Discurso durante a 144ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

APELO AO PRESIDENTE DA CAMARA DOS DEPUTADOS PELA CONCESSÃO DE URGENCIA A TRAMITAÇÃO DA PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO 498, DE 2001, QUE ALMEJA A EXTINÇÃO DO TRABALHO FORÇADO NO PAIS.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • APELO AO PRESIDENTE DA CAMARA DOS DEPUTADOS PELA CONCESSÃO DE URGENCIA A TRAMITAÇÃO DA PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO 498, DE 2001, QUE ALMEJA A EXTINÇÃO DO TRABALHO FORÇADO NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2002 - Página 24901
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, OCORRENCIA, TRABALHOS FORÇADOS, AMBITO NACIONAL, APRESENTAÇÃO, DADOS, DENUNCIA, VIOLENCIA, VITIMA, TRABALHADOR, REGISTRO, ILEGALIDADE, SITUAÇÃO, DIFICULDADE, FISCALIZAÇÃO, PODER PUBLICO, MANUTENÇÃO, IMPUNIDADE, EMPREGADOR.
  • SOLICITAÇÃO, AECIO NEVES, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, CONCESSÃO, REGIME DE URGENCIA, TRAMITAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, OBJETIVO, COMBATE, TRABALHOS FORÇADOS, BRASIL, REALIZAÇÃO, DESAPROPRIAÇÃO, TERRAS, EMPREGADOR, EXECUÇÃO, VIOLENCIA, TRABALHADOR, DESTINAÇÃO, REFORMA AGRARIA.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr Presidente,Srªs e Srs. Senadores, há mais de 110 anos foi suprimido o instituto da escravidão de nosso ordenamento jurídico. Mesmo vinda com atraso, a abolição, coroando séculos de árduas lutas, assinalou o momento em que não mais se poderia usar, no Brasil, esse inominável instrumento de exploração do trabalhador e da mais abjeta desigualdade de tratamento dos seres humanos.

Desde então, argumentou-se que a obra da abolição deveria ser complementada por outras medidas, que trouxessem condições dignas de trabalho e de vida à população liberta do jugo escravocrata. Sabemos que muitas dessas medidas tardaram e ainda tardam, em razão das muitas vicissitudes das lutas pela emancipação do povo brasileiro, que venha a garantir-lhe o pleno usufruto de seus direitos humanos e sociais.

O que nem mesmo os mais pessimistas poderiam imaginar, Sr. Presidente, é que, no alvorecer do século XXI, ainda deparássemos com a odiosa prática da escravidão em nosso País.

Temos, agora, não uma ordem jurídica absurda a ser superada, mas a contravenção sistemática à lei por parte de pessoas detentoras de riquezas e desprovidas de escrúpulos; pessoas que se valem da situação de miséria da população brasileira para explorá-la da maneira mais completa e mais vil.

A moderna escravidão não se faz com a compra de seres humanos no mercado, mas se vale da penúria de nossa gente para ludibriá-la com a promessa de um tão desejado emprego. O simples transporte ao local de trabalho já deixa endividados aqueles que para lá se destinam. Os elevados gastos com a obtenção de alimentos, fornecidos unicamente pelo patrão, a impossibilidade de protesto ou de fuga em propriedades isoladas e o emprego sistemático da força e da violência criam as condições necessárias para a total submissão dos trabalhadores aos que alegam empregá-los. 

Dados do Ministério da Justiça indicam que “a Amazônia concentra 72% do trabalho escravo do País”. Particularmente em nosso Pará, temos constatado, ao longo dos anos, a gravidade do problema, atingindo dimensões maiores do que em qualquer outro Estado. Não há dúvida de que a imensidão e o isolamento das terras, somadas à precária presença dos poderes públicos, tornam nossa região mais vulnerável a essa ação criminosa, que a população amazônica em peso quer ver exemplarmente combatida e punida.

Para termos uma mais precisa noção do grau do desrespeito aos direitos humanos que acompanham o trabalho forçado, registremos as tristes conclusões do professor José de Souza Martins, coordenador da comissão do Ministério da Justiça que trata do assunto: “na década de 90, 20,7% dos trabalhadores escravizados foram mortos, 24,3% torturados e 15,3% submetidos a humilhações de vários tipos, incluindo violência sexual”.

Não persiste qualquer dúvida, Srªs e Srs. Senadores, sobre a necessidade de extirparmos essa prática abominável do seio da sociedade brasileira. Felizmente, alguns avanços vêm sendo obtidos no combate à persistência da escravidão no Brasil. Entre 1995 e 2001, cerca de 3 mil e 400 pessoas mantidas sob trabalho forçado foram libertadas pelo grupo móvel de fiscalização, constituído por técnicos do Ministério do Trabalho e por policiais federais. Apenas no primeiro semestre deste ano, foram libertados 1.149 trabalhadores submetidos às mesmas condições.

As estatísticas divergem, entretanto, quando se trata de estimar o número de trabalhadores que permanecem escravizados. Autoridades do Poder Executivo federal alegam que eles perfazem cerca de 2.500 casos. A Comissão Pastoral da Terra (CPT), acompanhada pela OAB, afirma que o número de pessoas escravizadas no País chega a 15 mil.

É temerário basearmo-nos em previsões por demais otimistas, que possam arrefecer os esforços de combate à escravidão em território brasileiro. Afinal, como lembrou recente editorial de O Estado de S. Paulo, o trabalho escravo é uma atividade ilegal, e aqueles que impõem essa condição não preenchem formulários para o IBGE com os respectivos dados.

O depoimento de Frei Xavier Plasset, coordenador da campanha contra o trabalho escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), na I Jornada de Debates sobre o tema, há pouco realizada nesta Capital, alertou-nos sobre a possibilidade de essa prática abominável estar crescendo, não obstante os esforços empenhados em reprimi-la.

Parece mesmo plausível haver um crescimento do trabalho escravo no País, quando verificamos que apenas três pessoas foram condenadas pela Justiça brasileira por esse crime. É mais uma vez a impunidade, Srªs e Srs. Senadores, que faz com que esse absurdo desrespeito à condição humana continue a ser perpetrado. Relatório da Organização Internacional do Trabalho, citado por Frei Plasset, expõe o alto grau de reincidência do crime do trabalho forçado, que chega a uma média de 4,2 vezes. Uma única família de fazendeiros teve flagrada em nada menos que oito vezes a prática da escravidão em suas propriedades.

É indubitável, Sr. Presidente, a necessidade de medidas mais duras para combater essa realidade em todos os sentidos inaceitável. Tem sido enfatizada a importância de deixar incontroversa a competência da Justiça Federal para julgar esses crimes, que representam muito mais que uma infração trabalhista. Ressaltam-se, ainda, os consideráveis ganhos, do ponto de vista prático, que traria a integração das ações dos diversos órgãos governamentais envolvidos com o problema.

Uma outra medida, no âmbito do Poder Legislativo, pode contribuir em muito para o combate ao trabalho escravo no Brasil. Diversas autoridades, assim como várias organizações não governamentais e pessoas comprometidas com essa causa, têm-se posicionado com veemência pela urgente aprovação da Proposta de Emenda Constitucional que tramita presentemente na Câmara dos Deputados sob o nº 438, de 2001. 

Essa Proposta, que tivemos o ensejo de apresentar e foi aprovada no Senado Federal com o n° 57, de 1999, modifica o artigo 243 da Constituição Federal no sentido de ampliar as hipóteses de desapropriação de terras, sem qualquer indenização ao proprietário, para sua utilização na reforma agrária. Além das terras onde se localizam culturas ilegais de plantas psicotrópicas, como previsto na Carta vigente, passariam a ser desapropriadas sem indenização as propriedades onde for constatada a exploração do trabalho escravo.

Faço ainda o registro, Sr. Presidente, do Projeto de Lei, de nossa iniciativa, que foi aprovado no Senado sob o nº 352, de 1999, e que tramita na Câmara com o nº 5.487, de 2001. O intuito, ao apresentá-lo, foi o de acelerar a possibilidade de desapropriação das terras onde se constatasse a existência de trabalho escravo, mesmo sob as presentes determinações constitucionais.

Queremos ressaltar, Srªs e Srs. Senadores, a relevância da aprovação da PEC nº 438, de 2001, pela Câmara dos Deputados, para a almejada extinção do trabalho forçado no País. Esses repugnantes escravocratas modernos devem, além de ser condenados e presos, perder o direito sobre a propriedade que utilizaram para a mais degradante exploração de seres humanos, com a finalidade de ampliar seus lucros. Se é o poder econômico que torna viável tal prática covarde, devemos atacar o mal pela raiz, retirando-lhes as propriedades tão desumanamente exploradas para destiná-las aos relevantes fins da reforma agrária. 

Não há dúvida de que, concretizando-se tal medida, se veria drasticamente reduzida a reincidência dessa prática inaceitável - e os fazendeiros inescrupulosos que pensassem em se iniciar em tal crime avaliariam o sério risco de perderem suas terras.

Não posso mencionar aqui todos os apelos que vêm sendo formulados no sentido da célere aprovação da PEC nº 438/2001 na Câmara dos Deputados. Compulsando notícias recentes relativas ao tema, registro as manifestações do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ministro Francisco Fausto de Medeiros; do Presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ministro Nilson Naves; do Chefe do Programa Internacional de Combate ao Trabalho Escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Roger Plant; do Secretário Nacional de Direitos Humanos, Paulo Sérgio Pinheiro, que se expressou, nesse sentido, em seu nome e no do Presidente da República; da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe); e de diversas outras entidades e autoridades que endossaram as conclusões da I Jornada de Debates sobre Trabalho Escravo, realizada em setembro deste ano.

Muitas dessas autoridades foram, ademais, enfáticas em apontar a necessidade de que a citada PEC entre de pronto em regime de urgência na Câmara dos Deputados, a fim de ser aprovada ainda na presente legislatura.

Esse conjunto de manifestações está em perfeita sintonia com o clamor da sociedade brasileira pelo fim inadiável da escravidão em nosso País!

Quero somar a minha voz à de todas as pessoas e entidades que assim se manifestaram para apelar ao Presidente da Câmara, ilustre Deputado Aécio Neves, que determine a tramitação em regime de urgência da Proposta de Emenda Constitucional nº 438, de 2001.

Temos certeza, Srªs e Srs. Senadores, de que o povo brasileiro, no presente e no futuro, saberá reconhecer a importância desse gesto do Presidente da Câmara, para pôr um término definitivo à inaceitável exploração do trabalho escravo em nosso País.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2002 - Página 24901