacionalmente pela ONU como modelo de programa a ser adotado pelos demais países em desenvolvimento. Importa, destarte, persistir no rumo já traçado.

E este é o apelo que faço ao Governo que se vai instalar daqui a menos de um mês. Que não se afrouxe a vigilância. Que não se permita qualquer retrocesso. Pelo bem da saúde do povo brasileiro, não vamos dar trégua à AIDS.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado!

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/12/2002 - Página 23699