Discurso durante a 145ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENCONTRO DO PRESIDENTE ELEITO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, COM O PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMERICA, GEORGE W.BUSH.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENCONTRO DO PRESIDENTE ELEITO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, COM O PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMERICA, GEORGE W.BUSH.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2002 - Página 25274
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, VISITA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • ANALISE, RELAÇÕES DIPLOMATICAS, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), REGISTRO, EXCESSO, PROTECIONISMO, DIFERENÇA, COMERCIO, TECNOLOGIA.
  • COMENTARIO, DOCUMENTO, ELABORAÇÃO, EMPRESARIO, BRASIL, ANALISE, POSSIBILIDADE, VANTAGENS, PREJUIZO, ENTRADA, PAIS, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA).
  • REGISTRO, DOCUMENTO, NECESSIDADE, OCORRENCIA, ALTERAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO, BRASIL, ESPECULAÇÃO, QUALIFICAÇÃO, MÃO DE OBRA, MODERNIZAÇÃO, PARQUE INDUSTRIAL, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, ANALISE, ORADOR, IMPORTANCIA, MELHORIA, ESTUDO, SITUAÇÃO, TENTATIVA, CONVERSÃO, PREJUIZO, INTEGRAÇÃO, VANTAGENS.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Presidente eleito do Brasil, Presidente Lula, deve encontrar-se hoje com o Presidente dos Estados Unidos. A pauta da reunião é extensa e, com toda certeza, o diálogo não será tão fácil quanto gostaríamos.

O nosso País e os Estados Unidos têm um relacionamento muito antigo, que já foi próximo e distante. Hoje, o Brasil busca ter um pouco mais de independência em relação aos Estados Unidos. Os nossos PIBs já tiveram uma diferença de apenas seis vezes; atualmente, é de quase dezessete vezes. O Brasil perdeu espaço. Sabemos que 25% de nossas exportações vão para os Estados Unidos. Embora a União Européia já represente peso maior, individualmente, os Estados Unidos são o país mais importante nesse balanço.

Entre o diálogo e a ação existe uma diferença muito grande. Na teoria, no diálogo, na conversação, os Estados Unidos se dizem um país aberto e querem que todos os demais países o sejam, e este mundo globalizado tem exigido isso. Na realidade, entretanto, sabemos que não é bem assim. E não é bem assim, quando analisamos alguns itens. O fumo, por exemplo, tem 350% de taxação; o aço brasileiro, de grande produtividade, mais de 200%. Os sucos estão em situação semelhante. Entre nossos produtos de maior produtividade, agrícolas e até mesmo industriais, temos entre 36 e 40 produtos altamente taxados pelos Estados Unidos.

Graças a Deus, nossas diferenças estão no comércio, porque é muito difícil estar ao lado de um país grande. Que o diga o México, que perdeu dois terços de seu território para os Estados Unidos. Nós sabemos que os Estados Unidos são a maior potência do mundo. Nós sabemos que nunca na história da humanidade houve um país com tanta força militar, tanta força tecnológica. Eu mesmo tenho o maior respeito pelos Estados Unidos, mas é preciso que esse relacionamento melhore. Aliás, ele já caminha para uma proximidade que, se Deus quiser, vai ser producente para nós. Mas precisamos ter certa cautela.

Com a globalização, o mundo passou a ser uma grande aldeia mesmo. Países que nem conhecíamos, de repente passaram a ser importantes, por causa da fluidez dos recursos financeiros. Imaginem se, há cinqüenta anos, houvesse, por exemplo, uma crise na Rússia. Ela não teria nenhuma repercussão no Brasil, ninguém tomaria conhecimento dela. Hoje sentimos as conseqüências de acontecimentos que ocorrem em qualquer país, por menor e mais distante que ele seja. O mundo globalizado é complicado e não temos a opção de não fazer parte dele.

Nós estamos vivendo o sonho do Mercosul. Esse é um sonho difícil. Temos ao nosso lado a Argentina, que já foi, no mundo militar - sabe disso quem fez Escola Superior de Guerra, quem é militar -, a nossa primeira opção de guerra. Não que quiséssemos realmente isso, mas os dois grupos militares, de um lado e de outro, faziam todos os exercícios pensando em quem seria o inimigo e não havia coincidência de idéias. Entramos até em uma corrida em busca da bomba atômica. Graças a Deus, essa é uma fase superada. Sobre o assunto, há que se mencionar também aqueles acordos que corriam entre os países. Na América do Sul inteira, só havia um país que era nosso aliado para valer, que era o Chile; os outros todos eram aliados caso houvesse um enfrentamento. Graças a Deus, isso também foi superado. O mundo é outro e nos tratamos hoje como irmãos.

O Mercosul tem sido uma demonstração da nossa boa vontade: compramos dos argentinos, Senador Nabor Júnior, US$5 bilhões anualmente, e eles nos compram aproximadamente US$2 bilhões. Temos mantido abertas as nossas portas apesar de nem sempre ter havido reciprocidade. Sabemos, porém, que ações nesse sentido são necessárias para a criação de um mercado comum. Aliás, esse mercado dá um passo gigantesco, com o conceito nacionalidade que se esboça - o cidadão brasileiro poderá trabalhar na Argentina e lá exercer a sua profissão ou vice-versa, sendo tal situação válida para outros países. Isso é um progresso muito grande. Anos atrás um conceito de nacionalidade com essa flexibilidade seria inconcebível. Graças a Deus, o que aconteceu na Europa está acontecendo no Mercosul. Mas ainda somos muito pequenos quando comparados à Alca, que deve ser, com toda a certeza, um dos itens de discussão entre o Presidente Bush e o Presidente Lula.

A Alca pode ser uma redenção: o México, com a entrada no Nafta, saltou da 21ª posição para a 8ª no cômputo das nações, em exportação.

A Alca pode ser muito importante, mas é preciso que olhemos alguns itens com cautela: por exemplo, os serviços. Os nossos serviços são muito caros e muito complicados quando comparados aos prestados no Hemisfério Norte, e certamente muitas das nossas empresas não terão saúde, muitos dos nossos profissionais não terão saúde para enfrentar concorrência tão acirrada como a que virá com a implantação total da Alca.

Sr. Presidente, apesar de ser importante a discussão de outros temas, como o terrorismo e o problema dos fitossanitários, nossa maior preocupação recai sobre a implantação da Alca. Precisamos pensar seriamente sobre essa Área de Livre Comércio das Américas, que, a partir de janeiro de 2006, poderá ser concretizada - será uma espécie de mercado comum, uma espécie de Mercosul envolvendo trinta e quatro países da Organização dos Estados Americanos. A Alca funcionaria de forma semelhante aos mercados regionais hoje existentes neste lado do mundo, como o Mercosul, e o Nafta, na América do Norte, que engloba Estados Unidos, Canadá e México.

Se somarmos a janeiro de 2006 - faltam aproximadamente quatro anos - uns poucos anos adicionais de transição para a vigência plena da abertura dos mercados, tem o Brasil entre cinco e oito anos para se adaptar a essas novas regras. Esse tempo de preparação é pequeno para enfrentar uma competição com os Estados Unidos - principalmente no que diz respeito a serviços e indústrias -, que hoje é a mais potente economia do planeta. Como eu disse, isso pode nos trazer muitas vantagens, mas, com certeza, muitos ajustes serão necessários.

Se bem que tal abertura econômica, caso bem negociada, possa significar vantajoso acesso de alguns produtos nossos a um mercado ampliado e rico, a maior parte da nossa economia estará, com a Alca, sob a ameaça de destruição, a não ser que, no exíguo prazo que nos resta, saibamos nos preparar para a nova situação, elevando dramaticamente a nossa capacidade de produzir e concorrer.

As linhas gerais de um programa nacional de mobilização para enfrentar a Alca constam de um documento que foi preparado por duas entidades empresariais preocupadas com esse monumental desafio. Trata-se de um breve texto, ao qual desejo aqui dar destaque, assinado por Luiz Carlos Delben Leite, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, Abimaq, e do Sindicato Nacional da Indústria de Máquinas, Sindimaq.

É uma espécie de agenda de ações para fortalecer a competitividade internacional dos setores produtivos brasileiros, uma tentativa de converter o que hoje se vê como ameaça - a Alca - em oportunidades positivas para nossa indústria, nosso serviço, comércio e agronegócio.

A agenda proposta pelas duas entidades desenvolve-se em várias vertentes. Primeira: considerando os elevadíssimos níveis tecnológicos norte-americanos, devemos implementar estímulos para que as nossas empresas possam rapidamente galgar patamares superiores aos atuais no que tange à tecnologia utilizada.

Um dos meios para isso é trilhar o caminho adotado pelos Estados Unidos, onde o Poder Público associa aos programas de investimentos governamentais as indústrias e a pesquisa científica, garantindo, sem subsídios, a permanente modernização e irrigação de recursos para toda a economia.

Numa segunda vertente: as ações dessa agenda positiva deveriam estar dirigidas à conclusão e efetivação das reformas de base, com especial ênfase e urgência à complementação da reforma tributária, que deve induzir a eficiência produtiva.

A competitividade em nossa economia requer, além disso, a modernização da Justiça - é uma lástima vê-la como está; não é culpa dos juízes, é que o nosso ritual jurídico é processualístico, entupindo todas as varas federais e estaduais -, a modernização da previdência - este ano não sei como sobreviveremos com um furo de 70 bilhões - e a modernização das leis trabalhistas. Morei nos Estados Unidos e pude perceber a diferença entre as leis dos dois países: lá tudo é muito fácil. Aqui procuramos garantir o emprego com leis, mas acabamos aumentando a informalidade. Isso nos criará problemas.

Para melhorar nossa competitividade, é necessário, ainda, recapacitar recursos humanos e reduzir taxas de juros - estamos falando em taxas de juros que, nos Estados Unidos, hoje, giram em torno de 2%, enquanto aqui elas alcançam 22%. Aliás, se formos confrontar moedas, a defasagem é maior ainda, o que torna insustentável a nossa situação. Daí os problemas por que estão passando nossas empresas aéreas - as empresas aéreas deles também estão tendo problemas, mas as nossas se tornam inviáveis numa competição como essa.

Necessária se faz também a reestruturação dos mercados de capitais. Já fiz aqui três ou quatro discursos mostrando como a legislação lá é perfeita - as informações são punidas. Aqui não temos sequer uma legislação organizada.

Por fim, como terceira vertente, haveria a ação diplomática: a negociação em todas as frentes, e não só a da Alca, de acordos comerciais, bilaterais ou multilaterais, visando ao aumento do fluxo do nosso comércio exterior e, portanto, das escalas de produção de empresas brasileiras, aproximando-as das dimensões das empresas em vigor nos Estados Unidos.

O documento da Abimaq/Sindimaq ressalta ainda que, nesse esforço nacional concatenado, deverão engajar-se entidades representativas das empresas e dos trabalhadores, as universidades, os serviços de formação profissional, as grandes empresas, todos esses procurando obter uma sinergia de modernização de processos de produção e métodos de gestão, em uma busca incessante, ampla e obstinada da eficiência produtiva e da qualidade.

Como disse o ex-Ministro do Exterior, Mário Gibson Barboza, em artigo publicado pelo Jornal do Brasil, no dia 9 de julho próximo passado, a Alca, tão insistentemente defendida pelos Estados Unidos é, no fundo, um projeto de poder desse país para enfrentar o seu único concorrente, a União Européia, o que não significa que isso seja fatalmente desvantajoso para o Brasil. Isso dependerá de como o Brasil vai negociar com eles, se com competência - e para isso precisamos reconhecer as nossas vulnerabilidades - ou se de forma incompetente.

No processo de negociação do nosso ingresso na Alca, devemos insistir na prioridade e no fortalecimento do Mercosul. O Mercosul é o nosso destino natural, é uma escola de negociação comercial, é uma experiência valiosa de integração, escola e experiência que podem nos melhor credenciar para um projeto mais amplo e mais arriscado como é a Alca.

É aprendendo a superar as pendências e disputas do Mercosul que nos habilitaremos a enfrentar o feroz protecionismo de economias mais poderosas que a nossa, que aprenderemos a difícil convivência com a Organização Mundial do Comércio - OMC, esse clube de iguais criado segundo regras que favorecem os mais iguais, isto é, os países mais ricos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a vasta agenda que o Presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva terá com o Presidente George W. Bush é apenas o início de um debate em que haverá alguns atritos, mas que, com certeza, terminará bem. Que tenhamos o engenho e a arte para sairmos bem dessa negociação imediata, enfrentando com sucesso o desafio da Alca!

A imprensa está demonstrando uma enorme preocupação com a legislação trabalhista, um dos itens importantes de diferenciação. No Brasil, há uma legislação obsoleta, feita na década de 40. E toda vez em que se discute essa questão, verifica-se que não há convergência: o empregado diz que precisa de mais regras, e o empregador alega que é preciso mais liberdade.

Temos que nos conscientizar no sentido de que, no prazo de seis a oito anos - não temos como escapar -, estaremos dentro da Alca. Precisamos encontrar os pontos de convergência e nos preparar para o enfrentamento desse desafio, para que o nosso ferro elétrico possa concorrer com o americano; para que o nosso dentista, uma vez que haverá um território único, possa concorrer com o americano; para que nossas construtoras possam concorrer com as americanas; para que os nossos carros possam concorrer com os deles; para que a área de Informática, que está gerando um enorme rombo na balança de pagamentos, tenha condições de concorrer com a deles.

Na Comissão de Assuntos Econômicos, hoje, falávamos da xenofobia que surge na legislação feita pelos parlamentares, e mostrei um exemplo que aconteceu recentemente. Criamos tanta dificuldade para a área de Informática, que as empresas, não podendo se instalar no Brasil, foram para a Costa Rica, que é hoje um país florescente, com PIB crescente, com padrão de vida excelente, tudo isso graças ao crescimento da Informática, da fabricação de placas e tudo mais. Perdemos a vez, porque fomos incompetentes.

Mais uma vez, o destino nos dá a oportunidade de discutirmos o nosso futuro, e, mais uma vez, o tempo é curto.

Fui o Relator de patentes na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania desta Casa e sei o quanto foi difícil obtermos algumas pequenas vitórias, como aquela que permitiu a venda dos produtos genéricos e a fabricação de medicamento licenciado cuja implantação não tivesse sido efetuada ou cujo preço fosse abusivo. Graças a isso, conseguimos algumas vitórias no Ministério da Saúde.

Mas me lembro do quanto as coisas pareciam simples nesta Casa e o quanto se tornaram difíceis. Queríamos um INPI forte para fazer pressão à propriedade industrial e para que, assim, não acontecesse o que está acontecendo agora. Por exemplo, no caso de um comprimido para dor de cabeça à base de acetilsalicílico, o fabricante muda um pouco a fórmula e diz que agora é aspirina forte, passando a obter mais 25 anos de patente. Com isso, passa a existir uma escravidão tecnológica.

Tendo conhecimento disso, devemos começar a trabalhar imediatamente, para podermos ser vitoriosos nessa batalha. Temos que reconhecer as nossas vulnerabilidades e corrigi-las. Caso contrário, quando houver o confronto, apenas lamentaremos o fato de os mais fortes levarem vantagem e nós ficarmos a ver navios.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2002 - Página 25274