Discurso durante a 143ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre o amadurecimento da democracia brasileira.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • Reflexão sobre o amadurecimento da democracia brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/2002 - Página 24436
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • COMENTARIO, ELOGIO, ELEIÇÕES, BRASIL, CONGRATULAÇÕES, ELEITOR, REFORÇO, DEMOCRACIA, ANALISE, HISTORIA, EVOLUÇÃO, PROCESSO ELEITORAL, PAIS.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nunca será demais ressaltar o espetáculo de democracia que o Brasil ofereceu ao mundo na realização das últimas eleições. Precisamos destacá-lo continuadamente, pois se transformou num importante marco dos nossos avanços democráticos.

Se já não bastassem a ordem e a lisura em que transcorreram o primeiro e o segundo turnos dos pleitos de outubro - com o comparecimento em massa de dezenas de milhões de brasileiros às urnas - que nos levam ao topo das Nações culturalmente mais desenvolvidas; se já não bastasse o êxito da livre escolha pelo processo digital, que impressionou o mundo graças à criatividade de um instrumento precioso de consolidação institucional através de mecanismo rápido e seguro. Se tudo isso causou interna ou externamente uma certa perplexidade pelo perfeito funcionamento de uma exemplar realização democrática - acrescente-se aos nossos foros de adiantamento político a transição, livre e tranqüila, com que se realiza nos dias atuais a mudança de titulares de um governo por outros que lhes faziam oposição.

A nossa evolução política tem sido significativa. E é bom que sobre ela reflitam os jovens brasileiros; que conheçam o quanto de sacrifício devotaram os saudosos patriotas para que se arraigasse nas futuras gerações o amor à liberdade.

Os estudos de um Victor Nunes Leal - Coronelismo, enxada e voto - e de um Raymundo Faoro - Os donos do poder - , sobre os antigos modos de auscultação da vontade popular no País, oferecem com crueza o que já fomos, no passado, e o que hoje somos como povo politicamente evoluído.

No debate que precedeu a famosa Reforma Saraiva, disse Zacarias de Góes sobre os desvios do sistema eleitoral vigente à época, em discurso de 1875:

“Em um belo dia, sem motivos conhecidos do parlamento, sem causas sabidas, sem vencidos, nem vencedores, o chefe de Estado demite os ministros, chama outros, que não tenham apoio nas câmaras, os quais vão consultar a mentirosa urna.”

Julgou o eminente político do século XIX adequada à cena eleitoral do Império essa adjetivação a uma urna que mentia e frustrava os anseios populares, a começar por suas exclusões: a das mulheres, que a moldura social e econômica do tempo limitava ao recôndito dos lares; afastados, desde o início, os que não fossem “os homens bons” ou “homens novos”; depois, os que não atingissem a renda indicada na Constituição do Império; a dos que não professassem a religião do Estado, negadas aos “não católicos” funções como as de deputados e regentes.

Ao lado dessas exclusões legalmente impostas, havia sempre as escandalosas fraudes na ação das mesas eleitorais, filhas sempre - diz Walter Costa Porto numa de suas obras - “das inauditas desordens e demasias”, da “eleição a bico de pena”, dos falsificadores de atas, dos “eleitores já falecidos”, da “complacência oficial”, fatos tantas vezes denunciados pelos partidos em competição. Desvios e fraudes que, em essência, perdurariam ainda por muito tempo, tanto na República Velha quanto em anos não tão distantes.

Contudo, ao longo de duzentos anos de história, depois de um embate de forças constante, da luta de setores progressistas de nossa sociedade e de nossa classe política, tivemos avanços substanciais, quer no alargamento da base de participação política da sociedade, quer nos mecanismos institucionais que coibissem tais abusos. A discussão que se operou, nos mais variados contextos políticos - inclusive nesta Casa -, sobre a representação e nossos sistemas eleitorais, contribuíram enormemente para que chegássemos à fidedignidade e à perfeição do atual sistema.

Desde a contribuição de um Silvestre Pinheiro, um José Bonifácio, um José de Alencar, até os apostolados de figuras ímpares como um Assis Brasil, um Rui Barbosa ou um José Linhares, o debate político brasileiro vem adquirindo um alto nível de desenvolvimento - e mesmo o debate mais recente em que se envolveram, entre outros, Miguel Reale, Navarro de Brito e Bolívar Lamounier, sobre o modelo proporcional de nossos dias, todos com contribuições relevantes para a democracia brasileira. 

Durante a República Velha, várias leis versando matéria eleitoral foram editadas, sem que houvesse aperfeiçoamento que evitasse a fraude e a manipulação do voto. Os principais movimentos reivindicatórios sobre matéria eleitoral, naquela época, foram a luta pelo voto secreto e pelo voto feminino, que só vieram a ser adotados após a Revolução de 30. A Junta Militar que assumiu o poder estabeleceu uma comissão para reformar a legislação eleitoral, cujo trabalho resultou no Código Eleitoral de 24 de fevereiro de 1932.

Além de criar a Justiça Eleitoral, que passou a ser responsável por todos os trabalhos eleitorais - alistamento, organização das mesas, apuração dos votos, reconhecimento e proclamação dos eleitos -, o Decreto nº 21.076 regulou as eleições federais, estaduais e municipais, além de instituir a representação proporcional. Sob a égide dessa legislação foi também eleita a primeira parlamentar brasileira, a deputada constituinte Carlota Pereira Queiroz, colocando o Brasil entre as primeiras Nações do mundo a admitir o voto feminino, ao contrário de muitos países europeus ditos “avançados”.

Sob a pressão de amplos setores políticos - que formavam a “Aliança Liberal” e que reivindicavam medidas que eliminassem os vícios eleitorais da República Velha -, em 24 de fevereiro de 1932 criou-se o Tribunal Superior da Justiça Eleitoral, precursor do atual Superior Eleitoral, tendo como presidente o ministro Hermenegildo Rodrigues de Barros. A Constituição de 1937 - outorgada por Getúlio Vargas, que subverteu os ideais democráticos da Revolução de 1930 - extinguiu, no entanto, a Justiça Eleitoral e atribuiu ao Executivo Federal, privativamente, o poder de legislar sobre matéria eleitoral da União, dos estados e dos municípios. Foi mais um recuo no processo de desenvolvimento da democracia brasileira.

Durante o período de 1937 a 1945, conhecido como Estado Novo, não houve eleições no Brasil. As Casas Legislativas foram dissolvidas e a ditadura governou com interventores nos estados.

A insatisfação contra o regime de Vargas estendia-se por todo o país, e a pressão popular fez com que o governo finalmente convocasse eleições em 28 de fevereiro de 1945. Noventa dias depois, o Presidente da República regulou as eleições em todo o território nacional, restabelecendo a Justiça Eleitoral.

Após a queda do Estado Novo, o Parlamento, eleito a 2 de dezembro de 1945, reuniu-se em Assembléia Constituinte e votou a Constituição dos Estados Unidos do Brasil. O tribunal eleitoral tinha sido novamente criado, já com a denominação atual, pelo Decreto-Lei nº 7.586, de 28 de maio de 1945, instalando-se no dia 1º de junho, no Palácio Monroe, no Rio de Janeiro, sob a presidência do Ministro José Linhares.

Órgão máximo da Justiça Eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral vem exercendo papel fundamental na construção e no exercício da democracia brasileira, em ação conjunta com os Tribunais Regionais Eleitorais, que são os responsáveis diretos pela administração mais próxima do processo eleitoral.

A Justiça Eleitoral foi, a partir daí, uma conquista definitiva, o instrumento de garantia da seriedade do processo eleitoral, seja no comando das eleições, evitando abusos e fraudes, seja na preservação de direitos e garantias por meio da fixação e fiel observância de diretrizes claras e firmes, fundamentadas em lei.

A despeito dos desvios e das dificuldades do período de arbítrio getulista, a legislação eleitoral vigente no Brasil, após a Revolução de 1930, incorporou significativos avanços, tais como a instituição de uma Justiça Eleitoral independente de injunções políticas; a adoção da representação proporcional e da cédula oficial e única nas eleições majoritárias; o registro dos partidos políticos e a afirmação da unidade nacional em matéria eleitoral.

A Lei nº 1.164, de 24 de julho de 1950, instituiu o código que regulou a Justiça Eleitoral, os partidos políticos e toda matéria relativa a alistamento, eleições e propaganda eleitoral até 1965, quando nova lei, de nº 4.737, instituiu o Código Eleitoral, em vigor até hoje com algumas alterações.

A legislação eleitoral no período compreendido entre a deposição de João Goulart (31.3.1964) e a eleição de Tancredo Neves (15.1.1985) foi marcada por uma sucessão de atos institucionais e emendas constitucionais, leis e decretos-lei com os quais os dominantes conduziram o processo eleitoral de maneira a adequá-lo aos seus interesses. Visou, sobretudo, a obtenção de uma maioria política favorável ao governo. Alterou-se a duração dos mandatos, cassaram-se direitos políticos, decretaram-se eleições indiretas para presidente da República e governadores dos estados. Instituíram-se as candidaturas natas, o voto vinculado, as sublegendas; alterou-se o cálculo para o número de deputados na Câmara, com base ora na população, ora no eleitorado, privilegiando estados menos populosos, e reforçando assim o poder discricionário do governo. A escolha de prefeitos dos municípios considerados de interesse da segurança nacional e das estâncias hidrominerais, outra inovação do regime militar, caiu em 1985.

No contexto de bipolaridade ideológica mundial, era mais um momento de excepcionalidade política que nossa democracia teria de superar. E felizmente acabou por fazê-lo.

Durante esse período foram eleitos, indiretamente, cinco presidentes militares. A sociedade, entretanto, principalmente nas grandes cidades, continuava mobilizada clamando por mudanças políticas mais profundas, que culminassem na redemocratização do país. Não obstante, a primeira eleição, em 15 de janeiro de 1985, de um presidente da República civil durante esse regime de exceção foi ainda indireta, por meio de um colégio eleitoral.

Em 1982, mesmo ano em que foi eliminado da legislação eleitoral o voto vinculado - instituído pela Lei nº 4.737, de 15 de junho de 1965 -, a Lei nº 6.996, de 7 de junho, dispôs sobre a utilização do processamento eletrônico de dados dos serviços eleitorais. Três anos depois, em 1985, a Lei nº 7.444 disciplinou a implantação do processamento eletrônico de dados no alistamento eleitoral e na revisão do eleitorado, possibilitando, em 1986, o recadastramento, em todo o território nacional, de 69.371.495 eleitores sob a supervisão e orientação do Tribunal Superior Eleitoral. Era o primeiro passo para que conquistássemos a total informatização que hoje temos.

A Constituição promulgada a 5 de outubro de 1988 determinou que o presidente e os governadores, bem como os prefeitos dos municípios com mais de 200 mil eleitores, sejam eleitos por maioria absoluta ou em dois turnos se nenhum candidato alcançar a maioria absoluta na primeira votação e, naqueles municípios com menos de duzentos mil eleitores, os chefes do executivo sejam eleitos por maioria simples. Estabeleceu, ainda, que o período de mandato do presidente seria de cinco anos, vedando-lhe a reeleição para o período subseqüente, e fixou a desincompatibilização até seis meses antes do pleito para os chefes dos executivos federal, estaduais e municipais que quisessem concorrer a outros cargos.

Para evitar os casuísmos, tão comuns no período anterior, a Emenda Constitucional nº 4, de 14 de setembro de 1993, estabeleceu que lei modificadora do processo eleitoral somente será aplicada um ano após sua vigência. A Emenda Constitucional de Revisão nº 5, de 7 de junho de 1994, reduziu para quatro anos o mandato presidencial, e a Emenda Constitucional nº 16, de 4 de junho de 1997, permitiu a reeleição dos chefes dos executivos federal, estadual e municipal para um único período subseqüente. Com a aprovação da Lei nº 9.504, em 30 de setembro de 1997, o legislador pretendeu dar início a uma nova fase em que a normatização das eleições seja duradoura.

Srªs e Srs. Senadores, as dificuldades e os recuos foram muitos, mas estamos conseguindo superar todos. Nossa aspiração é a de que o caminho democrático não mais tenha volta no País. As últimas eleições mostraram isso.

Hoje, é consenso nacional a importância de eleições livres e democráticas para a solução de nossos problemas. E os mecanismos e normas de controle das eleições são os mais seguros de nossa história.

Depois desse longo processo de amadurecimento por que passamos, de duzentos anos de aprendizado, hoje podemos dizer que vivemos uma verdadeira democracia representativa no País. É claro, no entanto, que não podemos nos acomodar. As melhorias serão sempre bem-vindas. A reforma política que a futura legislatura deverá empreender deve estar em nossa agenda política. Projetos e propostas já existem tramitando no Congresso Nacional. As discussões sobre o financiamento público de campanha, a reforma partidária, o voto distrital misto, a fidelidade partidária, etc., podem e devem ser apreciados com base na longa experiência da nossa realidade histórica.

Afinal, a democracia é um constante processo de aperfeiçoamento, bem refletido nos políticos livremente escolhidos pelas comunidades brasileiras. Em que pesem os tantos problemas que afligem o País, não tenho dúvidas de que a classe política tem toda a capacidade e sensibilidade para continuar aprimorando nossas instituições, e atender aos justos reclamos de uma população dia a dia melhor informada e consciente dos seus direitos de cidadania.

Era o que tinha a dizer.

Obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/2002 - Página 24436