Pronunciamento de Pedro Simon em 06/12/2002
Discurso durante a 143ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Homenagem póstuma a Siegfried Emanuel Heuser, ex-Deputado Estadual pelo Estado do Rio Grande do Sul.
- Autor
- Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
- Nome completo: Pedro Jorge Simon
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- Homenagem póstuma a Siegfried Emanuel Heuser, ex-Deputado Estadual pelo Estado do Rio Grande do Sul.
- Publicação
- Publicação no DSF de 07/12/2002 - Página 24429
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- HOMENAGEM POSTUMA, SIEGFRIED EMANUEL HEUSER, EX-DEPUTADO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ELOGIO, VIDA PUBLICA.
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pretendo fazer um pronunciamento tranqüilo, uma vez que estamos apenas nós aqui, abordando um assunto que me parece importante, algo que devo ao Rio Grande do Sul e ao Brasil.
Venho a esta tribuna para prestar homenagem a um grande líder político do Rio Grande do Sul e do Brasil, meu amigo e irmão, Siegfried Emanuel Heuser, que faleceu há dezesseis anos, em condições dramáticas, no Chile, durante a Semana Santa, em pleno exercício do seu mandato de Deputado Federal. Assim, encontro-me aqui para enaltecer essa grande figura da política gaúcha, que foi o meu companheiro de Partido, o bravo Siegfried Heuser.
Além de fortes laços de afinidade política e ideológica que tivemos ao longo de toda uma vida parlamentar e administrativa, éramos unidos por um elo ainda mais forte: uma sólida amizade. E essa amizade, é claro, aprofundou-se, quando Siegfried Heuser casou-se, em segunda núpcias, com minha irmã mais velha, Alice.
Quero começar este pronunciamento, destacando um fato: Siegfried Heuser foi um dos fundadores do Movimento Democrático Brasileiro, o nosso velho MDB, no Rio Grande do Sul, e foi o seu primeiro Presidente, tomando posse em 7 de abril de 1966. Sob sua liderança, o MDB gaúcho mobilizou-se já naquele ano, atuando nas principais cidades do Estados, com vistas às eleições seguintes.
Heuser assumiu a Presidência do Partido quando da cassação do então Presidente João Caruso, do velho PTB. Do mesmo modo, foi conduzido à Liderança da nossa Bancada na Assembléia Legislativa, quando foi cassado o companheiro Justino Quintana. Nessa mesma ocasião, junto com eles, iniciamos uma longa convivência fraterna de muitos e muitos anos. Com ele, aprendi muito: Heuser era um professor nato, um digno, um orientador, um santo, um político.
Graças à firmeza de Siegfried Heuser, homem de grande senso de liderança e organização e dono de um caráter íntegro, o MDB gaúcho nasceu forte - e assim morreu o PTB pelos atos da violência -, combativo, responsável e instalado em uma sólida base ideológica.
Quando o Ato Institucional determinou prazo para a criação de novos Partidos Políticos, em virtude da extinção compulsória das antigas agremiações, Heuser foi um dos maiores mobilizadores da gente gaúcha. Sua atuação destemida e equilibrada, sua liderança serena e firme foram decisivas para o nascimento do Partido de oposição que estava destinado - depois de uma luta de duas décadas - a reconduzir o País à via democrática.
Siegfried Heuser nasceu em Santa Cruz do Sul, no dia 22 de outubro de 1921. Naquela cidade, completou o curso secundário no Colégio Mauá. Graduou-se em Ciências Contábeis e Atuariais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e em Ciências Econômicas e Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde exerceu o magistério.
Ainda acadêmico, foi fundador da Sociedade de Economia do Rio Grande do Sul, da qual foi Presidente. Também integrou o Conselho Regional de Economistas Profissionais por sete anos.
Heuser iniciou-se na política por meio do PTB, pelo qual veio a eleger-se, pela primeira vez, em 1950, obtendo o mandato de Deputado Estadual com 4.267 votos. Na eleição seguinte, em 1954, reelegeu-se pelo mesmo PTB, já contando com o dobro de votos, o que lhe garantiu o quinto posto entre os parlamentares mais votados. Quatro anos depois, em 1958, foi o terceiro mais votado, alcançando, então, uma votação muito expressiva para a época: mais de 15 mil votos.
Contabilista e economista, Siegfried Heuser se impôs nas atividades legislativas pelo profundo conhecimento dos problemas econômico-financeiros do Estado e pela isenção e honestidade com que sempre estudou e decidiu os assuntos submetidos ao exame do Poder que integrava.
Sua destacada atuação na Assembléia Legislativa - notadamente na Comissão de Finanças e Orçamento - credenciou-o, em 1959, para assumir o cargo de Secretário da Fazenda da administração do nosso prezado Governador Leonel de Moura Brizola.
Ao comandar a Secretaria da Fazenda de Brizola, empenhou-se em normalizar o crônico problema da entrega das quotas de retorno às prefeituras do interior do Estado. Agiu com irrepreensível isenção. Não houve, durante sua gestão, discriminações entre as prefeituras.
Entre as suas ações mais expressivas, é necessário destacar a emissão de letras do Tesouro, conhecidas como “brizoletas”, que foram eficientes para desafogar o Tesouro do Estado do problema de caixa; a emissão de apólices da dívida pública sob melhores condições; e, com o enfrentamento de fortes dificuldades, a criação da Caixa Econômica Estadual e do BRDE - Banco Regional de Desenvolvimento Econômico.
Seus traços mais marcantes como administrador dos assuntos públicos foram a imparcialidade, a isenção, a probidade, o dinamismo e a clara compreensão dos problemas fazendários. Seus sólidos conhecimentos de finanças públicas, orçamento e economia foram fatores preponderantes do êxito de sua gestão como Secretário da Fazenda. Siegfried Heuser reelegeu-se, pela quarta vez, para a Assembléia Legislativa em 1962, fazendo 12.690 votos. Naquele mesmo ano, obtive também meu primeiro mandato como Deputado Estadual.
Quatro anos depois, em 1966, ele disputaria uma cadeira no Senado Federal, competindo sozinho, pelo Movimento Democrático Brasileiro, contra os três candidatos da Arena, que concorreram em sublegenda: Guido Mondin, Sinval Guazzelli e Mário Mondino. Nessa eleição, Heuser acabou sendo derrotado pela soma dos outros candidatos, embora tenha obtido quase o dobro dos votos do Senador que foi eleito. Heuser fez 638.140 votos contra 322.901 de Guido Mondin, 206.917 de Synval Guazzelli e 142.662 de Mário Mondino.
Naquela época, às vésperas da eleição, a imprensa local anunciou que Heuser havia sido cassado e que os seus direitos políticos tinham sido suspensos. E, apesar do nosso esforço dramático para demonstrar que isso era mentira, não conseguimos fazê-lo, e milhares de votos foram registrados em branco em sinal de protesto, imaginando-se que Heuser não poderia ser candidato.
Esse fato é impressionante e representa bem o prestígio de que Heuser desfrutava junto ao povo gaúcho: mesmo concorrendo contra três destacados políticos do Estado e apesar do escândalo da notícia mentirosa, acabou perdendo por apenas 35 mil votos. De outro lado, vê-se aí a força de um dos principais casuísmos - a sublegenda - de que lançou mão o governo militar para se manter no poder.
Último Presidente do Partido Trabalhista Brasileiro no Rio Grande do Sul e primeiro dirigente do Movimento Democrático Brasileiro, Siegfried Heuser foi - como muitos outros brasileiros probos - cassado pelo regime militar em 1969.
Ele próprio soube da cassação, quando viajávamos, ele e eu, numa velha Kombi de sua propriedade, para a cidade de São Francisco de Paula, onde haveria um comício. Lembro-me bem de que a notícia saiu no rádio pela Voz do Brasil. Ele parou a velha Kombi à beira da estrada e começou a falar da beleza da paisagem: “Olha, Pedro, quantas cores há nessas montanhas! A gente pensa que só existe o verde, mas, quando se olha atentamente, vê-se que são dezenas de tonalidades”. Fiquei emocionado, sem entender aquela reação à violência da cassação. Quando percebeu que eu estava com lágrimas nos olhos, ele me disse: “A vida continua, Pedro”. E retornamos a Porto Alegre.
A cassação de Siegfried Heuser - uma violência contra o líder mais importante da política brasileira, naquele momento, no sul do Brasil - foi uma grande surpresa para todos nós. Ninguém a esperava. Estou absolutamente certo de que Heuser teve seus direitos políticos suspensos pela Revolução, porque era o melhor quadro do nosso PMDB. Na certa, ele seria o nosso candidato a Governador e com grandes chances de ser eleito. Se havia algo contra ele, certamente seriam as visitas que fez ao Uruguai para conversar com Jango e Brizola, então exilados. Isso, naquela época, era crime. E o nosso amigo Heuser o fez várias vezes. Era uma fonte permanente de diálogo, inclusive de tentativa de ligação entre Jango e Brizola, por 14 anos morando em Montevidéu, cunhados e rompidos politicamente.
Mesmo cassado, Heuser foi sempre um grande amigo, um orientador, um conselheiro. Permanecemos ligados fraternalmente e, com freqüência, reuníamo-nos com outros companheiros cassados - como Ajadil de Lemos, João Caruso, Wilson Vargas e Henrique Henkin -, para trocar impressões sobre a situação política.
Por longos dez anos, ele esteve afastado do cenário político, ao qual só voltou com a edição da Lei de Anistia, em 1979. No tempo em que esteve impedido de exercer a política, em função da suspensão dos seus direitos políticos, Siegfried Heuser desenvolveu uma carreira profissional muito bem sucedida nas áreas de contabilidade e de informática, sendo, aliás, um dos pioneiros no uso de computadores no Rio Grande do Sul.
Finalmente, recuperados seus direitos políticos, ele disputou, em 1982, uma vaga na Câmara Federal pelo PMDB, partido pelo qual optou quando o MDB dividiu-se no nosso Estado. Eleito com 46.572 votos, Heuser foi o coordenador da Bancada gaúcha. É importante destacar, aqui, a fidelidade do seu eleitorado. Mesmo tendo permanecido afastado da vida pública por tantos anos, ele conseguiu eleger-se com tão expressiva votação.
Um dos principais assuntos em que ele se envolveu naquela época foi o salvamento do banco Sulbrasileiro, que se transformou no Banco Meridional, então o maior do nosso Estado, que estava atravessando graves dificuldades. O problema foi contornado com a capacidade e a competência de Heuser em conseguir impressionar as autoridades nacionais, criando-se o Banco Meridional.
Graças à sua atuação naquele episódio, Heuser chegou a ser indicado como o primeiro presidente do Banco Meridional, mas declinou do convite. Na Câmara Federal, além da pregação prioritária em favor da Assembléia Constituinte, ele defendeu uma reforma tributária que restabelecesse aos Estados e Municípios sua autonomia política, administrativa e financeira. Já à época apresentava um projeto de reforma tributária que ele esperava fosse aprovado na Constituinte, o que lamentavelmente não aconteceu.
Preciso ressaltar aqui que a competência e os conhecimentos de Heuser foram sempre valorizados pelo nosso PMDB. Em 1982, quando disputei o governo estadual, Heuser coordenou a elaboração do meu plano de governo.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na sua vida privada, o político e economista Siegfried Heuser cultivava nos seus momentos de lazer uma paixão pela pesca. Em várias oportunidades, venceu torneios importantes. Foi campeão sul-americano e campeão mundial de pesca. Aliás, foi justamente quando praticava esse seu esporte preferido - numa competição em Punta Arenas, no Chile - que ele veio a falecer, em função de um problema cardíaco. Na ocasião, minha irmã Alice foi contra a viagem, alegando que ele havia passado recentemente por uma cirurgia, mas Heuser insistiu em viajar. Tendo sido convidado para ser o capitão da representação brasileira naquela competição, disse que não poderia deixar de representar o Brasil naquela que, segundo ele, seria a mais importante e a sua última competição.
Tenho comigo a transcrição de uma reportagem feita na época pela Rádio Nacional do Chile. Depois de dizer que, no afã de dar a notícia, alguns veículos de comunicação tinham se equivocado sobre as condições da morte de Heuser, afirma o locutor: “Siegfried Heuser em momento algum se molhou, nem mesmo caiu na água. Testemunhas que assistiram desde o primeiro momento afirmam que ele se encontrava pescando no rio e que quando se sentiu mal logo saiu da água sem a ajuda de ninguém. Em seguida, tomou umas pastilhas que tinha consigo e foi levado de imediato ao acampamento. Eram 10h30min”.
Atendido por médicos chilenos, Heuser se sentiu melhor e, às 14 horas, já estava de pé. Acabou falecendo no dia 29 de março de 1986, quando era levado de helicóptero de Punta Arenas para o hospital, dali distante. Pessoas que estavam com ele no helicóptero disseram que ele faleceu serenamente, depois de ter feito um longo comentário sobre a beleza do mar, das ondas e da natureza. Analisou belezas de que as pessoas até não tinham se dado conta. À medida que ele ia falando, as pessoas iam olhando, sentindo. De repente, parou de falar e santamente faleceu, nos deixando a todos. Estava morto o grande Siegfried Heuser, deixando cinco filhos: Daniel, Adalberto, Jorge Emanuel, Renato e Carla.
Faço assim, Sr. Presidente, uma singela homenagem à figura desse que foi, talvez, um dos políticos mais importantes da história da vida política do Rio Grande do Sul.