Pronunciamento de Marina Silva em 06/12/2002
Discurso durante a 143ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Otimismo com relação às ações governamentais anunciadas pelo futuro governo para reduzir a fome no país.
- Autor
- Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
- Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA SOCIAL.:
- Otimismo com relação às ações governamentais anunciadas pelo futuro governo para reduzir a fome no país.
- Aparteantes
- Pedro Simon.
- Publicação
- Publicação no DSF de 07/12/2002 - Página 24427
- Assunto
- Outros > POLITICA SOCIAL.
- Indexação
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- COMENTARIO, ELOGIO, PROGRAMA DE GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, COMBATE, FOME, EXPECTATIVA, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE, PROGRAMA ASSISTENCIAL, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO CARENTE.
A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, quero apenas fazer um breve registro referente ao assunto que se tem constituído numa alavanca mobilizadora das energias esperançosas do povo brasileiro, que é o Programa Fome Zero do futuro Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Durante os meus oito anos de mandato, tenho acompanhado o esforço hercúleo do Senador Eduardo Suplicy no sentido de aprovar um programa de renda mínima. Sempre me comove a forma como S. Exª busca a aprovação desse projeto, mais ainda porque independentemente de quem seja o prefeito, o governador ou o parlamentar que tenha interesse no Programa de Renda Mínima o Senador Eduardo Suplicy logo se dispõe a passar todas as informações e a viabilizar todos os meios para que o interessado - mesmo adaptando o programa, dando-lhe outro nome ou criando-lhe uma estrutura diferente - faça algo semelhante ao Programa de Renda Mínima.
Agora, com alegria, percebo que esse assunto que, durante muito tempo, foi tratado de uma forma quase solitária pelo Senador Eduardo Suplicy, constitui-se num grande programa de combate à fome e à pobreza em todo o nosso País. Nas palavras do Presidente eleito, Lula, o programa consiste na realização de ações para que todos os brasileiros tenham três refeições diárias: café da manhã, almoço e jantar. Essa seria a idéia tão defendida e trabalhada pelo Bispo Dom Mauro Morelli que, ao longo de muitos anos, debate a segurança alimentar.
Neste momento, todas as pessoas que, de uma forma ou de outra, tentaram - inspiradas na grande campanha feita pelo saudoso Betinho - contribuir para diminuir um dos sofrimentos mais perversos a que o ser humano pode ser submetido, que é a impossibilidade de suprir suas necessidades de alimentação, estão sendo convidadas e mobilizadas a ajudar nesse esforço que não mais será de uma entidade ou de uma Pasta isolada do Governo.
Por uma questão de justiça, temos de dizer que houve ações sociais no Governo que finda, mas, agora, haverá um esforço transversal às ações governamentais. Do Ministério da Agricultura ao Ministério da Integração Regional, há que se ter a compreensão de que é fundamental uma política de governo para combater a fome. Quando se fala em política de governo, isso não será feito em detrimento das ações que já venham sendo realizadas com esforço isolado, sem apoio, sem vitalidade institucional pelas várias entidades e pessoas de boa vontade deste País.
Sempre tenho dito, com expectativa, que o futuro Governo será aquele em que as pessoas estão depositando todo o déficit de participação que tiveram ao longo de muitos anos. O futuro Governo terá de promover as ações com as pessoas. O que me deixa muito feliz é que a cultura do Presidente eleito, Lula, é exatamente essa: em vez de governar para as pessoas, governar com as pessoas; em vez de ter a visão de um Estado patrimonialista, provedor, que atropela as iniciativas da sociedade, visualizar um Governo que fortaleça e dê energia às iniciativas da sociedade.
Sempre digo que o nosso Governo será vitorioso se tivermos a capacidade - que graças a Deus temos demonstrado nas prefeituras e nos governos estaduais, como, por exemplo, no Estado do Acre - de continuar, com essa nossa freqüência, fazendo as coisas com a sociedade para que esta possa, cada vez mais, assumir o seu papel, quer pela cobrança, quer pela ação junto aos governos.
No Estado do Acre, criamos um programa chamado Adjunto da Solidariedade, com recursos do próprio Governo e graças ao esforço do Governador Jorge Viana. Eu ajudei, juntamente com a minha equipe, a desenvolvê-lo e, hoje, não tenho dúvida de que ele pode ser uma boa referência para as ações de combate à pobreza, pois constitui-se num conjunto de ações que tem coerência interna e externa, e que articula políticas sociais focadas na idéia de que as crianças e os jovens devem ser colocados numa posição de destaque quanto à educação.
O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Permite-me V. Exª um aparte, Senadora Marina Silva?
A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Concedo o aparte ao Senador Pedro Simon.
O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - Eu não sei se este já é o seu pronunciamento de despedida da Casa, mas eu quero dizer que o Brasil inteiro vê com tremenda simpatia as notícias de que V. Exª ocupará um Ministério no Governo de Lula. Sabe V. Exª que há uma unanimidade no sentido de que se existe quem possa interpretar a expectativa e a esperança do povo brasileiro, essa pessoa deve ser alguém como V. Exª. A sua origem, de certa forma, identifica-se com a do próprio Lula. As dificuldades de V. Exª, o início de sua trajetória, que começou a estudar e a ler com 16 anos, a extraordinária vitória que obteve, a sua bonita luta a favor do combate à pobreza e da defesa do meio-ambiente, as lutas que tem enfrentado e a dignidade e o caráter manifestados ao longo desses oito anos nesta Casa fazem de V. Exª uma das expressões de maior dignidade, correção, pureza e respeito que se possa ter na vida pública. Falo porque não estou avançando, a imprensa toda o noticia. Então, venho responder o que vários comentaristas, em vários jornais e televisões, já vêm comentando, que é a alegria com que vêem a escolha do nome de V. Exª. Não há dúvida de que V. Exª pode ocupar vários Ministérios, mas notadamente dois deles: o da Defesa do Meio-Ambiente e o de combate à pobreza. Neles, V. Exª representará o novo, aquilo que, no fundo, temos a expectativa de que realmente aconteça neste País. Olhando para V. Exª, sinto duas manifestações ao mesmo tempo: a alegria de ter visto, nesses tantos anos, a sua presença, a sua firmeza, singeleza e pureza, e a tristeza de ver que V. Exª estaria saindo daqui. Mas saiba V. Exª que, onde quer que esteja, o Senado e o povo brasileiro a estarão acompanhando, batendo palmas e rezando a Deus para o êxito de V. Exª, que será o êxito de todos nós.
A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC) - Agradeço as palavras amáveis e carinhosas de V. Exª, Senador Pedro Simon.
Todos sabem que essa decisão está sendo tomada pelo nosso Presidente, não apenas em relação aos vários nomes cogitados, mas em relação ao meu, que é um deles. E compreendemos que todas as pastas do Governo serão preenchidas com o critério de acertar, sobretudo na expectativa - e o Lula tem dito isso - de atender ao anseio, à esperança do povo brasileiro, considerando as necessidades de governabilidade.
E eu concordo com a idéia do Lula: se os aliados são importantes para ganhar, serão também importantes para governar.
Quanto a mim, quero dizer que estarei ajudando o Lula no que quer que ele me peça, e mesmo se ele não pedir, eu o estarei ajudando, porque fiquei oito anos praticamente como base de sustentação do Governo, que não era o meu na questão ambiental. Lembro-me de que, em momentos difíceis, em que nenhum parlamentar da base do Governo defendia as propostas na área ambiental, como ocorreu com o Código Florestal, com a Lei dos Crimes Ambientais e tantas outras, eu assumia essa responsabilidade e inclusive o desgaste, porque eu procuro fazer política com “p maiúsculo”, porque àquilo que é bom devemos dar energia, e ao que é ruim devemos fazer a crítica construtiva. Então, é claro, todos nós - e sinto essa energia boa em todo mundo - vamos contribuir para esse novo processo. Estou muito feliz.
V. Exª, Senador Pedro Simon, foi um grande parceiro, deu força nos trabalhos da Comissão de Combate à Pobreza. Tivemos um conjunto de idéias, inclusive a da criação do orçamento social, com as ações para melhorar a vida dos 53 milhões de pobres deste País! Portanto, eu sei do compromisso que V. Exª tem com toda essa luta, com todo esse esforço, que vai além dos partidos, inclusive do meu e da base aliada, que vai além do Governo, para todos os homens e mulheres de bem que sonham, que têm o propósito, que têm o alinhamento ético de que não podemos permitir que milhões de brasileiros não tenham sequer o que é essencial à capacidade de reprodução do ser humano, que é a alimentação.
No Acre, tivemos uma experiência muito positiva, o Adjunto da Solidariedade, composto por seis eixos. Um deles me é muito caro, porque pensei esse programa como parte das entranhas do meu coração. Temos a bolsa-escola, a renda mínima, a bolsa primeiro emprego, a bolsa florestânia universitária, e temos o pré-vestibular solidário, um curso pré-vestibular para os jovens que saem do 2º grau e que não conseguem fazer uma preparação para entrar na faculdade. No ano passado tivemos 513 alunos com altíssimo grau de aprovação no vestibular, graças ao empenho da Secretaria de Educação, na pessoa do Secretário Arnóbio - hoje Vice-Governador eleito, com o Governador Jorge Viana, que se reelegeu.
Sr. Presidente, o pré-vestibular solidário está fazendo diferença na vida daqueles jovens. Neste ano, só em Rio Branco, setecentos jovens estão fazendo um curso de altíssima qualidade, que não deixa nada a desejar em relação aos cursinhos particulares oferecidos na cidade de Rio Branco.
Lembro-me de que quando concluí o 2º grau - graças ao supletivo, porque, como disse V. Exª, eu comecei a estudar tardiamente - eu precisava me preparar para o vestibular. Mas o salário de doméstica não dava para pagar um cursinho. Então comecei o primeiro ano básico, como se fosse o meu pré-vestibular. Eu já havia terminado o 2º grau e fui fazer o primeiro ano básico para poder ter alguma noção de Inglês, de Francês, de Química, de Física, matérias que não existiam no supletivo e que, portanto, eu não conhecia. Foi dessa forma que ingressei na Faculdade de História, sendo aprovada em 18º lugar. Até hoje eu agradeço a Deus por essa oportunidade.
Então, esse curso de preparação dos jovens está sendo um marco na vida dos jovens pobres. Nos concursos públicos realizados pelo Governo do Estado, para o preenchimento de vagas na Polícia Civil, na Polícia Militar, em vários outros concursos, os jovens do pré-vestibular solidário tiveram uma aprovação fantástica.
E como ao meu querido Suplicy, onde houver um Prefeito ou alguém que queira também fazer o que estamos fazendo no Acre, adaptado à sua realidade, independentemente de quem seja, estou disposta, humildemente, a passar todas as informações, somando-me a esse esforço de que combater a fome e as desigualdades sociais é fazer o que é emergencial, mas, sobretudo, fazer aquilo que é estruturante em política social, para que possamos realmente mudar a história das políticas sociais em nosso País.
De sorte que está de parabéns o Presidente eleito, está de parabéns o Sr. Graziano, que tem coordenado esse processo, estão de parabéns todos aqueles que têm somado esforços para atender aos que estão à margem da possibilidade de uma vida com um mínimo de dignidade.
Sr. Presidente, quero me somar a esse esforço de qualquer forma, porque compreendo que, hoje, até as empresas fazem parte desse processo rico de discutir a responsabilidade social em suas ações. Recentemente, em Miami, participei de um encontro com mais de setecentas grandes empresas, dentre elas a Reebok, a Ford, a Toyota, a Coca-Cola - nem vou citar todas -, representando o Brasil, colocando o quão importante é a participação do setor privado no esforço de combate à fome. Achei interessante a participação das grandes empresas, as quais hoje estão imbuídas do propósito de embutir, em seus produtos, não apenas a qualidade técnica, para que eles sejam aceitos no mercado e elas possam ganhar muito dinheiro, mas a qualidade ética, o propósito ético de que tenham qualidade social e ambiental e contribuam para combater a fome dos dois bilhões de seres humanos que estão vivendo com menos de um dólar por dia.
Sr. Presidente, ao concluir quero dizer que se tivermos o propósito ético de combater a fome, a miséria e a exclusão social, haveremos de conseguir e de achar as respostas técnicas. O Sebastião Salgado diz uma frase que não me canso de repetir: que uma parte da humanidade, 20% dela, está criando uma fuga para o futuro, deixando para trás 80%, que não sabe qual será o seu futuro.
Sr. Presidente, é exatamente isso que precisamos evitar! Se alguma utopia há é exatamente a de não permitir que a raça humana seja bifurcada - como diz o nosso humanista Cristóvam Buarque - entre seres humanos de primeira e de segunda classe. É essa perversa concepção de humanidade que o nosso Presidente eleito quer evitar no Brasil, o que, com certeza, poderá ser um pouquinho de sal, um pouquinho de luz nessa vida tão árida de fazer política social.
Muito obrigada.